A Situação Atual do TRC
É fato e notório que o setor de transporte rodoviário de carga é essencial para o funcionamento das sociedades organizadas, como pôde ser visto pela paralisação dos caminhoneiros autônomos. Ouviu-se muito que o Brasil é muito dependente do modal rodoviário, isto é uma meia verdade, pois a comparação sempre recai quase sempre sobre os EUA que possui aproximadamente 10 vezes mais quilômetros de ferrovias que o Brasil, mas eles também possuem uma densidade de rodovias pavimentadas 27,5 vezes maior que a brasileira.
O fato é que o Brasil tem um déficit grande em todos modais, mas independentemente disso, pode se dizer que a dependência dos caminhões está presente em quase a totalidade dos países, e o “quase” se deve apenas porque existem alguns poucos locais no mundo onde o transporte em geral é feito por barcos (Veneza na Itália é um exemplo), pois, não tem como distribuir as cargas por navios, barcos, trens ou aviões. Como fazer o abastecimento dos postos de combustíveis, supermercados, farmácias, shopping centers, lojas, casas, bares, restaurantes, a não ser por caminhões?
A questão aqui não é esta, o que se quer saber neste momento é se para o setor de transporte rodoviário de carga e a sociedade a imposição por lei de uma tabela de frete mínimo é boa ou não, mas antes de responder vamos analisar alguns fatos.
Historicamente o frete rodoviário no Brasil é muito baixo e a crise dos últimos quatro anos só piorou a situação. Se nos EUA o valor do frete rodoviário chega a ser até 5 vezes o ferroviário, aqui no Brasil ele não chega a ser o dobro e, neste caso não é porque frete ferroviário é que é alto e sim porque o rodoviário é que é muito baixo.
Praticamente todos os insumos da atividade de transporte estão nas mãos de poucos fornecedores: para a compra de veículos e pneus são meia dúzia, combustível é monopólio (apesar da Petrobras dizer que não) a mão de obra é praticamente tabelada e com data de aumento fixada. E, ainda tem o valor dos impostos que não há necessidade de comentar.
A infraestrutura é extremamente ineficiente, para não dizer precária. E não estamos falando só das estradas, portos, postos fiscais, aduanas e aeroportos que em sua maioria está sobre responsabilidade do governo. Há também os locais de recepção e expedição de cargas nas empresas que são inadequados, ineficientes e burocráticos.
Tudo isto junto contribui para que o transportador tenha uma baixa produtividade, o que se poderia fazer com 2 veículos utiliza-se 3 ou 4, com consumo alto e consequentemente um custo elevado para o transportador e a sociedade brasileira.
Como já foi dito a crise aprofundou tudo isto, com ela, a demanda de carga caiu aumentando a oferta de caminhões, o frete despencou, contudo, os custos continuaram subindo, alguns mais outros menos. A corda começou a arrebentar quando a Petrobras, em julho de 2017, mudou sua política de reajuste dos combustíveis e, em seguida o dólar e o valor do barril de petróleo, base da fórmula adotada de reajuste do diesel, entraram em uma rota crescente de aumento. Assim, criou-se o seguinte cenário: frete até com uma certa estabilidade (deixou de diminuir), mas em um patamar muito baixo, volume de carga insuficiente, clientes ainda avessos a aceitar aumento do frete e o diesel subindo. Desta forma, pressionado pelo frete baixo e o diesel em alta, a corda arrebentou, o Brasil quase parou e surgiu a Tabela de Frete Mínimo para o setor de transporte rodoviário de carga.
A Tabela de Frete Mínimo
Agora vamos voltar a questão posta inicialmente: a Tabela de Frete Mínimo é boa para o TRC e a sociedade brasileira?
Com certeza, para a sociedade não é boa solução. Nenhuma forma de tabelamento é solução para os problemas de preço de um mercado. O Brasil já teve várias experiências nesta área que não deram certo e só pioraram a situação. O próprio setor tem um exemplo de que isto não dá certo, como prova o valor da hora parada, imposta pelas leis 11.442 e 13.103, que quase ninguém cumpre.
Então, quer dizer que não é uma boa solução. Não exatamente, há de se considerar que o mercado de transporte rodoviário de carga se aproxima bastante de um mercado de concorrência perfeita, onde nenhum participante tem domínio, por maior que ele seja. Por outro lado, dos embarcadores, e dentro de determinados segmentos, há grupos empresariais dominantes, é assim na mineração, no agronegócio, nas indústrias automobilística, química, agroquímica, cimenteira, farmacêutica e em vários outros setores. Para estes grupos a troca de um fornecedor de transporte, que não esteja contente com o valor do frete recebido por exemplo, por outro ou outros é fácil e rápido - pelo menos na maioria das vezes.
