Apesar de serem estados vizinhos, quando o assunto é roubo de cargas, Espírito Santo e Rio de Janeiro vivem em mundos completamente distintos. Enquanto no Estado capixaba, o número de ocorrências sendo quase insignificante – ao longo deste ano, foram 11 –, “logo ali do lado” a situação continua grave. Até 31 de outubro, segundo dados da Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas do Rio (DFRC), foram 6.272 casos. No entanto, apesar dos números tão altos, eles estão em declínio. Ao longo de 2018, foram registrados 22.183 roubos de carga, três mil a menos que em 2017. E este ano a história se repete – já são 1.323 casos a menos que ano passado.
Esses dados, números e realidade foram expostos pelo delegado de roubo de cargas do Rio, Henrique Damasceno, convidado especial da reunião do Grupo de Trabalho de Estudos Prevenção e Combate ao Roubo de Cargas, da secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). O encontro, que acontece bimestralmente, foi especial nesta última edição do ano. Ao invés de ser realizada na sede da Sesp, como de costume, atravessou a Segunda Ponte e foi parar no Transcares, em Jardim América, Cariacica.
E reuniu, além do subsecretário de Estado de Integração Institucional, Guilherme Pacífico, coordenador do grupo, o superintendente do Transcares, Mario Natali, representante da entidade no GT, e o diretor-financeiro do sindicato, Luiz Alberto Teixeira, representante do presidente, Marcos Furtunato, o superintendente regional da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Amarílio Boni, o Gerente Técnico e de Risco da Pamcary, uma das empresas mantenedoras do Transcares, Marcelo Ferraz, e o major Frederico Ramirez Ambires, subcomandante do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRV), do Rio, representantes da Polícia Civil, BPTrans, Dint, Cimesp, Codesa, secretaria da Estado da Fazenda, agências de Inteligência e da Autotrac e Roadcard – estas últimas também mantenedoras.
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Foto: Transcares
Apresentações
A reunião foi aberta com uma apresentação do Alerta Brasil, o sistema de monitoramento e fiscalização em rodovias federais da PRF, lançado em 2013. Quem falou sobre o assunto foi Amarílio Boni, explicando que o País conta, hoje, com dois mil pontos de captura e identificação de veículos com restrições e ilícitos.
No entanto, a grande novidade levada por Boni ao público de mais de 30 pessoas foi o recém-assinado acordo de cooperação técnica assinado com o governo do Estado que prevê mais câmeras instaladas nas rodovias que cortam o Espírito Santo. Em troca, a PRF vai disponibilizar para o governo as informações levantadas por meio do Alerta Brasil.
O monitoramento e a fiscalização eletrônica das rodovias federais, segundo ele, são associados ao trabalho de análise de inteligência. As abordagens tornam-se mais eficientes e possibilitam melhores resultados no policiamento. “Acreditamos que por meio do sistema teremos resultados positivos no combate à criminalidade”, aposta.
Torre de Operações
A seguir, o Gerente Técnico e de Risco da Pamcary, Marcelo Ferraz, um serviço inovador da empresa para tratar o risco de forma proativa, antecipando as diversas ameaças de uma viagem.
Sua dinâmica de funcionamento é simples. Utilizando a base de sinistros atualizada com dezenas de eventos, diariamente, a Torre consegue prever os riscos de uma viagem e auxiliar a enfrentá-los com inteligência.
“Assim como uma torre de vigia fornece avisos sobre os riscos à frente, a Torre de Operações enviará radares e alertas de riscos que permitam uma atuação proativa da Central. A base dinâmica de Conhecimento de Riscos da Pamcary alimenta e atualiza diariamente este serviço. É a ação preventiva ao embarque para minimizar os riscos durante a viagem, avaliando motorista, rota e mercadoria”, explicou.
O Rio e o roubo de cargas
Delegado na cidade carioca há 12 anos, Henrique Damasceno compartilhou as ações que estão sendo desenvolvidas na cidade e que veem proporcionando queda no número de casos. Ainda assim, nas palavras do próprio delegado, “o índice que ainda temos hoje é um absurdo!”
