Medida é retrocesso e pode ser estímulo à cartelização, argumentam eles
Especialistas em defesa da concorrência criticaram, nesta segunda-feira, o tabelamento dos preços de frete para o transporte rodoviário de cargas, como parte de um acordo firmado no domingo por governo e representantes dos caminhoneiros. Para eles, a medida é um retrocesso, pode ser um estímulo à cartelização e ainda deixará mais caros medicamentos, alimentos, vestuário, mobiliário e outros produtos transportados nas estradas brasileiras.
— Estamos retrocedendo no tempo. O governo, acuado, acabou cedendo e tabelou o frete. Essa tabela não será barata e trará os preços que os caminhoneiros querem, sem discussão. E isso será sentido pelo consumidor — disse o advogado da área de direito econômico, José Del Chiaro.
Para o ex-presidente do Cade, Ruy Coutinho do Nascimento, o tabelamento põe em risco uma conquista do Plano Real, pois sinaliza a volta do controle de preços. A seu ver, a medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer estabelecendo a tabela de preços mínimos vai institucionalizar um cartel que pode se repetir em outros setores.
— Assim como ocorreu com os caminhoneiros, outros setores vão querer a mesma coisa, de acordo com suas necessidades — afirmou Coutinho.
O professor de economia da Fundação Getúlio Vargas e também ex-presidente do Cade, Gesner Oliveira, disse não ver razão para a medida.
— Tabela de preços, em geral, é ruim. Não há razão isso. É um retrocesso.
Mais cedo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma nota alertando que o tabelamento causará o aumento geral de preços para a população brasileira, devido à alta dependência rodoviária do país. A CNI argumentou que a fixação de preços mínimos infringe o princípio da livre iniciativa e é ineficaz, pois não corrige o problema de excesso de oferta de caminhões no mercado.
"Apenas a retomada do crescimento será capaz de reverter o atual quadro do setor de transporte de carga rodoviária. Em vez de procurar soluções paliativas e de baixa efetividade, o Brasil deveria enfrentar seriamente a questão tributária, de forma a reduzir a alta carga de impostos que penaliza o setor produtivo e todos os cidadãos", destacou a CNI
O presidente Michel Temer assinou a MP instituindo a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas após a reunião de domingo com os líderes dos caminhoneiros, sob o argumento de que é necessário "promover condições razoáveis à realização de fretes no território nacional". Pela MP, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANT) terá cinco dias úteis para para publicar uma tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado, por eixo carregado.
Os valores a serem estabelecidos se dividirão por categoria de carga: geral, líquida ou seca, frigorificada, perigosa e neogranel (formada por conglomerados homogêneos de mercadorias, sem acondicionamento específico). A tabela será válida para o semestre em que for editada.
Calculada com base nos custos do óleo diesel e do pedágio, a tabela será corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPA). Quem não respeitar o preço mínimo, terá que indenizar o transportador pelo dobro do valor.
REDUÇÃO DO DIESEL NA BOMBA
Os especialistas em defesa da concorrência também demonstraram ceticismo em relação ao repasse, na bomba, da redução de R$ 0,46 do preço do diesel. Para Del Chiaro, não há como exigir que os donos de postos de gasolina reduzam os preços.
— A única forma de o governo garantir que o repasse é tabelar o preço na bomba, o que também é um retrocesso — afirmou.
Ruy Coutinho lembrou que o setor de combustíveis é altamente cartelizado. Postos de gasolina de diversos estados vêm sendo condenados por combinarem preços, reajustes e condições de venda.
— Todos sabemos que o comportamento concorrencial dos donos de postos de gasolina não tem sido exemplar — disse Coutinho.
Já Gesner Oliveira disse que somente o livre mercado pode regular preços. O ideal, em sua opinião, é estimular a livre concorrência.
— Acredito mais no funcionamento do mercado do que na fiscalização do Procon. Por decreto nada funciona, mas com informação induzindo a concorrência pode ajudar.