Na década de 60, a “Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga” – como era denominada à época a NTC & Logística – lutou muito para que o setor de transporte tivesse um seguro que cobrisse os principais riscos inerentes às suas operação, que eram, então, os decorrentes de colisão, tombamento, capotagem, incêndio etc. Esta solução veio através do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que, no âmbito de uma ampla regulamentação do mercado segurador, entre inúmeras outras inovações, criou o RCTR-C, seguro de contratação obrigatória pelo transportador.
Ao longo do tempo, o transportador rodoviário de cargas passou a ser forçado por grandes embarcadores a aceitar seguros estipulados pelos mesmos, com regras muitas vezes sem a mínima condição de serem cumpridas.
Mais recentemente, a Lei 11.442, de 05/01/07, trouxe a possibilidade de o embarcador fazer o seguro por conta dele, porém isentando totalmente o transportador de qualquer responsabilidade por danos que venham a ocorrer na viagem contratada. É bem verdade que, a mesma lei, no parágrafo único do seu art. 13, diz que “as condições do seguro de transporte rodoviário de cargas obedecerão à legislação em vigor”, o que significa que ela não pretendeu revogar o Decreto-Lei nº 73/66, na parte em que criou o seguro obrigatório do transportador (RCTR-C).
Para esclarecer o tema, a Superintendência de Seguros Privados – Susep emitiu um comunicado ao mercado segurador (Carta-Circular nº 02/2015/SUSEP/DIRAT/CGPRO), que informa, em última análise:
• Que a dispensa de direito de regresso (DDR) não pode isentar a contratação do seguro RCTC-C por parte do transportador rodoviário de carga.
• Que o embarcador não pode contratar o RCTR-C em seu nome, substituindo o transportador. Ele pode ser estipulante do seguro, contratando-o no lugar daquele. Entretanto, o segurado será sempre o transportador.
• Que a apólice estipulada deve ser individual, para um único transportador e, caso este já tenha outro seguro de RCTR-C, isso deve ser mencionado explicitamente no ato da estipulação.
• Que o seguro de transporte nacional (TN), eventualmente contratado pelo embarcador,não substitui o RCTR-C do transportador, já que, neste, o segurado será sempre uma empresa de transporte rodoviário de cargas devidamente habilitada e com registro perante a ANTT (no RNTRC). “São seguros distintos, sendo o RCTR-C obrigatório em qualquer circunstância”, afirma textualmente a SUSEP.
• Que “a proposta do seguro de RCTC-C, no caso de apólice estipulada pelo embarcador, em nome da empresa de transporte rodoviário de carga, deve necessariamente ser assinada pelo segurado transportador, ou pelo representante legal deste, ou ainda pelo corretor do segurado”, acrescentando ainda que, nesta hipótese, não pode haver tratamento diferenciado quanto às averbações.
Conclui-se, assim, que a carta de DDR não pode ter como objeto os riscos cobertos pelo RCTR-C. Portanto, deve referir-se principalmente aos que dizem respeito a desvios de carga, cobertos pelo RCF-DC. Mas, este seguro facultativo, pelas próprias normas da Susep, está atrelado ao seguro obrigatório, já que somente o transportador que tiver o RCTR-C pode contratar o RCF-DC. Bastaria, a meu ver, que a Susep reconhecesse isso – ou, melhor ainda, que uma nova legislação reunisse ambos os seguros num só, obrigatório – para que a DDR perdesse o sentido e desaparecesse.
A parte mais importante na elaboração de uma apólice de seguros é, sem dúvida, a proposta de seguros, preparada a partir do questionário que o corretor faz junto ao transportador para que, com esses dados, possa apresentar à Cia. Seguradora um perfil do risco, em face das particularidades de cada empresa transportadora, o que é fundamental para o estabelecimento das condições de segurança. Além disso, é claro, as taxas variarão em função da experiência de cada empresa (sinistralidade) e do seu volume de averbações.
Alguns transportadores hoje têm suas apólices de RCTR-C estipuladas pelo embarcador e com as averbações feitas por este, o que parece configurar uma violação às instruções veiculadas pela Susep. De todo modo, não há dúvida de que a melhor forma de averbação é aquela feita pelo transportador, que é o detentor da apólice mesmo quando ela é estipulada pelo embarcador, sabendo-se, ainda, da necessidade de o pagamento desta despesa ser feito também pelo CNPJ do transportador, haja vista a escrituração contábil da mesma e a comprovação de seu efetivo pagamento.
O mercado segurador deveria ter uma percepção melhor do seu ganho quando a averbação é feita pelo transportador, que está no controle direto das operações e, portanto, em contato com os diversos tipos de cargas, de veículos, de estiva, de embalagens, de rodovias, entre outras variáveis. Aliás, é exatamente por isso que o RCTR-C – e todo e qualquer seguro relativo às operações de transporte – não pode e não deve ser contratado por ninguém mais que não seja o próprio transportador, que é quem conhece o seu próprio risco e tem a expertise do negócio. Uma apólice mal contratada pode levar à negativa de cobertura securitária a determinado sinistro, ameaçando até mesmo a estabilidade econômico-financeira da empresa de transporte. Além do mais, quando se tem várias apólices, com políticas diferenciadas de gerenciamento de riscos, há um forte comprometimento da produtividade das operações e um agravamento sensível dos custos com pessoal, equipamentos, tecnologia etc.
Portanto, todo o nosso esforço deve ser no sentido de que o mercado absorva e pratique o que diz a lei e os regulamentos existentes sobre o assunto, isto é, que somente transportador regularmente habilitado e registrado no RNTRC, através do seu CNPJ raiz, pode contratar o RCTR-C. E que somente uma apólice deste seguro pode ser emitida por CNPJ.
Além disso, a NTC & Logística, sempre com o apoio da seção de cargas da CNT, deve continuar lutando para que a Susep não permita distorções quanto a estes princípios e, principalmente, que se obtenha – seja pela via do órgão regulador, seja mesmo através de uma nova legislação –, a extinção definitiva das malfadadas cartas de DDR, que foram concebidas para que a seguradora não pudesse cobrar do transportador o ressarcimento por indenizações pagas ao seu cliente embarcador, mas que acabaram por se transformar numa armadilha perigosíssima, que ameaça a sobrevivência de muitas empresas de transporte, por força das distorções que foram sendo introduzidas no dia a dia do mercado.
Difícil de entender? Pois é, tudo isso poderá ficar muito mais claro, dando nitidez aos riscos e custos envolvidos, quando o transportador rodoviário de cargas voltar a ter sob o seu comando a apólice de seguros que ele mesmo contratar e, por consequência, a política de gerenciamento de riscos,livremente negociada entre ele e a sua seguradora. Ele não precisa ser tutelado por ninguém no cumprimento do seu compromisso mais elementar, que é o de garantir a segurança e a incolumidade das cargas que lhe são confiadas para transporte.
*Marcelo Rodrigues é gestor e empresário no setor de transporte rodoviário de cargas a 23 anos