A análise da lógica na contratação do autônomo pelas transportadoras, sem ter a pretensão de generalizar, começa pela cotação do frete com o cliente, desconta-se os impostos, as despesas administrativas, o ganho que a empresa quer e, o que sobra é oferecido aos terceirizados - como há muitos e despreparados, sempre se acha quem aceite, por menor que seja o frete oferecido. Com esta prática elimina-se milhares de autônomos todos os anos, mas com a ilusão de que o mercado de TRC é um mercado bom, atrativo e “lucrativo”, outros milhares acabam entrando nele sem ter capacidade técnica e preparo algum - esta última colocação, infelizmente não vale só para os autônomos, são muitos os investidores que também são iludidos pelos “belos olhos” do TRC.
Esta realidade faz com que o frete orbite abaixo dos custos envolvidos e, ao longo do tempo com tendência de queda. É comum escutarmos que o valor do frete recebido atualmente é o mesmo de anos atrás (4, 5, 10 anos). O setor sobrevive a custas, ou melhor, sacrificando a renovação da frota (a frota brasileira tem idade média que beira os 13 anos), a qualidade da manutenção, praticando excesso de peso, remunerando mal seus funcionários, sonegando impostos entre outras medidas, no mínimo questionáveis.
Ainda assim, o setor assume batalhas e brigas no lugar do seu cliente “altamente” rentável - talvez para não o deixar chateado. Veja o exemplo, nas medidas de restrições impostas pelas prefeituras a circulação de caminhões: quem discutiu com os governantes parecendo que o caminhão ia ao centro da cidade a passeio e não a pedido do dono da carga. Vejamos outro exemplo, a última paralisação dos caminhoneiros, alegando que o preço do diesel estava alto, quem deveria estar reclamando e parando eram os clientes por conta dos constantes reajustes do valor do frete em função da variação do combustível, mas quem parou e esperneou?
Outros equívocos foram falados durante a paralisação, um deles é que a sociedade irá pagar a conta do subsídio do diesel, isto não deixa de ser uma verdade, mas até então, quem vinha arcando com esta conta, em virtude do cenário descrito, eram os caminhoneiros e os transportadores, pois, se houvesse equilíbrio entre as partes neste mercado, os aumentos do diesel seriam repassados ao frete e a sociedade iria pagar do mesmo jeito só que como resultado do aumento dos produtos em função do reajuste do frete. Mas, se olharmos com mais cuidado, mesmo antes da paralisação a sociedade também pagava a conta só que na forma de acidentes por conta de veículos malcuidados e motoristas cansados com jornadas excessivas, de estradas estragadas ou com alto custo de manutenção pelo excesso de peso dos caminhões que circulam por elas, dos impostos sonegados que deixam de ajudar a melhorar a saúde e a educação, entre outras coisas. Enfim, de uma forma ou de outra é sempre a sociedade que paga a conta, só é preciso avaliar e identificar qual a forma que é melhor e mais barata.
Portanto, ainda não dá para dizer se a adoção desta tabela é uma boa escolha ou não, mas acredito que, pelo menos é uma tentativa, pois, o que não é aceitável é termos esta enormidade de caminhoneiros autônomos e empresas transportadoras com prazo de validade de atuação neste mercado (são pouquíssimas as empresas do setor que podem dizer que estão neste mercado a mais de 50 anos).
Contudo, é de suma importância, para que ela cumpra a sua função, que a tabela de frete mínimo seja aperfeiçoada e mais realista. Da forma que ela foi lançada ela traz mais problemas do que soluções e ao invés de ajudar vai complicar ainda mais a situação que já não é boa.
O site tabelas de frete que se dedica a fornecer referências de custos e preços para todas as atividades de transporte rodoviário de cargas e passageiros há mais de 20 anos fez uma análise da tabela publicada e aponta alguns problemas e sugere algumas soluções.
1. A ideia da adoção de um valor mínimo para o TRC é importante, pois, tenta resolver a deficiência técnica que assola este setor, principalmente no tocante a custos e formação de preços. Entretanto, deve-se considerar esta uma solução provisória e paliativa, pois o ideal é que todos tenham condições e estejam preparados para atuar nesta atividade em um futuro próximo, sabendo o que é melhor para si e para o seu negócio.
2. A tabela se propõe a abraçar algo muito grande com braços muito curtos. Resumir a atividade de transporte a CINCO grupos de cargas é assumir um desconhecimento total da complexidade do setor. Só para exemplificar, passa em algum momento pelo TRC absolutamente tudo que se produz e se vende neste país, dá para aceitar que este “tudo” caiba em CINCO grupos de carga.
a. Para solucionar é fácil, basta limitar ao mínimo, ou seja, adota-se uma operação simples ou clássica para usar como base da tabela. Afinal não é assim para o salário mínimo, um só para todos os trabalhadores.
