por Felipe Trevisan *
Até 2030, estima-se que 60% da população mundial viverá nas cidades. O número de megacidades com mais de 10 milhões de habitantes também continuará crescendo, segundo estudo recente da consultoria McKinsey. E, à medida que a população se concentra em grandes centros, a movimentação de cargas e pessoas se torna vertiginosamente complexa.
Entre o trânsito e as pessoas, nascem cada vez mais LogTechs – empresas de tecnologia que atuam no mercado de logística e mobilidade – que buscam modelos de negócios capazes de romper com o atual paradigma de transporte nas grandes cidades. Os apps de táxi, lançados no Brasil em 2011, foram pioneiros e representaram uma grande mudança para quem usava o serviço. Antes deles, era necessário agendar as corridas com uma rádio táxi e os preços eram exorbitantes. Hoje, diversas pessoas passaram a abrir mão do próprio carro para utilizar os aplicativos como aliados. Mais recentemente, surgiram os polêmicos patinetes elétricos, como uma opção para melhorar a “micromobilidade”: com eles, a locomoção em distâncias curtas ficou muito mais fácil e acessível.
Nesse ambiente urbano cada vez mais complexo, é preciso buscar um olhar sobre o transporte de carga – é claro, além de se movimentar, as pessoas precisam de alimentos, bebidas, remédios e tantos outros bens e/ou serviços essenciais no dia a dia. Já são diversas as iniciativas e suas aplicações: transporte de pequenos objetos, entrega de comida, locomoção de grandes cargas. Todas, com um princípio parecido: utilizar a tecnologia para conseguir criar uma rede mais eficiente com veículos e motoristas, aproveitando as viagens de retorno e aumentando a sua ocupação média.
As ideias e tecnologias são excelentes, mas quebrar paradigmas nem sempre é fácil: ainda que elas sejam capazes de gerar um grande impacto na vida das pessoas, os modelos de negócio muitas vezes esbarram nas leis e regulamentações já existentes (ou inexistentes). No caso dos patinetes, várias cidades ainda estão entendendo como podem evitar acidentes pela audácia e desrespeito de alguns usuários. No mercado de cargas, as principais logtechs operam conforme legislação vigente, mas o excesso de burocracia leva à intimidação de modelos de negócio que poderiam ser ainda mais inovadores.
Um desses entraves é a quantidade de documentos exigidos para o transporte de cargas – especialmente sob a ótica do transporte de carga fracionada. Para exemplificar, imagine três pessoas de uma empresa pegando um táxi com a legislação atual do transporte de cargas: (1) no instante do embarque, o taxista precisará estimar o custo total da viagem e o rateio (quanto custará o transporte de cada uma das pessoas) (2) logo após a estimativa, o taxista deverá emitir nota fiscal de serviço para os passageiros que irão para um destino na mesma cidade ou um CT-e para passageiros que irão para um destino em outra cidade (e emitir os impostos corretamente); (3) antes da viagem começar, o taxista também deverá imprimir os documentos fiscais com os dados de cada passageiro que será transportado; (4) além disso, o taxista deverá emitir um manifesto (MDF-e) que está transportando os passageiros; (5) a empresa que pagará o transporte dos passageiros, por sua vez, terá que emitir um Código de Identificação da Operação de Transporte com o nome do taxista, checando se a documentação dele está em dia e, posteriormente, pagá-lo por meio de TED ou meio de pagamento eletrônico homologado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Isso tudo deve ser feito antes do início da viagem. Complexo, não? Agora, imagine que um passageiro peça para o motorista esperar por uma hora. Nesse caso, o preço deverá ser recalculado e um documento fiscal complementar (NFS-e ou CT-e) deverá ser emitido. E imagine a complexidade em entender tudo isso para quem contrata.
Mas é exatamente assim que funciona no mercado de transporte de cargas. Essas exigências – ainda mais antes do início do serviço de transporte – é um grande entrave para modelos mais inovadores de transporte, fazendo com que os transportadores digitais tenham que estimar previamente custos médios de entrega por região, lucrando com parte das entregas, enquanto tem prejuízo em outras. A exigência da impressão das DACTES (Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte Eletrônico) também dificulta o modelo operacional, uma vez que é necessária uma impressora no local da empresa contratante e integrada com o os sistemas de ambas empresas (contratante e de transporte).
Entregas de última milha, bastante comum em regiões metropolitanas e grandes centros urbanos, tendem a ser bastante imprevisíveis e faz muito sentido ajustar o valor do transporte de acordo com a execução do serviço. Correções a cada entrega e rota nos documentos fiscais podem gerar um volume intimidador de informações para transportadores e embarcadores. Soma-se a isso o prazo curto em que se pode fazer essas alterações.
O Brasil está começando a se movimentar para uma potencial reforma tributária. Dentre as muitas propostas, o ICMS encontra-se na pauta – o que já é animador. Precisamos estar atentos aos vícios de impostos não-cumulativos teoricamente, porém cumulativos de fato – devido à dificuldade de recuperação, a quantidade de exceções e entraves de impostos na regulação.
Nesse contexto, é vital que todos os atores – empreendedores, cidadãos e governo – interajam ativamente para acelerar a criação de políticas públicas mais simples e que facilitem o nascimento e crescimento das LogTechs. A palavra da vez é simplificar.
* Felipe Trevisan é CEO da Vuxx, primeira logtech do mercado brasileiro em entregas de cargas fracionadas em regiões metropolitanas