Um estímulo à navegação doméstica brasileira, por Nelson L. Carlini*

Publicado em
11 de Setembro de 2013
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No momento em que o país oportunamente aperfeiçoou o seu marco regulatório portuário, visando dar novo impulso aos investimentos privados no setor, convém não perdermos de vista outro importante entrave ao nosso desenvolvimento.

Refiro-me à cabotagem brasileira, a navegação entre portos nacionais, que hoje responde por menos de 2% de nosso modal de transporte, uma participação muito aquém do que já foi no passado e incompatível com as características de um país continental, em cujo litoral, de 7.408 km de extensão, debruça-se grande parte dos principais estados produtores e os maiores mercados consumidores.

Ressalte-se que contamos com mais de 30 portos e terminais especializados distribuídos por todos os estados litorâneos, um fator que por si só garante capilaridade e facilitaria a ampla movimentação de cargas por todo o território nacional, sobretudo se forem providos de uma adequada integração intermodal.

Os estaleiros nacionais estão ocupados com as encomendas da Petrobras e do segmento de óleo e gás

Contudo, não obstante esses diferenciais, que poderiam proporcionar redução de custos e maior agilidade e eficiência à cadeia produtiva, não temos dado o correto estímulo à cabotagem. A omissão é ainda maior se considerarmos que a rede rodoviária, principal sistema logístico nacional, responsável por 56% da carga transportada no país, é mais onerosa e implica maior passivo ambiental, além de ainda apresentar significativas deficiências.

A despeito de o país contar com quase 1,8 milhão de km de estradas, apenas 96.353 km são pavimentados. Desses, pouco mais de 30% se encontram em bom estado de conservação e apenas 10% são auto-estradas. O mais grave, porém, é o fato de a malha rodoviária ter uma distribuição desigual, fortemente concentrada nas regiões Sudeste e Sul, dificultando e aumentando os custos para o escoamento de estados produtores em outras regiões.

Cabe dizer que o sistema rodoviário, ainda que possa e deva ser aperfeiçoado, como, de fato, o governo vem procurando fazer por meio de novas concessões, jamais será a alternativa mais indicada do ponto de vista econômico e ambiental para a movimentação de carga interna num país com as dimensões do Brasil.

O modal ferroviário, por sua vez, aumentou significativamente a sua participação na matriz de transporte, passando de 19% em 1999 para mais de 25% nos dias de hoje, mas o seu melhor aproveitamento para a movimentação interna de cargas também está condicionado a um correto aproveitamento da navegação de cabotagem.

Neste aspecto, é oportuno salientar que o desenvolvimento da navegação entre portos nacionais conjugado a programas destinados a expandir e aperfeiçoar a integração intermodal, ainda muito incipiente, imprimiria um grande dinamismo a todo o sistema logístico brasileiro, hoje ainda oneroso e ineficiente.

A questão então é saber o que será preciso fazer para dar impulso à cabotagem. Algumas conquistas em direção ao desenvolvimento do setor e maior abertura para investimentos e novas empresas vêm sendo realizadas, mas ainda sem o pleno efeito desejado de expansão vigorosa. Façamos uma breve análise da legislação pertinente.

As autorizações para o funcionamento de empresas brasileiras de navegação dependem apenas da criação de empresa no Brasil, não havendo restrições no que diz respeito à nacionalidade do empresário nem da origem do capital. Esta foi uma bem-vinda liberalidade em relação às legislações de outros países.

A legislação vigente garante a abertura do setor a todas as empresas brasileiras que desejem investir, não sendo permitida - o que é razoável do ponto de vista econômico e estratégico - a abertura do mercado doméstico às empresas estrangeiras. Não há limitações de atuação de uma empresa cuja razão social preconize a navegação marítima entre seus objetivos, apenas é exigido capital mínimo estipulado para o tipo de navegação que se pretende explorar: de apoio portuário, de apoio marítimo, de interior, de cabotagem ou de longo curso, e ainda compromisso de aquisição de embarcação passível de receber a bandeira brasileira.

Muito bem, eis aí o nó górdio que devemos desatar. A verdadeira restrição para o desenvolvimento da cabotagem são as limitações decorrentes da situação do mercado de aquisição de embarcações, que devem ser adquiridas no mercado interno. O problema é agravado pelo fato de os estaleiros nacionais estarem ocupados com as encomendas da Petrobras e do segmento de óleo e gás.