3. Também não é possível que se tenha um valor por km/eixo que valha para todas as categorias de veículos existentes, são custos completamente distintos. E, é fácil de ver, basta calcular para as principais categorias de caminhões do toquinho (¾) ao bitrem de 7 eixos, a conclusão que os números do resultado nos mostram é que o custo km/eixo do toquinho é o dobro do bitrem. Além disso, há o problema da forma adotada igualar através do número de eixos veículos diferentes, por exemplo, o valor para uma determinada distância é o mesmo para um caminhão ¾, um toco e um cavalo mecânico 4x2 somente por todos os três possuirem 2 eixos - veículos cujo valor varia de 80 a 300 mil, a média de consumo vai de 6,0 a 2,5 l/km e o salário do motorista apresenta uma diferença de pelo menos 50%.
a. Neste caso a solução dá um pouco mais de trabalho, mas é perfeitamente possível e necessária para sanar as distorções listadas e que acaba por impossibilitar a aplicação da tabela. Basta a tabela exibir valores para os principais tipos de veículos: ¾, toco, truck 3 eixos, bi-truck 4 eixos, conjunto 5 eixos, conjunto 6 eixos e conjunto 7 eixos ou seguir até o conjunto de 9 eixos - lembrando que hoje a legislação permite composições de até 11 eixos.
b. É importante que a tabela também contemple os cavalos mecânicos de 2, 3, 3 traçado e 4 eixos, pois, em muitos segmentos contrata-se somente estes veículos para tracionar os semirreboques de propriedade da empresa.
c. Uma premissa que poderia ser melhor estudada é a questão do tempo de carga e descarga considerado pela tabela: são 5 horas para cada operação.
Provavelmente adotou-se este período em função do ARTIGO XX da LEI XX que trata da hora parada e apresenta este tempo como referência, ou seja, a lei franquia em 5 horas o carregamento e 5 horas a descarga. Mas este é o prazo máximo concedido para estas etapas, talvez para a definição de um valor mínimo este não seja o valor mais adequado - até porque desestimula a otimização destas operações. E no caso dos cavalos mecânicos este tempo é medido em minutos, pois a operação só envolve o engate e o desengate do semirreboque.
Provavelmente adotou-se este período em função do ARTIGO XX da LEI XX que trata da hora parada e apresenta este tempo como referência, ou seja, a lei franquia em 5 horas o carregamento e 5 horas a descarga. Mas este é o prazo máximo concedido para estas etapas, talvez para a definição de um valor mínimo este não seja o valor mais adequado - até porque desestimula a otimização destas operações. E no caso dos cavalos mecânicos este tempo é medido em minutos, pois a operação só envolve o engate e o desengate do semirreboque.
4. O período de utilização do veículo também é um assunto que merece que se perca algum tempo discutindo, pois, a idade média da frota brasileiras de caminhões varia muito em função da categoria do veículo, indo de 7 anos (caminhão trator especial - empresa) até 23 anos (caminhão simples - autônomo). Ele é um item importante, pois, influencia diretamente os custos de depreciação e remuneração de capital.
5. Um aperfeiçoamento simples da tabela seria a adoção de 3 ou 4 casas decimais para o valor do km/eixo, evitando assim valores iguais para várias faixas de distância.
6. É importante também que a primeira faixa de distância fosse quebrada em duas, criando-se a faixa de 1 a 50 km em virtude do valor nesta distância ser bem diferente, em torno de 60% maior, do indicado para a faixa de 100 km.
7. Também é necessário seguir com a tabela até 6 mil quilômetros já que ela se propõe a tratar de viagens de ida e volta (retorno vazio) - São Paulo a Recife ou a Belém ou a Manaus tem 3 mil, portanto ida e volta dá 6 mil. Da forma que está a tabela se utilizarmos o valor de 3 mil multiplicado por dois, incorre-se em um erro ao se fazer isto, pois, se dobrará com esta multiplicação o tempo de carga e descarga e consequentemente o seu custo, o que não é correto já que o veículo retornará vazio, portanto, sem ter havido um carregamento e uma descarga na operação de volta.
Todos estes apontamentos as alterações propostas são importantes porque um valor mínimo fora da realidade e sendo muito alto vai estimular transportadoras a trabalhar cada vez mais com frota própria e até instigar os embarcadores a avaliar a compra de caminhões para transportar suas cargas.
Só não dá para esperar que a tabela vá resolver todos os problemas do setor, pois, ainda há a questão da quantidade, ou seja, não adianta nada se ter o melhor preço de um produto ou serviço do mundo se não conseguir vendê-lo para ninguém.