Serasa aponta risco de superendividamento

Publicado em
25 de Outubro de 2010
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Dívidas representam 39% da renda dos brasileiros; fatia de 24% por mês vai para pagamento dos débitos

Dados do Banco Central mostram que, nos últimos cinco anos, o número de brasileiros com dívidas superiores a R$ 5 mil, considerando todos os tipos de empréstimo, saltou de 10 milhões para 25,7 milhões.

Mas esse total pode ser muito maior, já que não considera os cidadãos que não têm conta em banco -cerca de metade da população.

Na avaliação da Serasa Experian, diante da falta de informações sobre o perfil das dívidas das famílias, e da capacidade de pagamento, o Brasil corre sério risco de enfrentar um cenário de superendividamento (leia entrevista na pág. 4).

A preocupação é a seguinte: embora muitos dos consumidores que devem mais de R$ 5 mil possam ter esse valor dentro do seu limite de crédito, outros tantos já estão mais endividados do que poderiam e, portanto, com alta probabilidade de inadimplência.

DÍVIDA X RENDA

Hoje, o volume de dívidas dos brasileiros corresponde a 39,1% da renda, de acordo com o Banco Central.
E uma parcela de 23,8% fica comprometida mensalmente com o pagamento dos débitos existentes.
Sem detalhes sobre a qualidade das dívidas, esses percentuais já preocupam, na avaliação da Serasa.
Nos EUA, com juros muito baixos, 17% da renda fica comprometida com pagamento de débitos. E o volume de dívidas dos americanos chega a 128% da renda.

Lembrando que, tanto no Brasil quanto nos EUA, os números referentes a financiamento imobiliário entram nessa conta.
Mas, no mercado doméstico, esse tipo de crédito é só 3,5% do PIB. Já no americano, é mais de 100%.

"CRISES INEVITÁVEIS"

Pedro Paulo Silveira, diretor da Gradual Investimentos, diz que as crises de crédito são "inevitáveis" no mundo todo, fazendo parte do "ciclo econômico capitalista".

"Quando a economia vai bem, ter uma dívida de R$ 1.000 pode não significar nada para um cidadão. Mas se a economia passa a ir mal e a pessoa perde o emprego, esse endividamento se torna um problema para ela", diz.
Mas Silveira acredita que o Brasil deva continuar crescendo a taxas elevadas nos próximos quatro anos, com aumento da classe média e possibilidade de expansão dos empréstimos.

O crédito pessoal para consumo disparou no país desde 2002. Passou de 5,1% do PIB (Produto Interno Bruto) naquele ano para 15,2% do PIB em agosto de 2010, ainda segundo dados do BC.

Com o aumento, esse segmento de empréstimos, que exclui o crédito imobiliário, já atinge nível próximo ao dos EUA, de 16,6% do PIB em agosto de 2010.

Alexandre Andrade, economista da Tendências Consultoria, também acredita que a expansão da renda dos brasileiros comporta o endividamento.

"Além do mais, os segmentos de crédito que mais têm crescido são os que oferecem as melhores garantias aos bancos em caso de inadimplência: financiamento de automóveis, imóveis e crédito consignado", diz.

"E é importante destacar que, no passado, carro e casa própria eram bens que apenas uma parcela reduzida da população tinha acesso", completa Andrade.

ENTREVISTA RICARDO LOUREIRO

É preciso aprovar o cadastro positivo com urgência
PRESIDENTE DA SERASA EXPERIAN AFIRMA QUE CRIAR BANCO DE DADOS É ESSENCIAL PARA EVITAR CRISE DE SUPERENDIVIDAMENTO DE BRASILEIROS

CAROLINA MATOS
DE SÃO PAULO

Ricardo Loureiro, 50, presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina, diz que o cadastro positivo é "essencial" para traçar o perfil dos tomadores de crédito e evitar uma crise de superendividamento no país.
Além disso, o novo banco de dados -que reuniria informações sobre os pagamentos feitos em dia pelos consumidores- ajudaria a derrubar os juros dos empréstimos, trazer mais 26 milhões de pessoas ao mercado de crédito e injetar R$ 1 trilhão na economia.
A seguir, trechos da entrevista à Folha.

 

CADASTRO POSITIVO
A implementação do cadastro positivo -um banco de dados com toda a história individual de crédito das pessoas, incluindo os compromissos honrados, e não apenas informações de inadimplência- é o primeiro passo para o país evitar uma crise de superendividamento.
Por meio desse cadastro, vai ser possível saber não só o perfil das dívidas -quanto está no comércio, no setor de serviços etc - como também qual é a capacidade de pagamento do cidadão.
No modelo atual, do "cadastro negativo", as empresas só precisam informar quando um cidadão deixa de pagar.
Com a vigência do cadastro positivo, essas empresas vão ter que comunicar, também, toda vez que o consumidor pagar uma conta em dia.
O primeiro projeto do cadastro positivo é de 2004 e precisa ser aprovado com urgência. É uma questão crucial para o novo governo.

JUROS MAIS BAIXOS
Com o novo cadastro, os juros dos empréstimos cairão.
Estudos mostram que, em países que adotam informação positiva compartilhada, o risco de crédito cai entre um terço e metade.
Hoje, esses juros no Brasil são altos porque a inadimplência é rateada: bons pagadores arcam com o ônus gerado pelos maus pagadores.
Com o cadastro positivo, quem paga suas contas em dia vai ter a possibilidade de negociar uma taxa de juros menor, mais adequada ao seu histórico de crédito.
Com isso, nossa estimativa é que a taxa de inadimplência caia pela metade.
O cadastro também permitiria a entrada no mercado de crédito de mais 26 milhões de pessoas, o que injetaria R$ 1 trilhão na economia.

