Para Frederico Favacho, que atende a entidades do setor de grãos, as duas normas são incompatíveis
A tabela de frete, aprovada neste ano e tema de discussão na Justiça, anula os efeitos de lei que instituiu o chamado Vale Pedágio, datada de 2001. A afirmação é do advogado Frederico Favacho, que presta serviço para entidades como a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Favacho afirma que, em tese, as tradings poderiam utilizar do argumento para não pagar o valor referente à tarifa das estradas, especialmente se a constitucionalidade da tabela de frete for confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Se a ideia com o frete era proteger o caminhoneiro, o efeito foi o contrário. Caso o Supremo considere a lei do frete constitucional, as empresas poderão questionar o vale pedágio”, afirma. Segundo ele, a contradição entre as duas normas ficou evidente no momento em que a tarifa passou a ser incluída na formação do preço de referência do transporte.
A lei que institui o Vale Pedágio prevê que o pagamento da tarifa deve ser feito pelo contratante do transporte e entregue ao transportador no momento do embarque da carga. O texto informa que o vale não é parte integrante do valor do frete, nem pode ser considerado como receita operacional para fins de tributação.
Aprovada neste ano, a lei que institui a Política de Preços Mínimos do Frete Rodoviário prevê a criação de uma tabela para o transporte de carga. A referência por quilômetro deve levar em consideração o valor do óleo diesel e o custo do pedágio, sendo revisados periodicamente de acordo com as variações desses itens.
Para Frederico Favacho, a lei atual contradiz a anterior. Se o valor do pedágio não integra o frete, como diz a norma de 2001, ele não pode ser considerado componente do custo para tabelar o transporte rodoviário de carga, como previsto na lei de 2018.
“Juridicamente, quando há incompatibilidade entre duas leis, a mais nova prevalece sobre a mais antiga. Assim, na nossa visão, a lei do frete revoga a lei do vale pedágio. A situação fica pior para o caminhoneiro”, diz Favacho.
Supremo deve decidir
A tabela de frete rodoviário foi instituída pelo governo federal como parte da negociação para acabar com a greve dos caminhoneiros, ocorrida entre maio e junho. Era uma reivindicação da categoria. Mas se tornou um impasse desde o início e vem sofrendo fortes críticas de setores dependentes do transporte rodoviário, que reclamam de intervenção do governo e do aumento de custos.
Representantes do agronegócio afirmam que os negócios estão praticamente travados por conta da discussão do custo do transporte. Além do ritmo menor da comercialização de produtos, há a preocupação com o plantio da próxima safra de verão, em função do atraso na entrega dos fertilizantes, transportados dos portos nos fretes de retorno das cargas de commodities agrícolas.
Frederico Favacho afirma que, neste momento, a avaliação geral é de que não existe uma tabela vigente. As anteriores, feitas pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), a quem cabe essa responsabilidade, foram revogadas. Por isso, os poucos negócios tem sido fechados fora dos valores de referência.
“Se é para ter tabela, a ANTT tem que fazer uma nova. As anteriores foram revogadas. E mesmo se não tivessem sido, estavam incompatíveis com a nova lei”, argumenta o advogado.
Mas, do ponto de vista do agronegócio, a discussão vai além. Representantes do setor e seus advogados, entre eles o próprio Favacho, argumentam que a lei do frete mínimo vai contra a Constituição. Em ação judicial, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) alega que a tabela fere princípios de livre iniciativa e concorrência.
Esses argumentos devem ser analisados nesta segunda-feira (27/8) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que marcou audiência sobre o assunto. Participam a Advocacia Geral da União (AGU), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil (ATR Brasil), a própria CNA e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Fux é relator de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) contra a tabela do frete, entre ela a movida pela CNA. Já fez duas audiências sobre o assunto, mas não houve consenso. Quando convocou a audiência desta segunda-feira, o ministro suspendeu os efeitos de todas as decisões tomadas a respeito da tabela do frete nas diversas instâncias da Justiça.
“É inconstitucional. E o prejuízo que isso ia causar, já está causando. E, no próximo ano, isso vai bater no produtor”, protesta Sérgio Mendes, diretor geral da Anec. Nos cálculos da entidade, o tabelamento do frete impõe um custo logístico adicional de US$ 2,6 bilhões aos exportadores de grãos do Brasil.
Mendes lembra que o setor de grãos trabalha com grandes volumes e margens apertadas, com preços regidos por bolsas internacionais. É a logística, portanto, que pode determinar a vantagem ou desvantagem da operação. “Não há lugar para o tabelamento. Não é possível engolir isso. Esse assunto tem que ser resolvido”, diz.