Reunindo-se no final do ano passado, o Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Operadores Logísticos elaborou um relatório para comentar a situação da logística no Brasil.
A seguir, uma síntese desse relatório que, a partir da descrição resumida do panorama macroeconômico mundial, tece comentários importantes com relação ao Brasil, à sua economia e, em particular, à sua logística.
Comentando e corroborando com alguns dos principais pronunciamentos realizados no último Fórum Econômico Mundial, o Conselho Consultivo da ABOL também concorda com a necessidade de se reverter as diversas reações contrárias à globalização que, disseminadas em várias partes do mundo nos últimos anos, tem levado muitos países a “concentrarem suas políticas em si mesmos” e desenhado cenários diversos daqueles que se vislumbram diante do rápido crescimento da interconexão global atual. Concordando com o mesmo posicionamento da chanceler alemã Angela Merkel, de que “protecionismo não é a resposta”, o relatório apresentado também entende a necessidade de se combater a desigualdade, melhorar a educação em todos os níveis e estabelecer princípios que regulem e normatizem a utilização de dados nas diversas redes de comunicação e conectividade existentes. Combate intransigente à corrupção e ao fluxo ilegal de dinheiro também foram temas comentados e considerados como focos da política mundial com os quais o Conselho está de acordo.
Ao traçar um correto panorama da economia brasileira atual, o relatório é incisivo ao descrever um quadro de extraordinária gravidade e apontar alguns aspectos que, além da séria crise que se instalou nas finanças públicas, dificultarão ainda mais a retomada do crescimento. “A fraqueza do atual governo, a continuidade da Operação Lava Jato e a proximidade das eleições” são, sem dúvida, alguns deles. Ou seja, o Brasil deverá demorar um pouco mais para voltar a ter agendas positivas e discutir e aprovar reformas que, como todos já sabem, são imprescindíveis para a modernização do Estado brasileiro, da Sociedade e do aumento da produtividade das atividades econômicas”.
E se a situação atual não inspira confiança, é de se esperar que empresários, empreendendores, investidores, financiadores e consumidores, desconfiados, não se disponham a empreender, a investir, a financiar ou a consumir, “agravando a situação econômica e postergando o equacionamento daquele que é, se não o maior, um dos maiores problemas que tem o Brasil atualmente: o desemprego de mais de 12 milhões de brasileiros”. Isto estreita o caminho a ser trilhado e diminui as opções, propiciando que surjam aventureiros pródigos na proposição de soluções imediatistas, fáceis e populistas. “Inclusive que afrontem a Constituição, o Estado de Direito e a própria Democracia”, prossegue o relatório.
Comentando agora, especificamente sobre a logística, o relatório alerta para o fato de que “não é mais possível alcançar crescimento e desenvolvimento econômicos sem que se alcance, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da logística”.
É a logística que possibilita um país, seja ele qual for, aumentar sua capacidade de produção e sua produtividade, realizar, de forma eficiente e eficaz, as atividades de comércio exterior e contribuir, de forma efetiva, para a melhoria dos processos de distribuição de renda e de diminuição da desigualdade, posto que serviços e produtos precisam chegar às populações mais carentes e aos lugares mais distantes e difíceis. A logística praticada de forma eficiente e eficaz, e considerada como estratégica por governos e empresários, é um dos caminhos para se combater custos desnecessários e integrar todas as regiões e habitantes aos sistemas de produção e consumo estabelecidos. No campo empresarial é também a logística que aumenta e melhora a força do marketing (produto certo, no lugar certo, na quantidade, momento e preços certos), que viabiliza novos mercados, que diferencia produtos e empresas e integra as atividades de ‘supply-chain’”.
Portanto, se é verdade que o mundo já alcançou o extraordinário número de sete bilhões de pessoas, não é menos verdade que esforços no sentido de viabilizar a produção e a distribuição de bens e serviços, em quantidades cada vez maiores, também constarão das prioridades de governantes e empresários. “E não só para atender aqueles que vêm chegando, mas também, para melhorar o nível e a qualidade de vida de todos que aqui já estão”.
