Taxa de retorno baixa pode atrair investimento "ruim", dizem analistas

Publicado em
08 de Abril de 2013
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Taxas de retorno pouco atrativas, planos de negócios mal avaliados e regras imprevisíveis compõem o cenário que, na avaliação de especialistas, tem o poder de minar o esforço do governo para levar os investimentos em infraestrutura além dos atuais 2% do Produto Interno Bruto (PIB). A percepção é que o modelo de concessões delineado induz ao que chamam de "seleção adversa": de olho nas tarifas mais baixas possíveis - alimentadas pelas menores taxas de retorno imagináveis -, o governo acabaria atraindo investidores pouco comprometidos, que aceitam taxas irrealistas para, mais à frente, tentar renegociar contratos em melhor condição.

No geral, as desconfianças não são uniformes e variam muito de setor a setor. Entre os ajustes pleiteados, a taxa interna de retorno (TIR) dos projetos é o ponto de maior insatisfação - e de maior expectativa de mudanças. O governo já deu sinais de que estaria disposto à alterá-la ao menos em rodovias, mas nada ainda oficial.

Calculada a partir das estimativas de receita e custos futuros, a taxa de retorno definida pelo governo nos projetos nos quais já distribuiu estudos de viabilidade, como os ligados às rodovias e ferrovias, de 5,5% ao ano, é considerada pouco atrativa.

