Por Paulo Roberto Guedes e Cesar Meireles
Durante os dias 14 e 19 de junho do ano passado, participando da Missão Logística Europa, coordenada pelo Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), em parceria com a Breda University of Applied Science (NHTV), tivemos a oportunidade de visitar institutos de estudos e pesquisas, portos, centros de distribuição, operadores logísticos e terminais multimodais, mais precisamente na região logística conhecida como Euro Delta que congrega três países: Holanda, Alemanha e Bélgica.
Foram, com certeza, visitas e reuniões de extrema importância e interesse e que trouxeram uma visão ampla d o que vem sendo discutido na Europa com relação ao Supply Chain.
Alemanha, Bélgica e Holanda buscam as condições ideais para desenvolver a função de hubs logísticos e prestarem serviços de qualidade para as empresas que se encontram na região econômica conhecida como Big Banana. Essa região, compreendida num raio de 1.300 km, tem cerca de 350 milhões de consumidores de elevada renda per capita, congrega economias que vão da Inglaterra ao norte da Itália, e contempla uma produção diversificada que vai do setor agrícola à tecnologia e produtos de alto valor agregado.
É de tal forma relevante e estratégica a logística que homens públicos e empresários consideram-na prioridade absoluta, chegando ao ponto no qual os governos têm a obrigação de seguir o plano estratégico dos mercados, provendo urgente e tecnicamente, os subsídios de infraestrutura para que não haja descontinuidade na geração de valor para a economia.
Enquanto os projetos e suas execuções estão sempre em curso e entregues no tempo certo, quando não antecipados, as pesquisas (P&D) e os estudos em ciência e tecnologia (C&T) e aqueles direcionados especificamente à logística também seguem um caminho de eficácia. Exemplo disso é o Dinalog (Dutch Institute for Advanced Logistics), que pode ser definido como uma “think-tank” em logística (organizações ou instituições que atuam na produção e na difusão de conhecimentos).
Na esteira do conceito de competitividade do Euro Delta, encontra-se outra característica fundamental para uma logística eficaz: a Sincromodalidade, definida como “a concepção de todos os modais em um só sistema integrado”, ou “o correto gerenciamento da infraestrutura, dos serviços, dos transportes, de modo integrado e sincronizado”.
E nessa linha de raciocínio, tão importante quanto os investimentos em P&D e C&T, para o desenvolvimento crescente e sustentado da economia, são os investimentos em infraestrutura logística, posto que, sem infraestrutura logística integrada e inteligente, é difícil que haja crescimento e desenvolvimento econômico.
Não é à toa que esses três países se orgulham da posição que têm no Logistics Performance Index (LPI) do Banco Mundial, ocupando, nesta ordem, Alemanha, Holanda e Bélgica, o 1º, 2º e 3º lugares. Apenas para efeito de comparações, o Brasil ostenta o 65º lugar.
Como ilustração de como os investimentos em infraestrutura logística, automação e governança propiciam operações logísticas mais eficazes, a seguir, alguns exemplos de sucesso e que, sem dúvida, confirmam a ‘razoável’ distância que separa a realidade brasileira daquela vista no Euro Delta.
Porto Aquaviário de Duisburg: o maior porto fluvial multimodal do mundo! Com extensão de 20 km, capacidade para 120 milhões de toneladas e 3,4 milhões de TEUs (movimentação de Santos), o Duisburg Intermodal Terminal (DIT) recebe, anualmente, cerca de 20 mil barcaças, estando integrado a 5 autopistas e mais de 360 conexões ferroviárias por semana para mais de 80 destinos, o que corresponde a cerca de 20 mil trens por ano. Com conectividade extraordinária, tem, inclusive, conexão com a ferrovia asiática Transiberiana, encurtando uma viagem de 40 dias por via marítima, para 16 a 17 dias por trem.
Toda essa movimentação ocorre graças à sua estrutura de 21 docas portuárias, 9 terminais de contêineres com 15 portêineres, e 2 milhões de m2 de área coberta para armazenagem, 2 terminais Roll-On / Roll-Off com 220 mil m2 de pátios. Isso sem falar da vastidão de área para granéis.
