Por Carlos Cesar Meireles Vieira Filho(*)
Alvin Toffler (04/10/1928 – 27/06/2016), jornalista, escritor e futurista norte-americano, doutor em Letras, Leis e Ciência, conhecido pelos seus escritos sobre a revolução digital, das comunicações e a singularidade tecnológica, autor de obras antológicas como o “Choque do Futuro” e a “Terceira Onda”, versava que (sic) “Uma corporação sem estratégia é como um avião voando em plena tempestade, jogando para cima e para baixo, açoitado pelo vento, perdido entre os relâmpagos. Se os relâmpagos ou os ventos não o destruírem, simplesmente ele ficará sem combustível.”
Em 21 de maio de 2018, o país experimentou uma greve com resultados traumáticos para a economia que durou extenuantes 10 dias. A “Greve dos Caminhoneiros”, como ficou conhecida, levou o governo do então presidente Michel Temer, sob forte pressão, a tomar uma errática decisão que deflagraria uma das maiores crises que o setor já vivenciara e que, passaria a enfrentar, dado que, uma medida insustentável técnica e juridicamente, resultou em um gesto mais obsequioso do que estratégico: o tabelamento de preços dos fretes no transporte rodoviário de cargas (TRC).
Desde então, governos (anterior e atual), junto ao setor do TRC e seus múltiplos atores, buscam uma saída para o imbróglio, sem precedentes, instalado no país, dado que, em plena economia de mercado buscou-se açodadamente resolver um problema decenal controlando preços, instituindo-se uma “tabela de fretes mínimos”.
O Brasil é um país de extensão continental (8.514.876 km), com variedade de clima e geografia, pluralidade e diversidade de cadeias produtivas, com cargas morfologicamente diversas em forma, tipo, característica, embalagens, volumes, temperaturas etc. Como pode a Tabela de Frete Mínimo, que traz na sua essência uma política de controle estático para algo que é construído em base dinâmica, vir a oferecer o condão mágico da solução para tão complexo e extenso problema?
Essa medida insólita, acintosamente aviltou a lei da procura e da oferta, única capaz de regular os mercados de forma a oferecer as condições de sustentabilidade na economia e nas cadeias produtivas. Desta forma, qualquer controle de preço artificializa a concorrência e a busca por serviços de qualidade crescente. O livre mercado, portanto, pressupõe a busca pela melhoria contínua de níveis de serviço, promovendo maior competitividade ao produto nacional.
Uma medida de controle de preços impacta frontalmente as cadeias produtivas, inviabilizando a comercialização de insumos e matérias primas de baixo valor agregado, mas essenciais para a produção nacional. Ademais, mecanismo de controle de preços (frete) enseja ainda mais insegurança ao setor que já se vê tão maculado, suscitando, como cediço, a verticalização por parte dos tomadores do serviço de transporte, anulando, assim, eventual benefício gerado pela Tabela de Frete Mínimo, já que haveria redução da atividade para os transportadores autônomos.
Em economia a expressão sofisma da composição evoca o princípio do vício de pensamento, dado que, busca beneficiar uma parte do todo, um aspecto do conjunto geral analisado, em detrimento de todo o resto do setor. Na prática, o sofisma da composição induz a uma falsa análise onde a solução para todo um setor, pode ser obtida pela solução de uma das partes. Destarte, imputar como verdadeiro para o mercado como um todo aquilo que ocorre com um setor isoladamente, não se sustenta, pois está formulado em uma falsa premissa.
Isso explica que, ao tentar resolver as agruras de parte do setor, construiu-se, com as medidas de tabelamento do frete, um conceito falso de que estaria sendo resolvido o problema de todos os demais setores.
Não obstante a medida de controle de preços (de frete), tecnicamente, não se sustentar, fere umbilicalmente direitos e garantias fundamentais, assegurados pelo artigo 5º da Constituição Federal, no sentido de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a livre participação na atividade econômica livre.
Um abundante conjunto de argumentos, portanto, concorrem para a defesa da não prática de tabelamento de frete, vendo-se reforçar ainda mais, quando a medida de controle de preços remete ao infausto passado longínquo, mas indelével, quando experimentou-se no país o funcionamento do desastroso Conselho Interministerial de Preços (CIP), instaurado no Regime Militar pelo Decreto nº 63.196 de 29/08/1968, pelo então presidente Costa e Silva. Referido Decreto (sic) “dispunha, dentre outras providências, sobre o sistema regulado de preços no mercado interno”, sendo que retomar essa política seria, indubitavelmente, um retrocesso com elevado custo para a nação brasileira.
Nesse mesmo diapasão está a manifestação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no sentido de que o tabelamento de preços representa uma política maléfica e anticompetitiva, ressaltando que “os preços devem ser livres e determinados pelo mercado. Afinal, qualquer intervenção estatal nesse sentido serviria apenas para inviabilizar a natural e regular competição por preço – ainda mais em um mercado econômico exclusivamente privado.”
A jurisprudência do CADE é pacífica no sentido de reconhecer a possibilidade de se estipular apenas tabelas de preços referenciais, mas proíbe, terminantemente, a adoção de tabelas de preços obrigatórias.
É compreensível e merecedor de respeito a inquietação e o desconforto daqueles setores que se vêm mais prejudicados pelo desequilíbrio dos fretes. Os autônomos, certamente, estando na ponta da cadeia de contratação dos fretes, dispõem de menor margem para negociações. Isso não quer dizer que o tabelamento de preços tenha o condão de solucionar a assimetria entre os setores, resultando -, como tem sido visto no alargamento da crise, conquanto experimenta após décadas de políticas equivocadas -, em um dos seus piores momentos.
Vê-se extrema boa vontade do Ministério da Infraestrutura (Minfra), bem como da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), reguladora do setor, em encontrar mecanismos capazes de solucionar o problema. O dia de 22 de julho de 2019, contudo, foi típico a corroborar o que se vê contextualizado neste artigo.
Após um longo e sério trabalho realizado pelo Departamento de Logística da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-LOG), que desenvolveu, a partir de um sem número de entrevistas, reuniões e diálogos com os muitos setores que operam e se vêm impactados direta e indiretamente pelo transporte rodoviário de carga, consubstanciadas na Audiência Pública nº 002/2019, vários modelos matemáticos que resultaram na Resolução da ANTT nº 5.849/2019, estabelecendo as regras gerais, a metodologia e os coeficientes dos pisos mínimos, foram criados, instituindo, como fruto, a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas (PNPM). Ocorre, entretanto, que, a despeito de várias tentativas e tratativas, o assunto está, ao que parece, longe de ser pacificado!
O corolário de todo esse imbróglio, contudo, foi a suspensão, no dia 22 de julho p.p., da Resolução da ANTT nº 5.849/2019, voltando a viger a Resolução n° 5.820/2018, ainda do Governo Temer, mantendo-se, contudo, aberto o campo para o diálogo, que terá no dia 24 de julho próximo, novo encontro no MINFRA com os muitos setores do TRC.
Fechando o raciocínio, assim como nos ensina Alvin Toffler, parece estar, mais do que na hora de se planejar o setor de forma ampla, integrada, inclusiva e simétrica, compreendendo que uma solução para tanto, não se dá por condão. A não se cumprir esta premissa, ou veremos uma destruição penosa do setor, ou simplesmente a economia poderá ficar sem combustível.
(*) Mestre em administração pela UFBA, Carlos Cesar Meireles Vieira Filho é diretor presidente da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos e vice-presidente da ALALOG – Associação Latino-americana de Logística.