Existe uma máxima no setor do transporte rodoviário de cargas, afirmando que para ser proprietário de uma transportadora, não é preciso ter o caminhão, mas sim o negócio fechado com mercado.
O caminhão é contratado no mercado de caminhoneiros autônomos, na medida da necessidade. Este fato é prática recorrente no setor.
Muitos acreditam que a elevada flexibilidade do modal rodoviário refere-se apenas á sua capacidade de acessibilidade, velocidade e elevada disponibilidade de veículos aptos aos serviços.
Na verdade a flexibilidade mais percebida e reconhecida pelos embarcadores é a capacidade de uma transportadora rodoviária de cargas em adaptar-se aos picos de demanda por serviços, seja eles previstos ou imprevistos. Esta flexibilidade de adaptação é um atributo precioso, tanto para transportadoras, quanto para embarcadores e também para o governo de forma geral.
O valor para as transportadoras reside no fato de proporcionar maior faturamento, sem que haja necessidade de investimento em ativo fixo, além de manter a empresa embarcadora sob sua tutela logística.
Para os embarcadores a existência de caminhoneiros autônomos como suporte de flexibilidade da capacidade de transporte, é imprescindível para escoar os produtos em épocas de picos de demanda, dada pela sazonalidade normal dentro do ciclo de demanda anual e pelas metas de fim de mês.
Para o governo de forma geral a existência dos caminhoneiros autônomos garante fluidez em um sistema de transporte repleto de restrições, impostas pela precária infralogística que por sua vez é resultado da negligência de todos os governantes anteriores à Presidenta Dilma Rousseff.
Outros stakeholders deste cenário também se beneficiam da existência da categoria dos caminhoneiros autônomos, notadamente os representativos como as associações, sindicatos, federações e confederações de caminhoneiros autônomos.
Certamente existem muitos outros atores que circulam neste cenário em menor grau de intensidade e influência, como por exemplo, os agentes de frete, os postos de combustíveis, etc.
Este cenário de acomodação pode ser sacudido por uma intervenção, cuja origem é inimaginável.
Se os caminhoneiros autônomos se unissem e criassem a sua transportadora, certamente causaria um tremendo prejuízo àqueles que hoje se beneficiam de sua dispersão.
Os embarcadores perderiam a sua flexibilidade de atendimento dos picos de demanda sem planejamento prévio. Isto significa que os profissionais de logística das empresas embarcadoras se veriam obrigados a fazer a lição de casa, qual seja o de planejar em conjunto com a área de marketing e vendas, a previsão da demanda por serviços de transporte de forma muito bem ajustada e antecipada (isto também obrigaria as empresas embarcadoras a adotar a visão sistêmica da logística).
As transportadoras organizadas perderiam muito do seu faturamento extra frota própria, o que as levaria a manter clientes fixos e com planejamento de oferta de veículos adequado ao planejamento da demanda por serviços de transporte dos seus clientes, não aceitando variações bruscas por falta de elasticidade de oferta.
O governo teria a sua parcela de prejuízo em razão do tamanho que esta empresa tomaria. São mais de 780.000 veículos nas mãos de caminhoneiros autônomos.
Se desse total, cerca de 40% se dispusesse a ser parte integrante da nova transportadora, teríamos uma empresa com uma frota aproximada de 320.000 veículos.
Esta seria uma das maiores transportadoras do mundo, senão a maior e todo este poder pode levar a criação de truste. Com a organização de átomos dispersos sob a forma de molécula, célula, tecido e organismo, os seus representantes perdem aquilo que deu origem a sua lógica de atuação política, pois a empresa não precisa mais de defender, até porque ataca.
Perdem todos que não se alinharem aos interesses dessa nova empresa e o início desta nova era vai depender dos próprios caminhoneiros.
Por:
Mauro Roberto Schlüter
Professor de Logística da Mackenzie Campinas
Diretor do IPELOG