A escassez de mão de obra brasileira certificada e qualificada agrava o problema. A saída seria a importação dos navios para atuarem com a bandeira brasileira, mas a tributação que incide na importação (54%, representados por ICMS + IPI+II) é pesada e inviabiliza os investimentos.

A regulamentação crescente do transporte rodoviário, a melhoria das condições nos portos e a descentralização dos pontos de embarque alavancada pelo novo surto de investimentos que se seguirá ao novo marco regulatório dos portos certamente dará um impulso à nossa navegação doméstica, desde que se garanta uma alternativa para a sua expansão.

A saída simples seria a concessão de licença temporária (dois anos) para a importação de navios acima de 10 mil toneladas de porte bruto, até que os estaleiros nacionais fossem capazes de atender à demanda interna. Uma solução aparentemente fácil, pois depende exclusivamente de uma decisão política, e que, por tabela estimularia a "ressurgente" indústria naval brasileira a atuar num ambiente de verdadeira competição, diversificando e agregando valor aos seus produtos.

Como o governo tem-se esforçado para enxergar com lucidez a questão dos portos, não nos custa acreditar que também possa lançar um olhar prático e objetivo para a cabotagem, tomando a decisão certa em prol da economia brasileira.

*Nelson L. Carlini é engenheiro naval e presidente do Conselho Administrativo da Logz Logística Brasil SA.

 

Mais portos secos

Editorial

 
Para enfrentar os atuais problemas provocados por congestionamentos nas vias de acesso ao Porto de Santos, muitas soluções têm sido apresentadas, desde a maior utilização dos modais ferroviário e hidroviário até a construção de obras de infraestrutura viária, passando pela eliminação do excesso de burocracia, a implantação efetiva do programa Porto 24 Horas e o agendamento prévio de caminhões que se destinam ao descarregamento de carga no cais. 


Sem contar a abertura de pátios reguladores de estacionamento de caminhões ao longo do Rodoanel e em outros pontos da Grande São Paulo. 

É claro que todas essas medidas irão contribuir para desafogar a movimentação no Porto, ainda que a previsão de crescimento da demanda atinja números alarmantes. 

O que quase não se diz é que a implantação de novos portos secos ou estações aduaneiras interiores (Eadis) em cidades do Litoral ou em zonas adjacentes às regiões produtoras pode contribuir também para a superação dos problemas causados pela presença excessiva de caminhões nas rodovias e vias de acesso ao cais. 

Como são recintos alfandegados que funcionam sob a aprovação e supervisão da Alfândega em áreas retroportuárias, os portos secos evitam o acúmulo de cargas nos armazéns ao longo do cais, deixando o porto público ou privado funcionando como deve ser, ou seja, local de transição da carga e não de armazenagem. 

Em outras palavras: os portos secos recebem cargas de importação, antes que estas sejam nacionalizadas, e de exportação, para o processo aduaneiro. 

Dessa maneira, podem adiantar, fora da zona portuária, os serviços que tradicionalmente são realizados em áreas do cais. 

E com muito mais agilidade, diga-se de passagem. 

Além disso, a carga pode ser encaminhada para o complexo portuário no momento do embarque, seguindo diretamente para a embarcação, sem que haja necessidade de que fique sendo deslocada entre os armazéns à beira do cais até a hora de ser levada a bordo. 

É de lembrar que os serviços dos portos secos estão sujeitos ao regime de concessão ou de permissão, mas o ideal seria que a sua implantação ocorresse sem necessidade de abertura de licitação, desde que cumpridos critérios da Receita Federal. 

Com isso, as unidades poderiam ser instaladas onde e quando a iniciativa privada achasse conveniente. Ou seja, em vez de concessão, haveria apenas uma licença para funcionamento. 

Mas não é o que pensam as autoridades, que preferem que os novos centros logísticos industriais aduaneiros localizem-se em cidades onde existem unidades da Receita Federal, ou limítrofes a essas cidades. Quer dizer: quanto mais burocracia houver, menos competição haverá.

Hoje, no Brasil existem 63 portos secos, dos quais 35 unidades em 14 Estados diferentes, uma no Distrito Federal e 27 apenas no Estado do São Paulo. Mas, levando-se em conta o tamanho e as necessidades do País, esse é um número modesto. 

Portanto, tanto os congressistas como o governo federal deveriam pensar em facilitar a proliferação de portos secos, em vez de criar obstáculos para a sua instalação. 

(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). 

E-mail: [email protected]

Site: www.fiorde.com.br.

 

Por Milton Lourenço **

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