A dispersão de desempenho entre as companhias brasileiras será enorme nos próximos trimestres por causa da pandemia do coronavírus. O barato pode sair caro
No clássico livro de 1941: “Ilusões Populares e a Loucura Das Massas” Charles Mackay disserta sobre como o excesso de liquidez na economia e as emoções humanas – principalmente a ganância – geram manias e bolhas nos mercados. O que vemos hoje nos ativos financeiros é quase incompreensível para muitos analistas e economistas. O Indice Ibovespa sobe 50% do nível mais baixo que atingiu em maio, em um cenário de potencial desemprego crescendo assustadoramente resultando em queda de consumo e portanto em uma forte recessão de curto-prazo. Neste ambiente de previsível recessão os lucros das empresas terão queda significativa. Como justificar este otimismo dos investidores?
Da frigideira para o fogo
Parte da explicação tem a ver com a liquidez brutal nos mercados. A reação dos bancos centrais à atual crise da Covid-19 foi fulminante e avassaladora. Nunca se viu tamanho pacote de ajuda econômica com injeção de liquidez através de diferentes programas. Trilhões de dólares/ euros estão sendo injetados nas economias. Seguindo a teoria econômica, quando há um aumento líquido da oferta de um ativo, seu valor potencialmente cai. Ao mesmo tempo com uma maior liquidez na economia há o risco de inflação. Neste ambiente muitos investidores preferem ter ativos reais. Ouro, Bitcoin (perto das máximas históricas), imóveis e ações de boas empresas são alternativas a ter Reais, que muitos investidores temem que possa se desvalorizar.
Ao mesmo tempo que o dinheiro se desvaloriza os juros de curto-prazo (o famoso CDI) estão no nível mais baixo da história brasileira. Um CDI de 3% ao ano, líquido de imposto, provavelmente é menor do a inflação real de muitos investidores. O custo da escola dos filhos, eventuais viagens ao exterior, restaurantes, etc.. com certeza se apreciam mais do 3% a.a.. Neste cenário, para manter a expectativa de rendimentos o investidor tem de correr mais riscos em seus investimentos. Para ter os mesmo retornos de 2 a 4 anos atrás, teremos de correr mais risco. O tempo dos rentistas na renda-fixa ficou para trás por enquanto.
Dito isso, em março último muitos investidores de bolsa vendo as perdas patrimoniais expressivas no ponto mais agudo da crise venderam suas ações e migraram para renda-fixa de curto-prazo. Quando abriram os olhos, viram que teriam um retorno real zero ou negativo e viram também o mercado de ações se recuperar lentamente. Ao mesmo tempo, começaram a sentir crise de abstinência do mercado ou “saudades” das empresas que faziam parte de seus portfolios.
Um ensinamento que aprendi logo cedo no mercado é sempre colocar no papel o motivo pelo qual está comprando uma ação – fazer um plano de vôo do investimento. Escrever o racional de cada investimento te força a olhar os pontos importantes e com calma refletir sobre os potenciais riscos e o que fazer nas crises. Quando fiz um treinamento dos Navy Seals na California em San Diego, discutíamos e treinávamos todas as possibilidades que poderiam ocorrer na missão. Qualquer desafio que surgisse, estávamos preparados e cada uma sabia o que fazer. É mais fácil se preparar no meio da bonança do que estar despreparado no meio da tempestade.
Durante as semanas aterrorizantes de março, quem tinha um plano e sabia exatamente porque comprou cada ativo provavelmente teve mais tranquilidade para manter o investimento. Se as empresas escolhidas eram de boa qualidade e tinham posição competitiva sólida, foi menos dificil manter o investimento. Neste sentido, no atual contexto quais empresas estão indo melhor que a média? A atual crise está acelerando tendências que já vinham acontecendo. Os segmentos de comércio eletrônico, software-as-a-service, computação na nuvem, saúde e serviços financeiros têm acelerado muito a evolução, e em alguns casos até se beneficiado da crise. Em contraste a estas tendêncais seculares, setores como viagens, hotéis, shopping centers e restaurantes têm sofrido acima da média com a parada da economia.
A dispersão de desempenho entre as companhias brasileiras será enorme nos próximos trimestres. Como valorar as empresas que vão bem vis-a-vias às que vão “mal”? Prepare-se para pagar um prêmio pelos ativos de melhor qualidade e que têm uma dinâmica positiva. Empresas decadentes ou em dificuldades podem ser “value traps”, armadilhas de valor. O barato pode sair caro.
Sempre levo em consideração o preço que pago por um ativo. Porém, na minha experiência, sempre que achava que estava pagando um prêmio por um excelente empresa, nunca me arrependi. Com o tempo a qualidade do ativo se justifica.
Resumindo, a (1) liquidez jamais vista no mundo, (2) juros praticamente zero no Brasil, (3) fluxo intenso de pessoas físicas e institucionais em busca de retorno em ativos reais, (4) tendências seculares beneficiando alguns setores e (5) algumas empresas indo muito melhor que se esperava antes da crise. Se prepare, a injeção de liquidez jamais vista deve levar à mãe de todas as bolhas nos mercados. Teremos também várias bolhas filhote em alguns setores e empresas específicas.
O que pode dar errado: uma segunda onda de contaminações por covid-19 ou um nível de desemprego causando uma recessão maior que o esperado.