Um limite para a jornada

Publicado em
03 de Agosto de 2010
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Projeto de lei do Estatuto do Motorista Profissional pretende regulamentar, entre outras coisas, a jornada de trabalho dos caminhoneiros. Proposta que está em debate é de um limite de seis horas para o motorista empregado. Opiniões a respeito deste ponto - e de outros, como o intervalo obrigatório de 10 horas entre uma jornada e outra - são muito divergentes

O senador gaúcho Paulo Paim (PT-RS) quer aprovar, até o ano que vem, o projeto de lei 271, que institui o Estatuto do Motorista Profissional. Estatuto é o nome que se dá a um conjunto de normas que devem ser aplicadas, por exemplo, a uma categoria profissional - neste caso, a categoria dos motoristas, que abrange, no projeto de Paim, não apenas os caminhoneiros autônomos e empregados, mas também os motoristas de táxi e de ônibus.

Um dos pontos que mais chamam a atenção no projeto é o que limita a jornada de trabalho diária do caminhoneiro empregado a apenas seis horas. O próprio senador admite que se trata apenas de uma "primeira versão para provocar o debate". Outro ponto importante é a fixação em 10 horas do intervalo mínimo entre uma jornada de trabalho e outra, tanto para empregados como para autônomos.

Paulo Paim diz que seu desejo é que o texto final, a ser votado no Congresso, seja uma síntese das vontades de todos os que terão sua vida regulada pelo projeto. Para isso, ele tem ouvido muito. No dia 28 de abril, foi feita uma audiência pública sobre o tema em Brasília. Em maio, a NTC&Logística deu início a uma série de encontros para tirar suas próprias propostas. No dia 30 de junho, foi realizado um fórum de debates só para tratar do projeto do estatuto na 12ª Transpo-Sul - Feira e Congresso de Transporte e Logística do Rio Grande do Sul, com a presença do senador.

Toda essa movimentação demonstra que mais e mais gente está preocupada em resolver um velho e grave problema: o abuso do tempo de direção por caminhoneiros tornou-se praticamente uma regra no Brasil.
Raros são os motoristas que ficam menos de 10 horas por dia ao volante. Trabalhar de 12 a 16 horas é muito comum. Não raro, alguns passam a noite acordados para entregar uma carga expressa.

Se, por um lado, todos concordam que é preciso regulamentar a jornada de trabalho, por outro se observa que será difícil chegar a um número de horas que agrade a todos os participantes da discussão. Empregados, empregadores e autônomos têm visões muito diferentes. Nem as lideranças dos autônomos se entendem entre si.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade por Paulo Paim:

- Carga Pesada - Como está a tramitação do projeto?

Senador Paulo Paim - Nós estabelecemos fazer uma série de reuniões em Brasília para construir uma redação que seja de entendimento. Só vamos colocar em votação depois que haja um acordo com todos os setores envolvidos neste tema, que vai desde taxistas, motoristas de ônibus, caminhoneiros empregados autônomos e os mais variados setores.

CP - Não tem prazo?

Paim - A intenção nossa é aprová-lo no ano que vem.

CP - E como administrar as diferenças de interesse entre todos os setores que estão discutindo com o senhor?

Paim - Existem algumas coisas que unificam até o momento. A aposentadoria especial é uma delas. O serviço é considerado penoso. Então o caminhoneiro teria direito à aposentadoria especial. Ninguém é contra. Outra coisa que todo mundo é favorável é fortalecer o ensino técnico para os profissionais do volante, para que cada vez mais estejam preparados. E o terceiro ponto de consenso é que eles querem ter uma profissão regulamentada, que até hoje não está. Eu entendo que vai acabar prevalecendo uma redação que preserve o patrimônio e principalmente a vida dos motoristas.

CP - Em relação às 6 horas diárias há muita resistência no setor...

Paim - A versão original foi para provocar o debate. Eles que vão construir a carga horária que acharem mais adequada.

CP - Numa audiência pública que o senhor realizou um promotor do trabalho disse que as empresas contratam motoristas autônomos para burlar a legislação trabalhista, evitar o vínculo empregatício. O senhor concorda com isso?

Paim - Eu repito. Eu não tenho nesse debate uma posição de concordar ou não concordar. E sim de permitir o debate amplo. Naturalmente o autônomo que tem seu caminhão e vive dele quer manter sua autonomia. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas se há empresas que começam a contratar autônomo no lugar de trabalhador aí sim há um escorregão na lei.

Empregados querem 40 horas semanais

Um dos principais defensores do Estatuto é Luís Antonio Festino, integrante da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transporte Terrestre (CNTTT) e dirigente da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST). Ele representa os empregados nas conversas com o senador Paulo Paim.

Segundo Festino, não há razão para o motorista profissional ter uma carga horária diferente dos demais trabalhadores. Para viabilizar a redução da carga horária, ele propõe que as transportadoras criem pontos de apoio que possibilitem o revezamento de motoristas. E defende o pagamento de um adicional pelo tempo que o caminhoneiro passar nesses pontos de apoio. "Sempre que o caminhoneiro estiver fora de casa, à disposição da empresa, ele tem de receber", afirma Festino. Mas essa proposta não está prevista no estatuto.