Não há dúvidas, consequentemente, que para um país com as dimensões territoriais do Brasil, a logística é ainda mais fundamental.
Infelizmente, com base em estudos elaborados por Cláudio R. Frischtak e João Mourão, no contexto do projeto “Desafios da Nação”, elaborado para o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas) em agosto do ano passado, a infraestrutura de uma forma geral e de transporte em particular, não tem colaborado para que se pratique uma logística mais eficiente e de menor custo. Pelo contrário, contribui para que os baixos índices de produtividade e de altos custos operacionais sejam mantidos.
Utilizando dados de diversas pesquisas, nacionais e internacionais, o relatório do Conselho Consultivo da ABOL demonstra, de forma clara e inequívoca, que a falta de maiores investimentos na infraestrutura logística tem feito o Brasil se distanciar, cada vez mais, das economias mais desenvolvidas quando se comparam índices de competitividade e desempenho logístico. O Índice de Desempenho em Logística (LPI, sigla em inglês) de 2016, publicado pelo Banco Mundial, comprova essa situação, ao colocar o Brasil na 55ª posição dentre 160 países analisados. O LPI é montado com base na percepção de empresários e executivos entrevistados e os itens analisados, através de médias ponderadas, são: Eficiência do processo de desembaraço; Qualidade do comércio e infraestrutura relacionada com o transporte; Facilidade para contratar o transporte com preços competitivos; Competência e qualidade dos serviços logísticos; Capacidade de rastreabilidade da carga; e Integridade da Programação.
Não é surpresa, portanto, que além de se transformar em um dos maiores componentes do “custo Brasil” e não propiciar, de forma efetiva, os benefícios que dela se espera (competitividade, simplicidade operacional e maior utilização da multimodalidade), a carência logística brasileira gera diversos outros impactos negativos, no comércio, nas exportações e na vida de todos os brasileiros, como confirmam pesquisas da CNI-Confederação Nacional da Indústria (1), da FGV-Fundação Getúlio Vargas (2), da CNT-Confederação Nacional do Transporte (3), do MTPA-Ministério do Transporte, Portos e Aviação Civil e da EPL-Empresa de Planejamento Logístico (4), da NTC&L-Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (5) e do Ministério da Saúde (6).
Em seguida o relatório trata da Logística e a Terceirização. Com necessidade de se integrar as diversas cadeias de abastecimento que compõem o sistema produtivo, a terceirização desses serviços tem se tornado cada vez mais comum. Cadeias de produção mais globais e complexas exigem, constantemente, um conjunto de ações integradas, coordenadas, com desenhos e soluções logísticas mais personalizadas – a clientes, produtos e regiões - e adaptadas às novas realidades.
A “multiplicação dos canais de distribuição e dos requisitos de entrega e distribuição, o comércio eletrônico acelerando e estimulando entregas mais fracionadas, em mercados cada vez mais distantes e complexos, sejam eles de consumidores ou fornecedores, entre empresas ou entre países, fazem parte do cotidiano de todo o profissional de logística” e criado “grandes oportunidades, não só para operadores, mas também para usuários da logística, uma vez que a necessidade de melhorar a logística e o “supply chain”, converteu-se em fator fundamental do sucesso de qualquer empreendimento, privado ou público”.
A logística, além de se buscar soluções mais inteligentes para a diminuição de seus custos, passou a ser discutida sob o ponto de vista estratégico, uma vez que propicia, para empresas e países, vantagens competitivas imprescindíveis. A logística é diferencial mercadológico, pois pelo menos no curtíssimo prazo, o novo modelo logístico implantado não poderá ser copiado ou imitado. “Se a logística já tinha como missão disponibilizar o produto certo, na quantidade certa, no lugar certo, no tempo certo e com o menor custo possível, ela agora está incorporada às estratégias governamentais e empresariais, sendo imprescindível considerá-la quando se elaboram planos de negócios, de crescimento e desenvolvimento econômicos.
