Apenas as três principais infrações de trânsito cometidas nas ruas e rodovias do país, todas elas envolvendo alta velocidade, resultaram no ano passado numa arrecadação de R$ 11,3 bilhões para os cofres da União,
Estados e municípios, uma alta de 24,2% em relação a 2017. Segundo informou o Ministério da Infraestrutura ao Valor, esses montantes decorrem da cobrança de 11.062.764 multas em 2018 e 10.967.376 autuações quitadas no ano anterior.
No acumulado de 2019, a arrecadação estimada é de R$ 4,19 bilhões. Os dados evidenciam a ausência de informações consolidadas e detalhadas sobre o que o presidente Jair Bolsonaro e congressistas chamam de "indústria da multa".
O governo federal disse não ter as mesmas informações sobre outras infrações. Técnicos do governo que atuam na área de segurança de tráfego, no entanto, argumentam que a cifra demonstra como o comportamento do motorista brasileiro tem aumentado o risco de acidentes. E destacam que os valores seriam ainda superiores, caso o Estado tivesse condições de fiscalizar mais locais.
Esses valores foram calculados com base nos dados do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset) e do Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf), ambos sob responsabilidade do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A chamada "indústria da multa" voltou a ficar em evidência na última semana, quando Bolsonaro enviou ao Congresso uma proposta para flexibilizar trechos do Código de Trânsito Brasileiro sem estimativa do possível impacto fiscal das medidas.
O projeto, por exemplo, amplia o limite de pontos na carteira e altera as regras no uso da cadeirinha e do farol baixo em rodovias. Alcançará órgãos federais, dos Estados, do Distrito Federal e de municípios. No entanto, especialistas em Orçamento, o Palácio do Planalto e ministérios envolvidos disseram não saber quantificar o efeito fiscal do projeto.
A carência de informações na área já é alvo do Congresso Nacional, inclusive porque historicamente os recursos do Funset são contingenciados e deixam de ser aplicados segundo determina o Código de Trânsito Brasileiro: na segurança e na educação de trânsito.
Deputados e senadores tentam aprovar um projeto de lei para obrigar governo federal, Estados, o Distrito Federal e municípios a divulgar em detalhe as receitas, as formas de autuação e a destinação desses recursos. Com tramitação mais avançada do que o projeto de lei complementar enviado ao Congresso recentemente pelo Executivo, o Projeto de Lei 9.769 de 2018 já foi aprovado pelo Senado e pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara. Seguiu para Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde deve tramitar em caráter conclusivo.
Se aprovado, precisará retornar ao Senado. O projeto vai além do que já estabelece a atual legislação. De acordo com o texto atualmente em discussão no parlamento, o órgão responsável precisará publicar na internet - em tempo real ou a cada ano, dependendo da modernidade de seus sistema de informática - dados sobre a receita e sua destinação.
Ele precisará também discriminar os valores das multas aplicadas por agentes e equipamentos eletrônicos. Se a lei for desrespeitada, o servidor poderá ser punido no mínimo com suspensão, de acordo com as regras definidas pela Lei de Acesso à Informação.
"Esse é um tema muito constante. Pedimos transparência em tudo, mas não falamos o que a gente quer ver", afirmou ao Valor o deputado Alexandre Leite (DEM-SP), relator da proposta na Comissão de Viação e Transportes da Câmara e possível relator na CCJ, lembrando que essa arrecadação tem um peso ainda mais relevante nos orçamentos de Estados e municípios.
"Isso coaduna com a visão do governo de combater a indústria de multas. Acho que não haverá resistências. Esse é um projeto que trata de transparência." Para o deputado, o projeto ganha importância devido à tendência de a arrecadação com multas de trânsito crescer cada vez mais. "Esse dado só tende a aumentar por causa do crescimento da frota de carros e também do número de pardais e radares", disse.
"Acaba se tornando uma receita. Todo governante, durante a campanha, diz ser contra a indústria da multa. Mas depois, quando começa a governar, vê os números de arrecadação e desiste." Segundo o Ministério da Infraestrutura, as três principais infrações de trânsito cometidas no Brasil são transitar em velocidade superior à máxima permitida em até 20%, transitar em velocidade superior à máxima permitida entre 20% e 50% e transitar em velocidade superior à máxima permitida acima de 50%. Em 2014, elas geraram arrecadação de R$ 6,8 bilhões. Nos dois anos seguintes, R$ 7,5 bilhões e R$ 8,8 bilhões, respectivamente. Sob condição de anonimato, um técnico do Executivo ponderou: "Não existe indústria da multa. O que existe, nas estradas brasileiras, é a indústria da morte".