RESTRIÇÕES DE TRÁFEGO EM RODOVIAS CONCEDIDAS: COMPETÊNCIA LEGAL, LIMITES DA ATUAÇÃO DAS CONCESSIONÁRIAS E OS CUSTOS DA INEFICIÊNCIA LOGÍSTICA

Publicado em
19 de Dezembro de 2025
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A Dicotomia entre a Autoridade de Trânsito e a Gestão Concedida

Eng.º João Batista Pinheiro Dominici
Presidente da LOGISPESA – Associação Brasileira de Logística Pesada


1. INTRODUÇÃO

O transporte de cargas indivisíveis e superdimensionadas constitui atividade essencial à implementação de políticas públicas de infraestrutura, energia e desenvolvimento econômico. Trata-se de operação excepcional, cuja viabilidade depende de coordenação técnica, jurídica e institucional entre transportadores, autoridades públicas e concessionárias de rodovias.

Nos últimos anos, contudo, observa-se a ampliação de restrições administrativas impostas por concessionárias, especialmente em períodos festivos, sem o correspondente respaldo em atos formais da autoridade de trânsito competente. Tal prática tem produzido insegurança jurídica, elevação de custos sistêmicos e violação indireta a princípios estruturantes do Direito Administrativo.


2. COMPETÊNCIA LEGAL PARA RESTRIÇÃO DE TRÁFEGO

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) estabelece, de forma expressa, que a competência para autorizar ou restringir o trânsito de veículos especiais é da autoridade com circunscrição sobre a via.

O art. 101 do CTB dispõe que a circulação de veículos que excedam limites regulamentares depende de Autorização Especial de Trânsito (AET), expedida pela autoridade competente. Já o art. 21, incisos I, VI e VIII, atribui aos órgãos executivos rodoviários da União e dos Estados a responsabilidade pela regulamentação, operação e fiscalização do trânsito nas respectivas rodovias.

Nas rodovias federais, essa competência recai sobre o DNIT, cabendo à Polícia Rodoviária Federal, nos termos do art. 20 do CTB, a fiscalização ostensiva e a preservação da segurança viária.

A Resolução DNIT nº 11/2022 reforça esse arcabouço ao disciplinar a AET como instrumento jurídico central da autorização, limitando a atuação das concessionárias à análise técnica de viabilidade, sem lhes atribuir poder decisório final ou normativo.


3. LIMITES JURÍDICOS DA ATUAÇÃO DAS CONCESSIONÁRIAS

Concessionárias de rodovias são delegatárias de serviço público, submetidas ao regime jurídico-administrativo. Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, o concessionário:

“não exerce poder público próprio, mas apenas prerrogativas expressamente delegadas, nos limites estritos do contrato e da lei.”
(Curso de Direito Administrativo, Malheiros)

Nesse sentido, a imposição de restrições gerais de tráfego, desvinculadas de ato formal da autoridade de trânsito, configura extrapolação de competência e afronta ao princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da Constituição Federal).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao reconhecer que concessionárias não podem inovar no ordenamento jurídico, tampouco criar obrigações ou restrições não previstas em lei ou ato da autoridade competente, sob pena de nulidade do ato administrativo por desvio de finalidade.


4. PORTARIA DER/SP Nº 138/2021 E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

No Estado de São Paulo, a Portaria DER/SP nº 138/2021 prevê a possibilidade de restrições operacionais temporárias à circulação de veículos com AET, especialmente em períodos de tráfego intenso.

Contudo, tais restrições devem observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, consagrados pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que veda medidas administrativas excessivas ou desnecessárias quando existirem meios menos gravosos para atingir a finalidade pública.

Restrições amplas, prolongadas e genéricas, sem análise técnica individualizada, descaracterizam-se como medidas de segurança e passam a configurar ato administrativo desproporcional, passível de controle judicial.


5. O ÔNUS ECONÔMICO E A TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE

A paralisação compulsória de veículos regularmente autorizados gera impactos econômicos diretos e indiretos, enquadráveis na chamada teoria do fato do príncipe, segundo a qual atos estatais lícitos, mas extraordinários, que oneram excessivamente o particular, podem ensejar recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

Embora o CTB trate da responsabilidade solidária por danos à via, não há previsão simétrica de compensação ao transportador por restrições administrativas desprovidas de base técnica ou legal, o que viola o princípio do equilíbrio e da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração.


6. O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A ANTT e a ARTESP, enquanto entes reguladores, possuem competência para:

  • Estabelecer diretrizes gerais;

  • Harmonizar práticas operacionais;

  • Fiscalizar a atuação das concessionárias;

  • Prevenir assimetrias regulatórias que comprometam a livre iniciativa e a eficiência logística.

A omissão regulatória contribui para a consolidação de práticas administrativas disfuncionais e contraditórias, incompatíveis com os princípios da segurança jurídica e da eficiência (art. 37 da CF).


7. CONCLUSÃO

O transporte de cargas indivisíveis não pode ser tratado como exceção inconveniente ao sistema viário. Trata-se de atividade essencial, juridicamente protegida e economicamente estratégica.

Restrições à circulação são legítimas quando fundamentadas em lei, formalizadas pela autoridade competente, tecnicamente justificadas e regulatoriamente supervisionadas. Fora desses parâmetros, configuram abuso regulatório e geram custos sistêmicos incompatíveis com um Estado que se pretende competitivo.

O desafio não é normativo.
É de governança institucional.

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