Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes – 01.02.23*
“Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a realidade”. Edgar Morin, sociólogo, historiador e filósofo francês, em entrevista para Úrsula Passos da Folha de S. Paulo, 31/10/19 (“Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre” – publicado no Portal Geledés).
A legítima e correta preocupação com o meio-ambiente e as crises climáticas, o processo de urbanização e o crescimento das grandes metrópoles, a evolução tecnológica, a integração econômica (ainda neste mundo muito globalizado) e as alterações geoeconômicas, apenas como alguns exemplos, tem proporcionado graus maiores de complexidade em todas as atividades humanas. Em particular nas operações logísticas, que precisam movimentar, com eficácia, volumes cada vez maiores de mercadorias de e para todas as partes do mundo.
Com o surgimento da pandemia e a guerra na Ucrânia, e a consequente desorganização da produção mundial, bem como de suas respectivas cadeias de abastecimento e distribuição, tudo ficou ainda mais difícil, e o instinto de ‘sobrevivência’, de pessoas e empresas, pareceu ser a preocupação inicial de todos. Se por um lado as autoridades governamentais procuraram combater a pandemia e proteger as pessoas, com vacinação e ajuda monetária, as empresas, em particular, adotaram um conjunto de providências padrão. Rígido controle de caixa e de custos, ampliação de portfólio, melhoria de atendimento e aumento da produtividade, foram algumas dentre as principais.
Especificamente no campo da logística, ficou evidente também, que dependendo da região, do cliente, do produto, do momento ou dos recursos disponíveis, entre outras variáveis, os impactos se diferenciavam e exigiam respostas diferentes, específicas e mais adequadas. Embora houvessem semelhanças, não havia receita-padrão.
Desenvolver plataformas de marketplace próprias, aumentar investimentos em mídia digital ou diminuir a rede de lojas físicas, apenas como exemplos, podem resolver os problemas de inúmeras empresas, mas não são respostas para todas elas. Associar-se às startups logísticas, como forma de acelerar o desenvolvimento de soluções específicas, ou operar armazéns fechados, para diversos tipos de produtos vendidos via e-commerce, de modo a facilitar e racionalizar o desenho de rotas e dos processos de entrega, poderão se constituir em ótimas soluções para muitas, mas não será, certamente, a solução para toda e qualquer empresa.
Está claro que as cadeias produtivas, as relações comerciais e as formas de contratação, em resumo, serão alteradas e obrigarão todos os empresários a desenvolverem, com base em suas especificidades e em perspectivas futuras ainda bastante desconhecidas e incertas, propostas empresariais que mantenham a qualidade, atendam as expectativas de clientes e acionistas e gerem valor para todos os “stakeholders”. Há que se considerar, inclusive, que as empresas deverão (e precisarão) assumir suas novas responsabilidades sociais, incorporando esses novos “valores” aos seus próprios propósitos. A sigla ESG (“Enviromment, Social e Governance), por exemplo, resume um conjunto de alguns desses novos valores empresariais.
Portanto, mesmo considerando que há um conjunto de providências razoavelmente comuns a todos, ficou evidente que os impactos com relação ao novo comportamento do consumidor, ao crescimento do comércio eletrônico e das vendas no varejo, aos novos canais de distribuição, ao avanço tecnológico, à nova postura empresarial, à pressão para realizar operações ecologicamente corretas e sustentáveis, incluindo-se a utilização de energia renovável, e ao aumento da inovação, apenas para citar alguns dos ‘novos fenômenos’, têm e terão ‘consequências’ diferentes, em proporções diferentes e em tempos diferentes para cada um.
Torna-se essencial, portanto, que junto com providências que nos façam ‘sobreviver’, também se planeje o futuro e se repense a respeito dos próprios negócios, pois se muitos desses temas aqui descritos já estavam na mesa de discussões, agora, com muito mais razão, devem ser transformados em prioridades.
Com base em diagnósticos corretos e realistas, as empresas precisarão identificar e desenhar cenários que as ajudem a compreender o ‘novo momento’, de forma a revalidar, ajustar ou alterar seus próprios planos de negócios. Estabelecer uma direção, mesmo com flexibilidade, e trabalhar com base no planejamento estratégico, mostram-se como atitudes essenciais.
Não há que se enganar: diagnóstico realmente fidedigno, isto é, que defina corretamente a realidade de cada um, tem cada vez maior importância na administração das empresas, em geral, e da logística, em particular, principalmente porque na falta deles, e na melhor das hipóteses, as soluções propostas não conseguirão produzir os efeitos positivo desejados. Na pior das hipóteses agravarão ainda mais o que já não estava bom.
Nesse mister, diante de tantas incertezas e do altíssimo grau de interdependência atualmente existente, seja entre empresas ou países, a utilização de mecanismos que melhorem o reconhecimento e o dimensionamento de riscos também passou a ser ‘olhado’ com maior cuidado por todos os profissionais. Riscos e rupturas que podem impactar as operações e até colocar em risco o próprio negócio, mesmo quando inevitáveis, mas desde que conhecidos, poderão ter seus impactos negativos minimizados.
Coincidentemente, o Fórum Econômico Mundial de Davos que se inicia nesta semana, e cujo tema é a “Cooperação em um mundo fragmentado”, estabeleceu alguns pontos que considero fundamentais e que ajudam na diminuição dos riscos a que estão expostos toda a sociedade mundial: a) ênfase na melhoria dos sistemas de identificação e previsão de riscos; b) melhoria nos processos de avaliação de riscos; c) maior cooperação e compartilhamento, entre os diversos atores da sociedade, de forma a que se aumentem a divulgação e a difusão das soluções encontradas.
Isso tudo nos leva à concluir que realizar observações, com frequência e profundidade, que permitam acompanhar a velocidade das mudanças e realizar projeções mais confiáveis, ter instrumentos de avaliação de desempenho que levem em conta esses cenários mais dinâmicos e movimentar-se com rapidez, seja através de planos de contingência ou de adoção de medidas que se adaptem ao novo, são obrigações de qualquer profissional moderno, ficando evidente que maiores ou menores graus de exposição dependerão da eficácia dessas providências.
Para finalizar, é fundamental não esquecer que uma ‘empreitada’ como essa somente alcançará o devido e o completo sucesso se for realizada por profissionais preparados, envolvidos, capacitados, treinados e que com a devida compreensão a respeito desses temas e desta nova realidade, por mais incertezas que se tenham. Continua sendo essencial, portanto, manter como um dos focos principais, as pessoas. Não só para ‘sobreviver’, mas para avançar concreta e efetivamente.