Dentro deste contexto, e ao que tudo indica, o posicionamento estratégico que se apresenta mais viável às empresas que buscam se firmar nas atividades logísticas é, pela ordem, posicionar-se de forma diferenciada e estratégica frente aos clientes, reforçar sua marca através de reconhecida capacidade e competência operacionais e oferecer prestação de serviços adaptados às necessidades dos clientes, bastante abrangente e flexível, caracterizando, de fato, a prestação de serviços integrados. E como já salientado, desde que esses operadores tenham funcionários, além de capazes, ligados às mudanças do mercado, da economia e da sociedade, aptos a lidarem com riscos e que saibam agir, quando necessário, de forma rápida e precisa.
Apesar do terrível momento no qual se encontra o Brasil, o relatório do Conselho Consultivo da ABOL reconhece diversos pontos positivos e ressalta a importância, apesar das dificuldades impostas, do que já se fez (ou está sendo feito):
? “Reformas estruturais importantes foram aprovadas ou estão encaminhadas para discussão (PEC do Teto, Reforma Trabalhista, Reforma Previdenciária, Reforma do Ensino Médio e a Lei do Petróleo, por exemplo);
? Reformas microeconômicas, imprescindíveis, também estão em discussão ou em aprovação (de crédito e de infraestrutura são dois exemplos importantes);
? As instituições, apesar de alguns conflitos e de ‘forças contrárias’, estão resistindo, funcionando de forma satisfatória e cumprindo seus papéis institucionais, inclusive no combate à corrupção;
? Os assuntos políticos, e mesmo econômicos, estão sendo discutidos à exaustão, não só nos meios de comunicação, mas também por grande parte da população brasileira, que se acostumou com esse tipo de noticiário. É possível que o brasileiro comece a aprender com os erros cometidos;
? O Brasil mantem sua importância no contexto mundial e, apesar das más notícias, algumas até vexatórias, tem mostrado que está buscando, mesmo parcialmente, mas de forma transparente, tomar as providências que se fazem necessárias;
? A inflação foi vencida e o câmbio e a taxa de juros estão sob controle
? A Balança Comercial continua gerando resultados positivos e as reservas brasileiras, em 2017, alcançaram US$ 374 bilhões (em 2003 eram US$ 50 bilhões);
? O setor agrícola continua tendo resultados cada vez melhores, não só
em produtividade (aumento mais de 80% em 20 anos) mas também no total produzido. Em 2017 serão produzidas mais de 238 milhões de toneladas de grãos – recorde histórico - com produtividade próxima de 3,9 toneladas por hectare. Em 1997, para a produção de 74,8 milhões de toneladas de grãos, foram utilizados 34,5 milhões de hectares, ou seja, 2,17 toneladas por hectare;
? A crença no mercado brasileiro continua existindo e a entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos tem sido satisfatória;
? A OMC (Organização Mundial do Comércio) já reconhece o Brasil como o País, entre os maiores do mundo e desde outubro de 2016, que mais tem adotado medidas para facilitar o comércio com o exterior e facilitar o comércio internacional. Medidas que reduzem tarifas de importação e desburocratizam o fluxo comercial com países estrangeiros estão sendo tomadas;
? A estabilidade está sendo mantida e a recuperação da economia, mesmo que de forma lenta, está sendo obtida. Longe ainda do que se precisa, o ano de 2017 foi bem melhor do que o ano anterior e 2018 inicia com boas perspectivas. apresentam números promissores”.
