Três meses após a tragédia na Linha Amarela: caminhões fora da lei

Publicado em
07 de Maio de 2014
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Em apenas uma hora, 57 veículos de carga são flagrados em horário proibido na via expressa

Há três meses, o caminhão LLN-2225, pertencente à empresa de recolhimento de entulho Arca Aliança, chocou-se contra uma passarela da Linha Amarela, em Pilares, derrubando a estrutura e deixando cinco mortos e três feridos. O motorista do veículo, Luiz Fernando Costa, falava ao celular enquanto atravessava a via expressa com a caçamba do veículo levantada e sem respeitar o horário de restrição a caminhões, das 6h às 10h. Pouco mais de 90 dias após a tragédia, praticamente nada mudou em relação ao flagrante desrespeito.

A equipe de reportagem do GLOBO voltou ao local e flagrou dezenas de veículos, nos dois sentidos, desrespeitando as regras de horário instituídas em 2007 pela Secretaria municipal de Transportes — e atualizadas em novembro do ano passado, quando um decreto tornou a medida ainda mais rigorosa. Na terça-feira da semana passada, em apenas uma hora (das 9h às 10h), nada menos do que 57 caminhões — quase um por minuto — foram vistos no horário proibido. Nenhum deles se encaixava no perfil de transporte que é exceção nesse sistema: veículos de socorro e emergência, de mudanças residenciais e de prestadoras de serviço, como a Comlurb.

Para coibir a prática, que se repete desde que a norma entrou em vigor, a CET-Rio espalhou 30 radares especiais pelos corredores mais importantes do Rio, onde há restrição de horário. Os sensores, instalados no solo em dezembro de 2012, passaram a identificar os caminhões pelo peso. Se o veículo estiver trafegando em horário não permitido, a multa é automática.

O aumento da fiscalização fez crescer a punição. Com os 30 equipamentos instalados, 10.514 multas foram aplicadas a caminhões trafegando em vias expressas em horário irregular no primeiro trimestre de 2014. No mesmo período do ano passado, o número foi um pouco inferior: 9.731 notificações. Agora, a CET-Rio promete mais 40 radares de solo. A previsão é que, daqui a dois meses, todos já estejam em operação no chamado polígono de restrição, que começa na Barra da Tijuca, desce pela Linha Amarela, passa pela Avenida Francisco Bicalho, pelo Centro, pela orla e pelos corredores da Zona Sul, incluindo os túneis Santa Bárbara e Rebouças — neste último, assim como na Linha Vermelha, transportes de carga são proibidos a qualquer hora.

— Os caminhões geram uma perda de velocidade média no trânsito de até 15%. É um problema grave. Para se ter uma ideia, no período de férias escolares, a melhora no tráfego é de 20%. Ou seja, se esses veículos deixassem de circular nos horários de pico, seria como se quase todas as escolas estivessem sem aulas — disse Ricardo Lemos, diretor de desenvolvimento da CET-Rio.

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, como o advogado Sérgio Guerra, professor titular de direito administrativo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), o baixo valor da multa aos infratores (apenas R$ 85,13 e quatro pontos na habilitação) serve como combustível para o não cumprimento da lei.

— Na Operação Lei Seca, a solução foi pesar no bolso. Aumentou-se o preço da multa e isso deu resultado. As pessoas agora preferem deixar o carro em casa do que correr o risco de serem multadas. A adequação desse valor para que o dano causado seja o menor possível é um dos princípios do direito sancionador. É preciso uma sanção de acordo com o dano causado — afirmou Guerra.

Ele acrescenta, no entanto, que, se o município aprovasse uma lei elevando o valor da multa, provavelmente o aumento seria derrubado no Judiciário.

— Para ser eficaz, a União precisaria promover o aumento da multa por trânsito indevido de caminhões — completa Guerra.

A Linha Amarela é administrada pela concessionária Lamsa desde 1997. Com suas 57 câmeras, a empresa monitora os 20 quilômetros de extensão da via. Mas não cabe à Lamsa fiscalizar os caminhões que invadem as pistas nos horários de pico — além da parte da manhã, o tráfego também é vedado a veículos de carga das 17h às 20h. Em nota oficial, a concessionária afirmou que “ao constatar a presença de caminhões trafegando em horário irregular, a empresa avisa ao Batalhão de Policiamento de Vias Expressas (BPVE), responsável pela fiscalização da via”. A empresa, por meio de sua assessoria, disse não saber quantos avisos são enviados por dia ao BPVE.

O batalhão, que tem origem na antiga Companhia Independente de Rádio Patrulha, atuante nos anos 1970, é responsável pelo policiamento ostensivo da Avenida Brasil, da Linha Vermelha, dos elevados do Gasômetro e Paulo de Frontin — além da própria Linha Amarela, onde atuam sete viaturas e 14 homens. Durante o período em que esteve no local, a equipe de reportagem do GLOBO viu apenas uma viatura, no meio do trânsito. Perto dela, dois caminhões aceleravam. Eram 9h28m, ainda dentro do horário restrito.

— A competência para fiscalizar o cumprimento da resolução é do município. O BPVE aplica multas, mas não é uma unidade de policiamento de trânsito. Atuamos de forma complementar ao município, assim como todas as unidades operacionais da Polícia Militar — disse o tenente-coronel Washington Tavares Freire, comandante do BPVE.

Motorista denunciado por homicídio culposo

O Ministério Público denunciou à Justiça, na última sexta-feira, por homicídio culposo (sem intenção de matar) e lesões corporais culposas o motorista Luiz Fernando Costa, responsável pelo acidente na Linha Amarela em 28 de janeiro. O MP observa que ele sabia que estava circulando num horário proibido, rodava a 95 km/h (acima do limite permitido) e foi negligente ao não perceber que a caçamba foi progressivamente se elevando até colidir com a passarela e derrubá-la.

Na denúncia, o promotor Márcio Nobre define o motorista como “imprudente” e “negligente”. E lembra que momentos antes da colisão Luiz Fernando conversava ao telefone celular com um colega de trabalho. Para o MP, o motorista deixou de “observar seu dever de cuidado e de prever resultado lesivo que lhe era previsível”.

O promotor identificou na denúncia 15 pessoas que podem testemunhar no julgamento, como feridos no acidente, peritos criminais que estiveram na Linha Amarela e o colega de trabalho de Luiz Fernando com quem ele falou enquanto dirigia momentos antes da colisão.

No inquérito, foi apurado que o motorista deixou de fazer uma inspeção de segurança obrigatória antes de sair com o caminhão.

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