Rotas alternativas

Publicado em
01 de Agosto de 2013
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Estabelecer operações logísticas eficientes nas grandes cidades brasileiras se tornou um enorme desafio. Em cinco anos - entre abril de 2008 e o mesmo mês de 2013 - a frota brasileira cresceu quase 80%, saltando de 51,2 milhões para 77,8 milhões de veículos, dos quais 43,5 milhões de automóveis, 17,3 milhões de motos e 2,4 milhões de caminhões. No total, as 12 maiores metrópoles brasileiras concentram mais de 40% da frota. Em São Paulo, onde circulam 7,4 milhões de veículos, a maioria das vias, que somam 17 mil quilômetros, foi traçada nos anos 70 ou 80, quando a frota da cidade não chegava a 2 milhões de veículos. No horário de rush, a velocidade média na capital paulista dificilmente supera 15 km por hora..

Fernando Simões, da JSL: "Parte do trânsito é formada por caminhões que fazem entregas com 65% de ocupação"

"Somos obrigados a reinventar a operação constantemente", diz Marcio Rosa e Silva, gerente de trade marketing da Souza Cruz, companhia que chega diariamente a 300 mil pontos de varejo. Para atender à clientela, são necessários 3.300 funcionários nas ruas, em 2.690 veículos. Nas grandes cidades, diz Silva, há cinco anos um vendedor fazia 53 visitas por dia, mesmo número de pontos abastecidos pelos caminhões da empresa. Hoje um vendedor faz no máximo 47 visitas e um caminhão, 45 entregas. Não é só a morosidade do trânsito que atrapalha, mas a dificuldade de estacionar perto do ponto de entrega.

Para reduzir o impacto da queda de produtividade logística em seus custos, a Souza Cruz adotou uma série de estratégias de vendas e distribuição. Hoje 1/3 das vendas ao varejo é feito por telefone e, nas zonas centrais dos grandes centros urbanos, o vendedor vai até o comércio a pé. As visitas de carro ou moto ficaram restritas às áreas periféricas das cidades. Novos modelos de entregas também passaram a ser empregados.

A primeira mudança, implementada há quatro anos no Rio e já estendida a outras quatro capitais, foi a contratação de um auxiliar para o motorista. O carro, que antes parava em frente ao ponto de revenda, agora é estacionado nas imediações, e tanto o motorista quanto seu auxiliar atendem a pé uma microregião. "Com esse sistema, estamos fazendo 82 entregas diárias por veículo."

Outra iniciativa, adotada inicialmente em Fortaleza no ano passado, foi trocar carros por motos para a entrega de pequenos volumes em áreas de difícil acesso. Estendida para o resto do país, a meta é chegar a 50 mil motos operando antes do final do ano. Em Curitiba, a companhia testa um modelo onde o entregador, a pé, conduz um reboque elétrico carregado de mercadorias. "É um sucesso e vamos levar a estratégia para outros centros urbanos onde há restrições ao trânsito de veículos de carga", diz Silva.

A DHL opera nas principais cidades de 220 países, e em todas elas faz uma revisão periódica das rotas de seus couriers com o auxílio de um software que analisa, entre outras referências, mudanças nas condições de tráfego e as opções disponíveis. Mirele Maustschke, diretora de operações no Brasil, diz que em grandes cidades da Europa e da América do Norte, essa revisão é feita a cada dois anos, aproximadamente. Nas grandes cidades brasileiras são feitas duas vezes por ano, e em São Paulo, três.

Há um ano a companhia passou a testar em alguns países um sistema de monitoramento dos couriers por GPS, com o objetivo de ampliar a segurança da operação. Um dos primeiros países a testar foi o Brasil, mas aqui o GPS ganhou nova função. "Fazemos o acompanhamento em tempo real das condições de trânsito. Quando detectamos problemas informamos imediatamente os demais couriers, para que eles evitem certas regiões, e, se for o caso, deslocamos outro courier para auxiliar aquele em dificuldade", diz Mirele. A inovação brasileira agora deve ser exportada para outras operações em centros urbanos congestionados.

O monitoramento on-line é peça chave na estratégia da Cargolift, companhia que faz a logística de peças e componentes utilizadas nas fábricas de algumas das principais montadoras instaladas no país, como GM, Fiat, Scania, Volvo, Nissan, Renault e Caterpillar. São 22 mil operações de entregas por mês por meio do sistema "milk run", pelo qual tanto a coleta de componentes nos fornecedores quanto a entrega nas montadoras segue planejamento rígido- falhas podem prejudicar todo o processo produtivo.

As 495 carretas da Cargolift são carregadas em 470 pontos diferentes e realizam entregas em 25 outros destinos. A ideia é que as entregas ocorram em uma janela de 15 minutos antes ou depois da hora planejada. A tolerância máxima é de uma hora. Após esse limite, a multa é de US$ 500,00 por minuto, a não ser em caso de força maior, como uma enchente no trajeto ou uma manifestação que interrompa o trânsito. "Em 19 anos, não levamos uma única multa", diz o presidente da empresa Markenson Marques.

Para manter a regularidade na entrega, a Cargolift conta com um software de gestão de rotas abastecido de informações em tempo real. Os caminhões são rastreados via GPS e os caminhoneiros são incentivados, por meio de premiações, a relatar qualquer alteração nas condições de tráfego. Detectado o entrave o software traça nova rota para as carretas eventualmente afetadas. Os clientes ainda podem acompanhar a situação dos caminhões por meio de um monitor, reajustando a produção, caso seja necessário.