Como comentado: também exemplo de governança, pois o DIT é organizado como porto público, no modelo tripartite, pertencendo ao município, ao estado e ao governo federal, em partes iguais, com a decisão predominante do município. É administrado pela autoridade portuária, responsável pela dragagem e aluguel dos espaços ao setor privado que investem nos terminais e em suas instalações, operando-os, gerando mais de 800 empregos diretos e cerca de 40 mil indiretos. Seu principal executivo vem do mercado e sem interferência política.
Visitando o Porto de Antuérpia, o segundo porto da Europa, no qual são movimentadas mais de 190 milhões de toneladas de carga anuais, percebe-se claramente a eficácia das operações: tem conexões para mais de 800 destinos, totalmente multimodal, oferece 950 saídas de barcaças fluviais por semana para mais de 75 destinos e são operados 220 trens por dia (interligados às mais importantes rodovias da Europa e 1000 km de linhas férreas somente dentro dos limites territoriais do porto). Pelo modal hidroviário são mais de 57 mil chatas por ano interligando o Euro Delta com a Suíça e a França. Receita simples: multimodalidade extensiva, obras sistêmicas e contínuas nas vias de acesso, evitando cruzamentos em nível, sistemas eletrônicos de antecipação de notificação de embarques, parques de estacionamento em todo o território portuário, capacitação intensiva de pessoas, gestão profissional na gestão portuária e baixa interferência pública.
No ranking de contêineres, é o terceiro porto europeu e 16º no mundo, movimentando mais de 8,6 milhões de TEUs anualmente (1º Rotterdam com 11,6 milhões e o 2º Hamburgo com 9,3 milhões). Para efeito de comparações: os 10 maiores portos do mundo são asiáticos, estando Shanghai na primeira posição com 36,6 milhões de TEUs. O porto de Santos, maior da América Latina, está na 38ª posição.
Outro porto visitado, o maior porto da Europa: Porto de Rotterdam. Com movimento anual de mais de 440 milhões de toneladas, ocupa a 11ª posição mundial. Em números gerais, o Porto de Rotterdam tem uma extensão de 42 km. Até 2013 operava no limite da sua capacidade e, muito antes do Porto de Rotterdam ter atingido a sua maturação, iniciou-se, em 2008, as obras do Maasvlakte 2, elevando o porto a 12.603 hectares de área e capacidade para 17 milhões de TEUs. O melhor desta notícia é que tudo ficou pronto em 2013, isto é, em cinco anos!
Números impressionantes: com a movimentação anual de aproximadamente 40 mil navios, mais de 100 mil barcaças marítimas e 30 mil fluviais, vê-se conectado com todo o continente Europeu. Recebendo os maiores navios do mundo, com capacidade acima de 16 mil TEUs, tem calado entre 15 e 23 metros em todas as suas seções e não se vê acomodado, haja vista estar na prancheta, a expansão do Maasvlakte 2 para, em 2033, atingir 34 milhões de TEUs, igualando-se à atual capacidade de Shanghai. Com o objetivo de atender a crescente demanda do setor químico e de contêineres, esse novo terminal tem calado com mais de 20 metros e está apto para receber os maiores navios do mundo 24 horas por dia.
Em Maasvlakte 2, terminais como o APM Terminals e o Rotterdam World Gateway (RWG), dão um show de tecnologia de ponta com veículos de movimentação de contêineres teleguiados / Automated Guided Vehicles (AGV) e portêineres de última geração para atender os maiores navios do mundo com 16.000 TEUs (Twenty Foot or Equivalent Unit - unidade equivalente a 20 pés).
Dentre os centros de distribuição (CD) visitados, é importante comentar sobre o CD da Nike, no qual modernidade e sofisticação são suas principais características. Localizado no município flamengo de Laakdal, na região norte da Bélgica, denominada de Flanders, está próximo do Porto de Antuérpia e é bastante diferente do que se está habituado a ver. Com 200 mil m2 de área coberta, movimenta mais de 200 mil SKUs! Ali foram investimentos EUR 500 milhões, e desde 1994, transformou-se no maior CD da empresa em todo o mundo. Implantado em um terminal multimodal (highways, ferrovias e hidrovia), tem ligação com todos os principais portos e regiões da Europa e do mundo. Com 1.300 funcionários diretos, o CD da Nike, intitulado EMEA Logistic Center (Europe, the Middle East and Africa - ELC), não é somente o hub logístico do grupo, mas também o epicentro do conhecimento de logística para o Grupo Nike. Lá, as inovações, os experimentos e as tecnologias são desenvolvidas para serem aplicadas nos demais pontos e nos demais países. Antes de 1994, a Nike dispunha de 32 CDs espalhados pelo mundo.