BRASIL X G20
O Brasil é o único do G20 que não tem o cadastro positivo. E também o único entre os Brics, grupo que inclui ainda Rússia, Índia e China.
Não podemos deixar para tomar essa atitude depois de a situação sair do controle.
Na Coreia do Sul, em 1997, a crise da Ásia, que quebrou boa parte do sistema financeiro da região, pegou as famílias com um endividamento altíssimo, que chegou a 96% da renda. O saldo utilizado no cheque especial e no cartão de crédito bateu os 114% do PIB.
Nesse cenário, foram impostas restrições nessas modalidades de crédito e a inadimplência foi a 10,5%.
Para evitar o que poderia ser ainda pior, o governo adotou o cadastro positivo em 2004, para mapear a possibilidade de pagamento das pessoas. A inadimplência caiu para 5,5%. Hoje, está em 1,1%.

DEVEDORES
A taxa de inadimplência das pessoas físicas no Brasil caiu de 7,5% em janeiro deste ano para 6,2% em agosto (dado mais atualizado do BC).
Mas, na comparação com números de Estados Unidos, Reino Unido e mesmo Coreia do Sul, vemos que a taxa é alta no mercado brasileiro.
Nos EUA, que ainda enfrentam uma crise, a inadimplência do consumidor ficou em 5,6% no segundo trimestre de 2010. Antes da crise, girava em torno de 3%. O Reino Unido, que também está em crise, tem taxa de 5,8%.

EDUCAÇÃO FINANCEIRA
Em um cenário de superendividamento, todos os setores são afetados. Mas o varejo tende a ser um grande prejudicado. Isso sem contar o efeito psicológico sobre as famílias e a economia do país.
Precisamos investir na educação financeira dos brasileiros. Muitos são recém-chegados ao mercado de crédito.
Gastar a prazo sem um planejamento provavelmente levará muitas famílias a perder as rédeas da situação.

 


ANÁLISE

Principal questão do cadastro positivo é a da privacidade
Anunciada como mecanismo de facilitação do crédito, medida permite que se saiba mais sobre o consumidor

MARIA ELISA NOVAIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é de hoje que a polêmica sobre o cadastro positivo permeia a opinião pública. A medida é anunciada como mecanismo de facilitação do crédito ao consumidor, inclusive com a tão almejada redução de juros, ainda que nos países que a adotem essa justificativa não seja apresentada e o reflexo na taxa de juros não se mostre significativo a ponto de motivar a sua adoção.
O fato é que a pretensão com o cadastro positivo não é outra senão saber mais sobre os hábitos dos consumidores. É ter informação sobre a nossa vida econômica, financeira e social, sem qualquer contrapartida.
O interessante é que há muitos anos os consumidores lutam pelo nível mínimo de informação exigida das empresas pelo Código de Defesa do Consumidor, em especial no setor financeiro, com pouco sucesso.
Agora, numa única cartada, elas poderão ter todas as informações a nosso respeito, compartilhá-las e avaliar o grau de confiabilidade em relação à nossa capacidade de adimplir crédito em determinado prazo.
Ainda não aprovada a regulamentação, grandes e conhecidos bancos de dados já não se constrangem em ofertar às empresas análises de crédito de seus clientes, atribuindo-lhes uma nota, cruzando e ponderando informações que nos deixam perplexos por não sabermos como tais dados chegaram ao conhecimento de uma ou outra empresa.
Quem nunca se surpreendeu ao receber diversas formas de publicidade de empresas com as quais nunca mantiveram contato?
Essa é a principal questão: a violação da privacidade. As disposições do PLC 85/2009 têm grande potencial de ferir direitos da personalidade e a garantia da dignidade do consumidor, porque ele fica sem controle sobre os dados que são passados, a quem são e com qual finalidade.
Além disso, o cadastro positivo causa falta de isonomia até mesmo entre os "bons pagadores". Ainda que raro, há aqueles consumidores que não se valem de qualquer forma de crédito, nem utilizam outra forma de pagamento senão em dinheiro, porém não deixam de ser bons pagadores. Como serão avaliados como tal?
O cadastro positivo merece uma análise mais detida, sob pena de trazer privilégios apenas para um setor específico em detrimento de toda a sociedade. Quando olhamos mais de perto para o PL 85, o adágio "parece mais não é" ganha peculiar sentido.

MARIA ELISA NOVAIS, mestranda em Direito Processual Civil pela USP, é gerente jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

SAIBA MAIS

Cadastro registra bons pagadores

O projeto de lei sobre o cadastro positivo foi apresentado pela primeira vez no Senado em 2004. A ideia do banco de dados é agrupar informações sobre o pagamento sem atraso de faturas -como contas de consumo, financiamentos e cartão de crédito.

Assim, haveria registro dos "bons pagadores" e não apenas dos inadimplentes, como há hoje.

O projeto foi enviado à Câmara, voltou ao Senado e ganhou emendas, como a da obrigatoriedade de os consumidores autorizarem informações do histórico de crédito.

Vinicius Zwarg, advogado do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, diz que uma questão crucial segue sem solução.

"Falta uma legislação sobre como proteger os dados do consumidor e como punir quem utiliza essas informações de forma indevida, por exemplo vendendo a uma empresa."

"O cadastro é importante em um cenário de concessão de crédito, mas é preciso definir responsabilidades pelo uso desse banco de informações."

O advogado diz que uma das propostas dos órgãos de defesa do consumidor é que haja a possibilidade de saída das pessoas do novo cadastro.
(CM)

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