Soluções aparentemente simples também têm seu mérito. Há um ano, a Wickbold contava com uma frota própria de 150 caminhões para entregar 120 mil unidades de pães e bolos por dia em 408 pontos de vendas no Estado do Rio de Janeiro, quando terceirizou a operação para a empresa de logística JSL, que hoje realiza a mesma tarefa com 70 veículos, apenas com a reestruturação das rotas e a adoção de dois turnos de motoristas para cada caminhão, o que gerou uma redução de 10% no custo logístico.

Outra estratégia adotada pela JSL é o compartilhamento da carga. Em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, a companhia opera um centro logístico onde recebe carretas com as mercadorias de clientes como Unilever, Kraft, Mondelez e Reckitt Benckiser, que são transferidas para veículos de menor porte, que se encarregarão da distribuição na região metropolitana. A ocupação do veículo não é determinada pelo cliente, mas pela rota a ser seguida, podendo levar produtos de diversos fornecedores para abastecer os mercados de uma determinada região. "Uma parte significativa do trânsito de caminhões nas grandes cidades é formada por veículos que saem para fazer entregas com 65%, 70% de ocupação. Uma melhor ocupação reduz custos e alivia o trânsito", diz Fernando Simões, presidente da JSL.

Ineficiência na entrega aumenta os níveis de estoque

Excesso de veículos circulando em uma infraestrutura urbana defasada não gera apenas maior morosidade nas entregas, resulta também em imprevisibilidade. O consultor Edson Carillo, vice-presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), diz que as incertezas logísticas fazem com que as empresas brasileiras operem com níveis de estoques maiores do que as suas concorrentes em países com boa infraestrutura. Enquanto no Brasil o estoque médio é de 30 dias, nos Estados Unidos é de 10. A imprevisibilidade também requer uma frota maior, para evitar que a mercadoria retorne ao centro de distribuição por não conseguir chegar a tempo ao cliente. "A infraestrutura inadequada amplia em 40% os custos logísticos brasileiros", diz.

Para Carillo, a situação se torna ainda mais complicada na medida em que os governos não investem na mobilidade urbana, preferindo adotar políticas restritivas de circulação, como o rodízio de placas, ou a proibição de tráfego de caminhões em determinados horários ou regiões, práticas adotadas em cidades como São Paulo, Rio e Belo Horizonte. "São medidas paliativas, que, num primeiro momento, fazem sentido para o cidadão, mas geram maiores custos logísticos e produtos mais caros", afirma.

Luiz Lissoni, vice-presidente de supply chain da BRF, dona das marcas Perdigão, Sadia, Batavo e Elegê e Qualy, diz que a política de restrições de tráfego nos centros urbanos levou a companhia a trocar sua frota. Em média, cada caminhão de grande porte foi substituído por dois menores, o que demandou mais mão de obra e ampliou custos fixos e variáveis na distribuição. Ele avalia que não houve benefício para os clientes, uma vez que o trânsito continua caótico e a velocidade média dos caminhões não chega a 20 km por hora. A companhia, mesmo contando com centros de armazenagem de produtos refrigerados em Embu (na Região Metropolitana) e Jundiaí (a 60 km da capital), leva duas horas apenas para realizar a primeira entrega diária de mercadorias em um ponto de venda na Grande São Paulo.

Markenson Marques, presidente da Cargolift, responsável pela logística de algumas das maiores montadoras automobilísticas do país, diz que após a cidade de São Paulo, em 2011, restringir o tráfego de caminhões nas marginais, trocou o percurso de seus veículos que realizam a rota Osasco - São Bernardo, deixando de cortar caminho pela cidade, um trajeto de 35 km, para utilizar o Rodoanel, rodando 80 km e pagando pedágio de R$ 6,00 por carreta. "Para o cliente, a mudança representou um frete 65% maior no trajeto", diz.

Alísio Vaz, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes, que representa a BR Distribuidora, Ipiranga, Ale e Raízen, formando 75% do mercado brasileiro, diz que o trânsito nas grandes cidades e as restrições de circulação de caminhões reduziram a produtividade das companhias. Há dez anos, relata, cada caminhão fazia três viagens nos centros urbanos, abastecendo dois ou três postos em cada viagem. Hoje faz apenas uma viagem por dia, o que demandou ampliação de 30% na frota das empresas. Atualmente são 15 mil caminhões que abastecem quase 50 mil pontos em todo o país. "O resultado da menor eficiência é um aumento de 50% no custo do frete."

Ao contrário de outros operadores, Fernando Simões, presidente da JSL, não se opõe às restrições de circulação de caminhões nos grandes centros. Ele defende até mesmo uma expansão da política, com a proibição total de entregas durante o dia. Para ele, as entregas noturnas permitiriam um uso melhor distribuído da infraestrutura urbana e desafogariam o trânsito. Para as empresas, a maior produtividade reduziria o custo das operações logísticas, o que compensaria a necessidade de manter um funcionário noturno para receber a mercadoria ou a instalação de mecanismos de segurança. "O trânsito nas grandes cidades só tende a piorar. A entrega noturna obrigatória seria uma mudança radical, mas de grande impacto. " (DZ)

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