"É preciso desfazer o engano segundo o qual o governo aumentou a taxa de retorno dos projetos quando, na verdade, melhorou a taxa de retorno do acionista, ao oferecer condições mais favoráveis de financiamento desses projetos", diz Raul Velloso, consultor e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. De fato, o governo esclareceu as diferenças entre as taxas no "road show" de infraestrutura que fez para investidores estrangeiros em Nova York, em 26 de fevereiro. No encontro, anunciou que não divulgaria mais a TIR dos projetos, mas apenas a taxa de retorno alavancado, que reflete a perspectiva de remuneração do capital próprio.
Assim, diante de melhores condições de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como maiores prazos de amortização e de carência, além de ajustes nas taxas e exigências feitas para a liberação do crédito, a taxa alavancada da maioria das concessões subiu de 10% ao ano, descontada a inflação, para até 15% para rodovias e até 16% para ferrovias.
"O fato é que se o projeto for ruim, com a taxa interna de retorno baixa, não há financiamento do BNDES que dê jeito", diz Velloso, para quem a taxa de retorno média para projetos de infraestrutura hoje estaria ao redor de 10% ao ano, a depender do risco. Na mesma linha, Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), diz que o risco é um componente importante na formação da taxa de retorno do projeto e a sua variação de projeto a projeto e de região a região impede que a taxa de retorno seja "tabelada". Godoy diz, porém, que o governo tem se mostrado receptivo à questão.
Boa parte dessa receptividade pode ser explicada pelo volume gigante de aportes em infraestrutura necessário nos próximos anos. Segundo o governo, entre 2011 e 2015, as perspectivas de investimento no Brasil em diversos setores somam R$ 1 trilhão. Só os projetos de concessão para a iniciativa privada de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, somados ao Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), devem totalizar R$ 370 bilhões nos próximos anos.
Embora os investimentos em infraestrutura sejam cruciais para impulsionar o crescimento, a produtividade e as demandas da população diante de uma renda mais alta, os últimos anos têm sido pouco animadores. Estudo da Inter B Consultoria Internacional de Negócios indica que o investimento mínimo necessário em infraestrutura para compensar a depreciação do capital fixo per capita é 3% do PIB por ano.
Entre 2001 e 2011, a média dos recursos em infraestrutura ficou em 2,2% do PIB e a estimativa da Inter B é que esse investimento tenha recuado para 1,96% do PIB em 2012, menor percentual da era do PAC. "A questão é saber se chegamos ao fundo do poço ou não", diz o presidente da Inter B, Claudio Frischtak. Segundo o consultor, os aportes em infraestrutura devem alcançar algo entre 2,5%, 2,7% do PIB apenas em 2014, chegando aos 3% do PIB pela primeira vez em 2015. "E com isso não chegamos nem perto dos nosso competidores, que investem entre 5% e 6% do PIB."
O consenso é que o governo deu um grande passo ao reconhecer que não consegue dar conta do recado sozinho - por falta de espaço fiscal ou por dificuldade de execução dos investimentos -, mas que faltaria previsibilidade de regras. "O governo tem que se comprometer a ser menos discricionário possível, mas os sinais que vem dando ultimamente vão no sentido contrário" diz o pesquisados do IBRE/FGV Mauricio Canêdo.
Monica de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria, vê desconfiança dos dois lados: do governo, que acredita que, sem a sua supervisão, o setor privado colocaria os preços dos serviços de transporte nas alturas e do investidor, sempre se perguntando se o governo vai ou não mudar contratos. "O impasse impede que venha dinheiro para valer nos projetos."
Diante das críticas, o governo se mexeu, ampliando fontes de financiamento, alterando prazos de concessão, ou, no caso das ferrovias, garantindo a compra das futuras concessionárias de toda a capacidade de transporte leiloada, de modo a eliminar o risco de demanda e garantir a viabilidade do negócio. "Não adianta oferecer adoçantes, sem enfrentar o fato de que o retorno tem que ser minimamente adequado para puxar investimentos", diz Raul Velloso.
Para ele, outro componente a manter o empresariado arredio é o que chama de "inversão de fases" - o esforço de colocar os leilões de concessão à frente do estágio pré-qualificatório e do exame do plano de negócios do projeto com o intuito de acelerar o processo e evitar expedientes protelatórios por parte dos investidores. "Isso vem sendo praticado desde a rodada de concessões de 2007, com resultados insatisfatórios", diz Velloso, para quem seria mais do que óbvia a necessidade de um estudo detalhado da proposta, tratando-se de projetos complexos e com prazos longos de maturação.
De modo geral, o receio é que o esforço de encaixar os processos ao calendário eleitoral e a imposição de taxas de retorno descalibradas acabem atraindo concorrentes pouco preparados. "A conta não fecha nem com dinheiro barato do BNDES e o pior, induz seleção adversa. Nos leilões, só aparecem empresários ruins, que não investem devidamente e que, na hora do aperto, renegociam em posição de força", diz Marcio Garcia, pesquisador visitante na Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor licenciado do Departamento de Economia da PUC-Rio.
O debate, no entanto, acolhe divergências. Embora admita que a posição muitas vezes pouco clara do governo gere incertezas, Bruno Pereira, advogado e coordenador do Observatório das Parcerias Público-Privadas, avalia, por exemplo, que falta acuidade técnica nas críticas à TIR dos projetos. "Dentro do seu modelo de negócios, o governo definiu uma taxa. Mas se a demanda explodir durante os 30 anos da concessão, a taxa de retorno efetiva desse projeto pode ser muito maior do que a do modelo de negócio."