Deve ser por segmento, diz empresário

O presidente da NTC&Logística, empresário Flávio Benatti, quer tempo para apresentar uma proposta de consenso entre patrões e empregados a respeito da jornada de trabalho dos motoristas. "Cada segmento tem uma realidade. O transporte de longa distância é diferente do de pequena distância. O trabalho dentro das cidades é totalmente diferente daquele realizado nas estradas. Isso deve ser levado em conta, como já ocorre com a legislação dos Estados Unidos, por exemplo", diz Benatti.

Questionado sobre o fato de serem comuns, atualmente, os relatos de motoristas empregados e autônomos que são obrigados a dirigir 15, 16 horas por dia, ele diz que acha "um absurdo". "Não posso concordar com isso. Acredito que aconteça porque não existe uma legislação que coloque regras nesse assunto."

Benatti ressalta que, ao limitar a jornada de trabalho, será preciso criar infraestrutura nas estradas para que os caminhoneiros possam parar. "Já temos cobrado da ANTT a necessidade de prever nos futuros contratos de concessão a construção de espaços para os caminhoneiros pararem. Se formos criar uma legislação que trate de render motorista ou parar para descanso, tem que se oferecer uma estrutura para fazer cumprir essa legislação."
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Setcemg), Ulisses Martins Cruz, também é a favor do controle do tempo de direção. "Estamos plenamente de acordo com o intervalo de 10 horas entre duas jornadas de trabalho, como está no projeto. Pode até ser de 11 horas. Mas o Brasil não tem condições de limitar a jornada diária de trabalho para motoristas de caminhão em seis horas. Faltariam motoristas, seria um ônus absurdo para a sociedade", afirma.

Miguel Mendes, diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Cargas (ATC) de Rondonópolis (MT), entende que o Brasil não dispõe da infraestrutura necessária para que a jornada de trabalho dos motoristas possa ser reduzida. "Nos países que diminuíram a jornada, há um equilíbrio maior entre os modais. Não é como no Brasil, em que o modal rodoviário responde por 60% do transporte de cargas. Teríamos que dar um salto bem grande antes de adotar uma medida como essa."

Ele ressalta que, no Brasil, apenas 35% dos caminhoneiros são empregados, e que uma jornada de trabalho reduzida vai fazer o mercado exigir ainda mais trabalho dos autônomos.
TRANSPORTADORAS - As transportadoras estão tratando o assunto com muita cautela. O diretor de uma das maiores empresas do País concordou em falar à Carga Pesada, desde que seu nome não seja publicado.
Ele acha que, se a jornada de trabalho do motorista for limitada a seis horas diárias, muitas empresas vão quebrar. "Acredito que seja possível reduzir a quantidade de horas trabalhadas pelos motoristas, mas essa medida não pode ser imposta de uma hora para outra", afirmou.

Os empregados da transportadora do nosso entrevistado têm liberdade para dirigir das 6 às 22 horas. "Se a carga é expressa, podem ficar ao volante até a uma da manhã, desde que autorizados pelo gestor da frota." Os próprios motoristas esticam a jornada, diz ele, para engordar o salário. "Eles ganham o estabelecido no dissídio coletivo e buscam metas de premiação de acordo com o tempo gasto na entrega e com o consumo de combustível."
O entrevistado acha razoável, para os motoristas empregados, uma jornada diária dividida em três turnos de quatro horas, como reivindica uma parte dos autônomos. "É óbvio que precisam parar entre esses turnos para descansar e se alimentar."

Autônomo propõe 750 quilômetros/dia 
 
Em vez de tempo de direção, representantes dos autônomos que participam da elaboração do projeto querem limitar o percurso: no máximo 750 km por dia. É a proposta do gaúcho Carlos Alberto Dahmer, o Lit, do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí e Região (Sinditac).

De acordo com Lit, 750 km equivalem a uma jornada de cerca de 12 horas diárias. Esse limite deveria ser exigido dos autônomos. "Acredito que essa sugestão não sofrerá resistência da categoria. O acordo mais difícil será entre patrões e empregados", afirma.

Não é bem assim. O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, é contra até mesmo a simples inclusão de autônomos no Estatuto do Motorista. "Nós não somos trabalhadores, somos empreendedores. E não queremos fazer parte do estatuto", enfatiza. Sobre a proposta do MUBC, Fonseca é categórico: "Eu acho que é uma burrice determinar quantos quilômetros o autônomo pode fazer por dia. Já disse isso várias vezes para eles".

Mas Fonseca concorda que deve ser estabelecido um limite diário de tempo de volante para o autônomo. "O que não devemos é tratar essa questão como jornada de trabalho, e sim como tempo de direção. Uma boa saída seria estabelecer esse limite no Código de Trânsito", diz. Já existe uma proposta neste sentido na Câmara dos Deputados. O projeto de lei 2.872/08 altera o Código, exigindo que os motoristas profissionais descansem 10 horas de um dia para o outro, com fiscalização por tacógrafo.

Para Fonseca, o ideal seria uma reformulação da logística de transporte brasileira, de modo que os caminhões não tivessem que rodar por longas distâncias. "A soma da ida e da volta não deveria passar de 1.200 a 1.300 km, de modo que dia sim, dia não, o autônomo pudesse estar na casa dele."

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