E prossegue o relatório: mesmo considerando as atuais circunstâncias e a possibilidade concreta de alguma piora (mas sem que se chegue ao caos completo), que é fundamental:
? “Não acreditar que tudo está errado e que tudo precisa ser mudado;
? Diante da falta de líderes e de forças políticas confiáveis, tomar cuidado com o radicalismo, o populismo e a resolução fácil de problemas complexos;
? Buscar políticos, e eventualmente candidatos, que se comprometam a manter os ajustes e as reformas imprescindíveis – mesmo que dolorosas – que tenham o objetivo de estabelecer bases para a melhora das condições políticas, sociais e econômicas nacionais;
? Mesmo que o foco ainda seja econômico, adotar políticas sociais sérias e voltadas ao desenvolvimento das pessoas, notadamente na Educação, na Saúde e na Segurança Pública;
? Adotar medidas que resgatem, na Política, na Economia, na Administração Pública e nos Negócios, a Moral e a Ética;
? Rediscutir o que queremos do Estado, ou melhor, que Estado queremos. Enfrentar um patrimonialismo pernicioso e que tanto tem caracterizado o Estado brasileiro;
? Promover profundas reformas na Política e nos Sistemas Partidário e Eleitoral. Mesmo que não seja possível para as eleições, é preciso tê-las na agenda;
? Ter coragem para desenvolver um programa efetivo e permanente de informações no qual seja desmonstrado, com clareza e realismo, o tamanho e a gravidade da crise atual. Não há outra forma, pelo menos Democrática, de comprometer e envolver a maioria da população, dos empresários e da sociedade civil, na construção desse processo reformador. Sem medo, é preciso fazer o quê precisa ser feito”.
E conclui o relatório confirmando que a solução para a crise econômica instalada no Brasil passa pelo equilíbrio das contas públicas, a aprovação de um conjunto significativo de reformas e a retomada dos investimentos, notadamente aqueles voltados à infraestrutura, mas com decisiva e significativa participação do setor privado, sendo imprescindível, portanto, que se resgatem a confiança e a credibilidade deste País, seja lá qual for o governo. De fato, uma agenda fundamental para qualquer governo de plantão”.
(1) “Estudo de Impacto da Facilitação de Comércio para a Indústria de Transformação no Brasil” – 2013. Os atrasos nos processos aduaneiros, relativos às importações, geram, em média, custos adicionais equivalentes a 14,2% nos preços dos produtos importados. Apenas para que se tenha uma ideia, as tarifas de importação representam, na média, adicionam 7,8%. Para o mesmo período esses impactos nas exportações representam acréscimo de 13,04%.
Outro estudo, também feito pela CNI, dá conta que a baixa competitividade do Brasil, nas exportações para toda a América do Sul, com exceção do Equador e da Bolívia, é responsável por um desempenho extremamente negativo, fazendo com que o País, considerando as variáveis distância e tamanho dos mercados, não explore seus verdadeiros potenciais. Ou seja, poderia ter sido exportado muito mais do que foi. Em 2014, por exemplo, só com a Argentina poderíamos ter vendido 7,5% adicionais. Em 2015 as exportações para a América do Sul representaram cerca de 16% do total exportado pelo Brasil;
(2) “Desafios à competitividade das exportações brasileiras” – 2016. Estudo indica que o maior entrave para as exportações é o custo do transporte (nota 3,61 num total de 5). Baixa disponibilidade e ineficiência dos portos (nota 2,53), situação das rodovias (2,46), baixa oferta de operadores logísticos e transportadoras (2,18), baixa oferta de terminais intermodais (2,08), baixa disponibilidade e ineficiência dos portos secos (2,03), baixa disponibilidade e ineficiência dos aeroportos (1,99), baixa oferta de hidrovias e portos fluviais (1,85) e situação das ferrovias (1,75), são outros “entraves”. Problemas institucionais e legais (2,72) e burocracia alfandegária e aduaneira (2,54) são outros itens também ‘cotados’;
(3) Cálculos da Confederação Nacional dos Transportes (“Pesquisa CNT Rodovias 2016”) indicam que a má qualidade das rodovias brasileiras geram gastos adicionais médios de 24,9% com combustível, pneus e manutenção;
(4) Excesso de acidentes, posto que em 2016, de acordo com estudo do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA) e da Empresa de Planejamento Logístico (EPL), somente nas rodovias federais, houve 97,4 mil ocorrências (99% somente no transporte de cargas), com prejuízos estimados em quase R$ 11 bilhões;
(5) Alto índice no roubo de cargas (NTC&L, relatório de 2016), uma vez que foram subtraídos, nas mais de 19 mil ocorrências, R$ 1,12 bilhão;
(6) Segundo dados do Ministério da Saúde e da DATASUS, o número de vítimas nas estradas tem aumentado de forma significativa. Só em 2015 foram 37.306 óbitos e 204.000 feridos hospitalizados.