Trilhos devem ter prioridade no novo governo

Publicado em
26 de Agosto de 2014
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É o que defende a economista Roberta Marchesi, superintendente da Associação Nacional do Transporte de Passageiros sobre Trilhos

A salvação do Brasil para superar os gargalos de transporte de cargas e passageiros virá pelos trilhos. Esse foi um dos consensos do IV Seminário Brasil nos Trilhos realizado em Brasília. Por isso, o próximo governo asseguraria maior prioridade aos investimentos nesse setor em relação aos demais, conforme proposta encaminhada aos presidenciáveis pelas entidades organizadoras do evento.

É o que defende a economista Roberta Zanenga de Godoy Marchesi, superintendente da Associação Nacional do Transporte de Passageiros sobre Trilhos, uma das promotoras do seminário, ao lado da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários.

Mestre em Gestão Econômica pela Universidade de Brasília e presente na associação desde a sua fundação, a especialista também é favorável que o próximo governo retome o projeto da construção do Trem de Alta Velocidade entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, como complemento ao transporte aéreo. "Com a proximidade das eleições deste ano, se faz contundente a necessidade de a ANPTrilhos manter-se vigilante para que este modal não fique esquecido na reformulação das políticas públicas federativas", afirma a superintendente em entrevista exclusiva ao DCI.

Confira os principais trechos da entrevista:

DCI: Como os trilhos podem salvar o Brasil de um colapso no transporte de passageiros e cargas?

Roberta Marchesi: O transporte metroferroviário é essencial para a mobilidade dos brasileiros. É um serviço público, de cunho social e ambiental. Hoje, mais de 9,3 milhões de pessoas utilizam diariamente os transportes sobre trilhos no Brasil. Ao mesmo tempo em que deslocam grande número de pessoas e estruturam o transporte urbano, os sistemas sobre trilhos promovem a redução das emissões atmosféricas e da poluição sonora, trabalhando a partir de fontes energéticas renováveis. Com a proximidade das eleições, se faz contundente a necessidade de a ANPTrilhos manter-se vigilante para que este modal não fique esquecido na reformulação das políticas públicas federativas.

DCI: O descaso com o transporte ferroviário é uma das causas do crescimento de congestionamento de tráfego nas cidades?

RM: Durante décadas o Brasil priorizou o transporte individual em detrimento do coletivo, o que levou diversas cidades e regiões metropolitanas a apresentarem problemas de mobilidade, com impactos negativos na vida das pessoas e nos custos econômicos e ambientais para toda a sociedade.

A implantação de sistemas como metrôs, trens metropolitanos, veículos leves sobre trilhos e monotrilhos, tem se tornado uma ótima alternativa para amenizar os efeitos citados, contribuindo para a qualidade de vida da população e o meio ambiente nas cidades. Esses sistemas são responsáveis diretamente pela retirada de uma média de 16 mil ônibus e 1,1 milhão de carros das ruas todos os dias. O Brasil chegou em 2013 à marca de 2,7 bilhões de passageiros transportados no ano por meio de transportes sobre trilhos, um crescimento de 8% em relação ao ano de 2012, em contraponto ao crescimento de apenas 0,5% da malha ferroviária no mesmo período. E a previsão para 2014 é de que o número de passageiros alcance os três bilhões, aumentando ainda mais a necessidade de uma reformulação nas políticas públicas voltadas ao transporte sobre trilhos.

DCI: O que acha do apoio reiterado pelo governo para aumentar a venda de veículos automotores? Quais alternativas deveriam ser tomadas para que o setor não fosse prejudicado?

RM: Nós não somos contra a venda de automóveis, nem contra os subsídios concedidos à indústria automobilística. O que nós defendemos é que o setor de transporte sobre trilhos tenha a mesma ou maior prioridade, pois é um setor que realmente beneficia a população que mais precisa. Esse transporte de massa precisa ter um tratamento diferenciado pelos governantes.

DCI: Na década de 1950, o governo JK fez a opção pelo transporte rodoviário. Avaliando hoje, quais os prós e contra dessa opção?

RM: Essa foi uma decisão acertada para a época. O que nós avaliamos é que essa é uma medida que vigora até os dias atuais. Essa política deveria mudar, nós temos de pensar que há cidades no País que não comportam o grande número de carros. Deve haver uma mudança para que, através de políticas públicas de incentivo ao transporte de massa, haja o direcionamento de subsídios para esse setor e oferecer à população outra opção de locomoção. Hoje, nós colhemos o reflexo de uma política que não priorizou o transporte público e isso trouxe junto engarrafamentos, poluição sonora, poluição atmosférica etc.

DCI: Qual é a principal reivindicação aos presidenciáveis?

RM: Os principais custos para a operação metroferroviária são de recursos humanos, de energia elétrica e de manutenção. Mas é no custo da energia elétrica que as políticas públicas terão maior efetividade. Isso porque, ao ampliar as operações, os custos com manutenção e recursos humanos não podem ser limitados. Por isso, a ANPTrilhos propõe ao Governo que volte a adotar o desconto de 75% na tarifa de energia elétrica aplicada ao transporte sobre trilhos. Desse modo, o percentual desonerado será revertido em investimentos para a modernização dos sistemas. Esse abatimento está previsto no Decreto 62.724/1968, vigente até a presente data. Ao longo dos anos, entretanto, o percentual de desconto foi sendo alterado por meio de Portarias do extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, caindo dos 75% originais para zero.

A redução do desconto sobre a tarifa de energia elétrica levou ao crescimento dos custos da operação metroferroviária, reduzindo a capacidade dessas operadoras em investir no sistema. Essa é justamente a preocupação dos operadores representados pela ANPTrilhos, que compartilham da preocupação da sociedade em geral: manter os investimentos em modernização para que o sistema sobre trilhos no Brasil se atualize, tornando-se mais eficiente e atendendo de forma adequada à população.

DCI: Uma candidata com discurso ambientalista que pode vencer as eleições preocupa o setor? Como foi a convivência do setor ferroviário na época em Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente?

RM: Não preocupa o setor. O sistema metroferroviário de transporte público é o mais limpo e mais ambientalmente correto, além de usar energia renovável. Ao transportar um número muito maior de pessoas retira das ruas um grande número de carros e ônibus diminuindo a emissão de gases poluentes, de congestionamentos e acidentes. O nosso setor é muito alinhado com a questão ambiental. O que nos preocupa é que independentemente do governante e político que vier, tenha postura no tratamento ao setor de mobilidade urbana. Hoje, os nossos grandes centros enfrentam um caos na mobilidade.

DCI: Trem-bala nunca mais? E os Trens de Alta Velocidade (TAVs) que nunca saíram do papel?

RM: A ANPTrilhos é favorável à implantação dos TAVs. O País já está em uma situação de pensar em alternativas para o transporte aéreo. O transporte ferroviário de alta velocidade não será um competidor do transporte aéreo, mas será um complemento. As nossas cidades, em especial o eixo Rio-São Paulo, são muito congestionados e já justificaria ter um sistema com esse tipo de tecnologia. Com uma tecnologia desse patamar, vem também uma indústria por de trás desse projeto. Todo o patamar tecnológico brasileiro seria beneficiado. Nós entendemos as dificuldades do próprio governo em tratar um projeto como esse. É algo que não existe aqui ainda e quando surge algo novo não há nada em que se basear para a execução, isso causa a governantes e a própria população, incerteza com relação ao projeto. Mas foi assim em todos os lugares do mundo. Os projetos pioneiros precisam de mais atenção e cuidado no tratamento. A ANPTrilhos deseja muito que esses projetos sejam retomados no próximo governo.

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