As centrais de conciliação da Justiça do Trabalho estão preocupadas com os efeitos da compra de créditos trabalhistas por advogados nas negociações judiciais. No início deste mês, o Tribunal Superior do Trabalho enviou consulta ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para saber se a prática infringe algum mandamento ético da categoria, ou se há alguma obrigação de transparência sobre o negócio.
Os contratos de cessão de créditos se tornaram preocupação depois que representantes das centrais de conciliação dos tribunais regionais do Trabalho foram ao TST reclamar. De acordo com os representantes dos TRTs, a venda dos créditos praticamente inviabiliza a negociação, porque o detentor do direito deixa de ter interesse na causa, e o comprador do crédito só tem interesse no valor que tiver a receber.
A consulta à OAB foi feita pelo ministro Emmanoel Pereira, vice-presidente da corte e coordenador da Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Na consulta, ele pergunta ao presidente da Ordem, Claudio Lamachia, se o advogado precisa avisar o juiz sobre o contrato de compra e venda de créditos trabalhistas, já que “esse fato vem comprometendo sobremaneira a efetividade das audiências de conciliação”.
É que a compra dos créditos tem se tornado um negócio, e dos bastante lucrativos. Os juros incidentes sobre os créditos trabalhistas são de 12% ao ano e, conforme a Orientação Jurisprudencial 400 da Subseção de Dissídios Individuais do TST, esse dinheiro não compõe a base de cálculo do Imposto de Renda. Ou seja, é um investimento que rende mais do que qualquer aplicação de renda fixa, que usam os juros da Selic, de 9,5% ao ano, fora o desconto de Imposto de Renda e IOF, o que deixa a taxa de juros perto de 7%.
A reclamação dos juízes trabalhistas é que, para quem compra o crédito, não vale a pena negociar nem resolver a questão rápido. Como os juros são altos, quanto mais demorar, melhor.
Modelo de negócio
“Em alguns casos, por trás da aludida prática, o que existem são verdadeiros modelos de negócio, estruturados com base em sistemática semelhante à existente no sistema financeiro”, escreveu Pereira, em ofício expressando suas preocupações ao corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Renato Lacerda Paiva.
Na mensagem, Pereira diz ver três principais problemas: a possibilidade de a compra ser feita sem que o autor do pedido tenha “total clareza e compreensão do valor justo” do crédito; o fato de juízes darem prioridades a esses casos por achar que eles tratam de verba de caráter alimentar; e o trabalho desenvolvido para intimações pessoais quando o titular do crédito é o “patrono”, e não o titular do direito.
O advogado Gáudio Ribeiro de Paula confirma todas as preocupações do ministro Emmanoel. Ele costuma representar empresas na Justiça do Trabalho e, a partir da baixa taxa de acordo nas audiências de conciliação, consegue perceber o “mercado” da cessão de créditos aumentando.
“O que a gente percebe é que o reclamante comparece à audiência só para cumprir tabela, porque ele fica lá totalmente alheio, apenas respondendo que não tem interesse no acordo”, conta o advogado. Para ele, negociar créditos trabalhistas é ilegal, porque a lei os define como verba alimentar.
Gáudio também confirma o receio de trabalhadores serem enganados por seus advogados. Ele lembra de um caso no qual o juiz arbitrou a indenização em R$ 50 mil e o crédito foi vendido por R$ 30 mil ao advogado. Anos depois, o TST manteve a condenação à empresa, mas a indenização ficou em R$ 500 mil, depois de juros, correções e de todas as discussões de direito. “São contas que o juiz de primeiro grau não pode fazer na hora e quem não é da área não tem noção de como um processo pode se desenvolver”, lamenta.
Questões éticas
Ainda não há muitos precedentes sobre a matéria. O Superior Tribunal de Justiça já definiu, nos casos de créditos de precatórios, que eles deixam de ter caráter alimentar e entram na fila dos demais créditos. Com isso, perdem a preferência em diversas aplicações, como na falência e na recuperação judicial de empresas.
Do ponto de vista ético, quem tem de decidir são os tribunais de ética e disciplina da OAB (TED). Em São Paulo, onde está a maioria dos advogados do Brasil e onde há os dois maiores TRTs, o TED já decidiu que a cessão de créditos trabalhistas só pode ser feita a pessoas ou empresas de fora da relação processual da causa e em processos em fase de execução com valores definidos.
O atual presidente do TED1 (deontológico) de São Paulo, Pedro Paulo Wendel Gasparini, é autor de precedente importante sobre o tema, mas sobre a cessão de precatórios estaduais. Nele, a turma deontológica do TED-SP definiu que a compra de créditos por advogados ofende o artigo 5º do Código de Ética da Advocacia, segundo o qual “o exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”.
“Aplico o mesmo entendimento à compra de créditos trabalhistas por advogados”, afirma o advogado à ConJur. Segundo ele, advogado que compra créditos deixa de ser advogado e passa a ser comerciante de ativos. “A possibilidade de pegar um cliente fragilizado economicamente e se aproveitar desse momento me faz pensar que a prática não é nem moral nem ética. É no mínimo um conflito de interesses.”