Definindo o roubo de cargas como um crime que afeta arrecadação do estado e a qualidade de vida das pessoas, Damasceno justificou o crescimento espantoso dessas ocorrências no Rio porque ele “se associou” ao crime organizado.
“Já convivíamos com o roubo de cargas ‘clássico’ e de repente surgiu essa nova modalidade. Tráfico de drogas demanda um grande aporte financeiro, já no roubo de cargas o lucro é de 100%. Ele, então, se espalhou e vulgarizou, todo mundo rouba cargas no Rio”, argumentou ele, citando a capital da cidade, São Gonçalo, em Niterói, e a Baixada Fluminense como os pontos de maior concentração das ocorrências.
O ano de 2017 pode ser considerado um marco na “guerra” da polícia carioca contra o roubo de cargas. Foi o ano da intervenção federal e o montante de casos chegou a 10.600. Foi também, segundo Damasceno, quando a Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas do Rio mudou a forma de atuação.
“Começamos a atuar no entorno das favelas, nos locais por onde os criminosos saíam e voltavam. Ou seja, passamos a mapear o transbordo e a seguir soltávamos a ação repressiva nas comunidades. O que fazemos é gestão de crise. Mas o fato é que fechamos outubro como o 10º mês consecutivo de queda nas ocorrências – estou falando de uma redução superior a 1.300 cargas roubadas”.
O foco do trabalho de sua equipe, completou, também está voltado para atingir as grandes lideranças criminosas. “Essa é uma política que tem dado certo, apesar da polêmica gerada no início, pois nós não recuperamos carga. Mas não sou defensor da política insana, quando há reféns entramos na comunidade”, destacou ele, que, realista, admite que o problema do roubo de cargas “ainda vai demorar para ser resolvido no Rio”. Por outro lado, ele garante que o problema é prioridade do Estado.
Sobre a punição ao receptor de cargas, uma realidade no Estado por meio da Lei 10.638/2017, que versa sobre o combate ao crime de receptação de cargas roubadas ou fruto de estelionato, por estabelecimentos/empresas com inscrição fiscal no ES, Henrique Damasceno destacou que esse tipo de lei não funciona na cidade onde atua porque a própria comunidade é grande mercado consumidor da carga roubada. “Receptação não deixa ninguém preso, isso tira a eficiência da polícia”, opinou.
Cinturão de segurança
Subcomandante do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRV) do Rio, o major Frederico Ramirez Ambires saiu de sua casa na madrugada da terça-feira, 5, às 3 horas da manhã, para garantir a participação no evento. Ele soube da reunião na semana passada, durante o Seminário Raízen Sudeste – Roubos de Cargas, em Mairinque (SP), e achou que seria uma excelente oportunidade de estreitar relação com os capixabas. “Nosso principal objetivo é o combate a roubo de cargas, e consideramos fundamental estarmos junto a outros estados do Sudestes nessas discussões. Somos responsáveis por seis mil quilômetros de malha rodoviária estadual e já conseguimos reduzir em 80% o número de casos”, ressaltou ele, explicando em seguida as ações que estão sendo tomadas. “Estamos formando um cinturão de segurança em torno do Estado para coibir a entrada de armas e drogas. E como os números estão baixando, essa é a certeza que nosso trabalho está dando resultado”.
Coordenador do Grupo de Trabalho, Guilherme Pacífico destacou, ainda, no início da reunião os bons resultados do GT, que têm na integração sua mola mestra, mas falou também “do longo caminho que todos têm pela frente”. E aproveitou para adiantar que o grupo passará a pensar em ações no aeroporto e portos, atacando-os com ações específicas voltadas ao enfrentamento deste tipo de crime.
No final do encontro, o diretor Luiz Alberto Teixeira falou do orgulho de fazer parte de um trabalho de tanto sucesso, mas deixou uma reflexão. “Hoje somos exemplo, mas trata-se de um bom exemplo que precisa ser muito bem cuidado”.