O ELC da Nike dá outras lições. Sua contribuição para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) vai além de retirar os milhões de caminhões das estradas, mas por ser autossuficiente em energia renovável. O ELC dispõe de 9 megawatts de turbinas eólicas instaladas
Visitando a empresa Flora Holland, em Aalsmeer, o contato foi com a logística das flores. Fundada em 1915, essa cooperativa, que tem instalações também em Naaldwijk, Rijnsburg, Bleiswijk, Eelde e Veiling Rhein-Maas, congrega 5.300 produtores de flores e plantas ornamentais, possui 2,7 milhões de m2 de área coberta e uma receita bruta anual de EUR 14 bilhões. O CD de Aalsmeer, principal centro comercial de flores e plantas da Holanda, com receita bruta anual de EUR 4,5 bilhões (2014), gera mais de 250.000 empregos diretos e indiretos. No site em Aslsmeer, o maior de todos, ocorrem os leilões com pregões que chegam a efetuar mais de 45 mil transações por dia.
Como último ponto da missão, foi realizada uma visita no operador logístico Menzies, do Aeroporto de Schiphol, Amsterdam. Em 2014 o aeroporto foi utilizado por 99 empresas aéreas, transportando 1,6 milhão de toneladas de cargas e mais de 55 milhões de passageiros, para 323 destinos em todo o mundo. As atividades desse aeroporto empregam mais de 65 mil pessoas e agregam 26 bilhões de euros ao PIB holandês.
O Menzies Aviation - Logistics Solutions, operador logístico especializado em aeroportos (cargas e passageiros), opera mais de 149 sites, está em 32 países, gera mais de 21 mil empregos e registra movimentações de mais de 1,5 milhão de toneladas de carga.
Um dos pontos que chamou a atenção na visita. Perguntado ao executivo responsável pelas operações, onde estavam as demais facilities (infraestruturas, armazéns etc) do terminal, que dão suporte ao grande volume de importações e exportações, considerando que o Shiphol é um dos maiores aeroportos europeus, de pronto respondeu: são somente estas aqui visitadas, pois as mercadorias “estão nos operadores logísticos fora do aeroporto ou já nas unidades dos embarcadores.” Ou seja, operador e intervenientes agem efetivamente para que o desembaraço das cargas ocorra celeremente e deixem o Shiphol no menor espaço de tempo possível. O Operador Econômico Autorizado (OEA) funciona no aeroporto de Schiphol, com sucesso, já há seis anos.
Ao longo da missão, viu-se muita tecnologia avançada em movimentação e gestão de estoques, softwares sofisticados de gestão de armazéns e tracking da carga, robotização em linhas de picking e packing e trans-elevadores de última geração alimentando estruturas auto portantes de grandes dimensões.
O que se notou é que a busca por automação e tecnologias mais avançadas e complexas, está sempre presente nos setores mais pujantes da economia, explicando em parte o fato de que essas tecnologias, já existentes no Brasil, sejam aqui menos utilizadas ou disponíveis. Uma das razões é o baixo (ou até negativo) crescimento da economia. O crescimento econômico, com maiores volumes e maior escala, propiciam custos menores, inclusive para essas tecnologias. O crescimento exige que se tenham sistemas e equipamentos de ponta, como forma de se aumentar a produtividade e atender o crescimento da demanda. É uma convergência natural. Sem crescimento econômico é difícil se obter uma logística eficiente e sem esta, compromete-se o crescimento econômico. Círculo vicioso a ser quebrado.
Missões como estas dão claras evidências do enorme gap que o Brasil ainda tem que superar. Se há a indignação com o fato de que tudo isso poderia ter sido construído nas últimas décadas, certifica-se, ao mesmo tempo, as muitas oportunidades existentes. O Brasil tem um potencial inigualável, basta que se executem os projetos necessários dentro dos conceitos de multimodalidade integrada e sustentabilidade, ao custo, qualidade e tempo previsíveis.
Paulo Roberto Guedes, consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.
Cesar Meireles é diretor executivo da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos)