A resolução do Contran 164, editada no último dia 10 de setembro e que dispensa a AET para veículos com até 57 toneladas, gerou polêmica entre setores de fiscalização das rodovias. Mas veja a análise sobre o assunto, feita pelo engenheiro de transportes, João Batista Dominici:
1. Estudos realizados pelos DER’s de São Paulo e do Rio Grande do Sul comprovaram o baixíssimo impacto dessas combinações sobre pontes e pavimentos;
2. A resolução 164 do CONTRAN não altera nenhum aspecto da resolução 12/98 do CONTRAN. Não foram alterados limites de pesos ou dimensões ou dispensadas exigências para os demais veículos e condições. O que ela acaba é com a exigência de AET para bitrem, mais precisamente para as combinações de até 57 toneladas de peso bruto total combinado (PBTC) e que atendam a requisitos como máximo de 7 eixos, comprimento mínimo de 17,5 metros e máximo de 19,8 m, unidade tratora do tipo cavalo mecânico e acoplamento com pino rei e quinta roda.
3. A dispensa da AET para bitrem, determinada pela resolução não é uma vitória dos caminhoneiros contra os DER’s ou contra as estradas, mas sim uma vitória contra a burocracia;
4. Segundo o ministro Luiz Fernando Furlan, o Brasil desperdiça 5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou US$ 25 bilhões, por conta da burocracia do setor público;
5. A AET, do ponto de vista de alguns órgãos públicos, serve apenas para duas coisas: alimentar a fúria arrecadadora do estado e transferir responsabilidades: se algo acontecer e o veículo estiver portando uma AET, não é problema nosso;
6. Uma empresa proprietária de bitrem com atuação nacional precisa requerer, atualmente, pelo menos, 15 AET’s se quiser rodar em todo o território brasileiro;
7. As exigências variam de órgão para órgão, assim como as taxas que vão de R$ 0,00 (SC) a R$ 365,00 (RJ), confira aqui>>>;
8. Para obter todas essas AET’s, a empresa vai precisar desembolsar entre taxas e serviços de despachantes mais de R$ 2.500,00 por caminhão e esperar não menos que um mês para ter todos os documentos e poder utilizar sua frota;
9. A exigência dessa medida meramente burocrática desviou, apenas em 2004, mais de R$ 40 milhões dos caminhoneiros, valor que poderia ter sido utilizado para renovação de frota, cuja idade no Brasil anda em torno de 17 anos;
10. Na prática, AET para bitrem serve para uma porção de coisas, menos para exercer qualquer tipo de controle sobre o uso das rodovias pelos bitrens já que, exceto em um ou dois estados, as AET’s são concedidas sem quaisquer restrições de rotas ou de horários (confira aqui AET do DNIT, DER/PA, DER/MS e AGETOP/GO);
11. O grande mérito da resolução 164 é que ela propicia a troca de providências meramente burocráticas por providências efetivas de controle da circulação dessas e de outras combinações, determinando aos órgãos providências de levantamento, regulamentação e sinalização dos trechos de rodovias com limitação de capacidade portante, portanto, impróprios para circulação dessas composições que pelas regras atuais estavam totalmente liberados;
12. É óbvio que em alguns estados nem toda a malha rodoviária está apta a circulação de bitrens, como de algumas combinações normalmente liberadas para livre circulação. Não obstante a responsabilidade por vistoriar, identificar e sinalizar esses trechos e definir rotas preferenciais para os veículos mais pesados, principalmente considerando a necessidade de escoamento da produção agrícola e industrial, é indiscutivelmente do poder público;
13. Prova disso é, com efeito, o lançamento nos próximos dias de um edital de licitação" pelo Ministério dos Transportes para instalação de pelo menos 60 postos de pesagem nas rodovias federais, sendo que metade delas até o fim do ano;
14. Com a dispensa da AET, paradoxalmente, melhora-se o controle das rodovias, já que os órgãos serão obrigados a vistoriá-las, proceder a identificação de possíveis trechos com problemas, regulamentá-los e sinalizá-los;
15. Os órgãos têm até o dia 15 de dezembro de 2004 para levantarem, regulamentarem e sinalizarem os trechos de rodovias com possíveis restrições de capacidade portante;
16. Ao contrário do que parece, a maioria dos órgãos rodoviários estão aceitando bem a dispensa da AET para bitrem e começam a se mobilizar através da ABDER para tomarem as providências necessárias ao cumprimento da resolução;
17. As providências a serem tomadas são relativamente simples, limitando-se à identificação de possíveis pontos com limitação de capacidade portante, sinalização do local com placa de Regulamentação R-14 (carga máxima permitida) devendo, quando a restrição for aplicada em local onde não houver alternativa, ser antecedida por placas de Advertência do tipo A46, informando que à frente há limitação de peso bruto total e, ainda, quando for o caso placas indicativas e de orientação;
18. A partir, portanto de 16 de dezembro de 2004, os bitrens passam a ter sua circulação limitada, como os demais veículos, apenas pelas restrições efetivamente presentes na rodovia;
19. O bitrem reduz em 34% o consumo de combustível e em 40%, o consumo de pneus;
20. As hidrovias e ferrovias existentes no país respondem por apenas 25% das necessidades de transporte da produção agrícola e enquanto isso não mudar o uso de composições como o bitrem será fundamental para minimizar a nossa desvantagem logística com relação aos nossos principais competidores;
21. Segundo Arnaldo de Oliveira Barreto, diretor de infra-estrutura e serviços da CODESP, 73% das cargas que chegam ao Porto de Santos, vêm de caminhão;
22. Mesmo com a forte utilização desse tipo de composição o custo de transporte da soja da porta da fazenda até o porto é, ainda, U$ 15 mais cara no Brasil do que nos E.U.A.
23. Composições como o bitrem não são uma invenção brasileira (tem uso regular na Europa, Austrália, Estados Unidos e Canadá), mas são um imperativo para o Brasil, pelo menos enquanto não se consolidarem investimentos em ferrovias e hidrovias;
24. Lamentavelmente a burocracia é uma coisa insidiosa e cultural sendo na maior parte das vezes e, paradoxalmente, defendida até por aqueles que, de modo geral a combatem: se perguntarem ao engenheiro Francisco Carlos Barreto, do Instituto de Engenharia de São Paulo, que considerou em reportagem da Folha de São Paulo temerária a dispensa da AET para bitrem ele vai dizer de pronto que é contra. Porém, ao defender a manutenção de AET para bitrem sem saber efetivamente para o que ela serve e que na prática não passa de um ato burocrático, ajuda inadvertidamente a manter esse monstro que devora o Brasil.
25. Isso mostra que todo mundo é contra a burocracia, exceto na hora de acabar com ela.
*João Batista Pinheiro Dominici é engenheiro civil, especializado em trânsito e transporte