Para Frischtak, se as condições do financiamento forem mais favoráveis, o retorno do capital próprio se torna mais atraente e a melhor prova disso, exemplifica, é o sucesso de alguns leilões já realizados, como os do aeroporto de Brasília, com ágio superior a 670%; Guarulhos, de 373,5%; e Viracopos de quase 200%, segundo dados compilados pela Inter B. As três concessões tinham taxa de retorno estimada em 6,46%.
Frischtak diz que, mais importante do que alterar a taxa de retorno dos projetos, seria olhar para a qualidade das agências reguladoras e dos ministérios importantes para a infraestrutura. "A presidente sinaliza que quer ter agências tecnificadas, mas a questão é saber se ela vai gastar parte do capital político defendendo as agências", diz o consultor. "Sem volatilidade na política econômica e com um regime regulatório razoável, crível e transparente, os investimentos virão."
Ferrovias e portos são os setores de maior risco - Embora algumas preocupações sejam comuns aos leilões de concessões de transportes de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, os riscos - e a consequente atratividade - embutidos em cada um dos setores não são uniformes. Segundo especialistas, na ponta menos arriscada do espectro figuram rodovias e aeroportos, segmentos em que as informações públicas dos estudos de modelagens são conhecidas, com editais e leilões já feitos. No extremo mais arriscado ficam ferrovias e portos, considerados um ponto de interrogação. "São potencialmente atraentes, mas não se sabe o que vai sair do Congresso", diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter B, ao se referir a Medida Provisória 595, novo marco regulatório do setor portuário.
O desenvolvimento do atual estudo para a concessão de portos está nas mãos da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) que, entre outros, também desenvolve a estruturação de concessão da ampliação, manutenção e exploração dos aeroportos internacionais do Galeão e Confins. A empresa é presidida por Helcio Tokeshi, que foi secretário de Acompanhamento Econômico e conselheiro do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci.
Paulo Fleury, diretor-geral do Instituto de Logística Ilos, diz que tem recebido vários fundos interessados em investir em portos, mas a briga com as atuais concessionárias tem assustado. Além disso, afirma, preocupa o desequilíbrio de custos entre os antigos e novos entrantes do setor. "O governo quer aumentar a competição, mas está deixando que um mate o outro com a maior facilidade, porque o investidor privado, de início, vai ter um custo menor de infraestrutura." Fleury admite que há uma expectativa de que a proposta seja alterada no Congresso, mas lamenta que o processo decisório esteja todo sendo deslocado para Brasília. "As pessoas que planejam e controlam os portos estão no local onde os portos estão", diz. "Centralizar não vai funcionar."
Quanto aos aeroportos, a avaliação de Frischtak é que eles se mostram um negócio bastante atraente, pois se tornaram grandes shoppings centers. "A grande incerteza era o papel da Infraero, mas isso está resolvido. É um minoritário que, em tese, tem que cooperar com o controlador." A segunda incerteza, lembra Frischtak, também parece sanada. Existiam dúvidas se as regras iriam ser mantidas nessa segunda leva de concessões, que envolve Galeão e Confins. "O governo ampliou um pouco as barreiras à entrada, mas, ainda assim, não creio que o leilão será frustrado."
Com relação às rodovias, Frischtak afirma que o governo apertou as regras nos últimos leilões, que acabaram pouco atrativos. Um bom exemplo disso seriam as tentativas frustradas de licitação de dois trechos de rodovias (BR-116 e BR-40), cujos leilões acabaram esvaziados diante das exigências de altos investimentos e baixa remuneração. Diante do cenário, o governo flexibilizou um pouco as regras, o que Frischtak considera positivo. "Até porque um leilão realmente competitivo limita as chamadas rendas extraordinárias."
Já no novo modelo ferroviário, Bruno Pereira, advogado e coordenador do Observatório das Parcerias Público-Privadas, vê como positiva a decisão do governo de transferir para a iniciativa privada a definição do desenho do projeto executivo da ferrovia, a construção, operação e manutenção do ativo, sem que o setor privado corra o risco de demanda. O problema, diz ele, é que o trabalho sofisticado de estabelecer preços para a capacidade de transporte dos trechos ferroviários vai ser feito dentro da Valec, do Ministério dos Transportes. "Não há garantia muito robusta no caso de a Valec não conseguir fazer os pagamentos periódicos à concessionária e não ter garantia disso em um contrato de três décadas deve levar a iniciativa privada a precificar esse risco", diz.
Frischtak concorda. "A empresa tem uma herança pesadíssima de má qualidade de projetos, não tem experiência em comercialização e vai dar as garantias. Logo, há insegurança entre os atores", afirma o consultor. Como um fator negativo adicional, Pereira lembra ainda que o governo pretende fazer política industrial no âmbito dos contratos de concessão ferroviária, ao demandar que a futura concessionária compre 75% dos trilhos no Brasil. "O problema é que o Brasil não tem fábrica de trilhos." Segundo ele, faria mais sentido criar uma linha ou plano de ação no Ministério do Desenvolvimento junto ao BNDES para fomentar a indústria. "Por que colocar esse risco dentro do contrato se vai virar preço, aumentando gasto público?"

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