Quer pagar quanto?

Publicado em
22 de Setembro de 2014
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A insegurança jurídica é um dos argumentos mais utilizados pelos empresários para justificar a escassez de investimentos no Brasil. Da mudança de regras no setor de energia aos nebulosos critérios do Ibama para conceder licenças ambientais, são inúmeros os exemplos de questões mal conduzidas pelo poder público, que invariavelmente acabam sendo questionadas na Justiça. O clima de instabilidade, no entanto, não é uma exclusividade da União. Governos de todas as esferas dão a sua colaboração nessa área.

Em São Paulo, do governador Geraldo Alckmin (PSDB), as transportadoras sofrem com o vaivém nas tarifas de pedágio em meio a uma guerra de liminares entre o governo estadual e as concessionárias das rodovias, que discordam do reajuste autorizado em junho. Desde então, dez das 19 operadoras acionaram o Judiciário para exigir um índice maior e três optaram por questionar o assunto no âmbito administrativo (leia quadro na pág. 42). A confusão, pelo visto, está longe de acabar, pois os recursos avançam nas instâncias superiores do Judiciário, contribuindo para estender o cenário de incertezas às empresas.

Osni Roman, presidente da Coopercarga, dona de uma frota de quase dois mil caminhões, diz que o impasse precisa ser resolvido até novembro, para que a elaboração das planilhas das tarifas que serão cobradas de seus clientes, em 2015, não seja comprometida. O grupo já contabiliza perdas com as constantes mudanças promovidas neste ano. “O processo não é tão rápido quanto parece”, afirma Roman. “Levamos alguns dias até ajustar as novas tarifas para o cliente. Nesse período, nós bancamos tudo.” Num dos episódios mais recentes, o Tribunal de Justiça autorizou a concessionária ViaOeste a aumentar para R$ 7,20 o valor a ser cobrado no pedágio em uma das praças da rodovia Castelo Branco, onde antes do reajuste eram cobrados R$ 6,60.

Dois dias depois, a operadora foi obrigada a reduzir a tarifa para R$ 7,00, pela Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp), no anúncio de junho. “Esse vaivém complica, porque não sabemos qual valor encontraremos no dia seguinte”, afirma Manoel Sousa, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo (Setcesp). “Isso desgasta a relação entre transportador e cliente, pois a cada dia temos de rever um ponto.” Até agora, a Artesp conseguiu confirmar seus argumentos em quase todos os processos. A exceção ocorreu na disputa com a Autoban, responsável pelas rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que ligam a capital paulista ao noroeste do Estado.

A concessionária cobra hoje tarifas 7,83% maiores do que antes do reajuste, enquanto a agência reguladora havia autorizado uma alta de 5,38%. Por semanas, as placas nas praças de pedágio ao longo das duas estradas não exibiram os valores. As cabines até hoje trazem um aviso aos motoristas, comunicando a decisão judicial que garantiu a cobrança pelo percentual pedido e orientando os usuários a guardar os comprovantes para eventual ressarcimento em caso de reviravolta. Embora tenha chegado aos tribunais apenas em 2014, a novela dos reajustes se estende desde 2013, quando o governo paulista decidiu congelar os aumentos em resposta à onda de manifestações que tomou as ruas da capital.

As medidas de compensação pelo congelamento incluíram o início da cobrança pelos eixos suspensos de caminhões – que não tocam o chão quando o veículo está vazio. A Artesp concluiu que a compensação do ano passado acabou gerando uma receita maior do que a prevista às operadoras e resolveu aplicar um desconto no reajuste de 2014. “Para decretarmos o aumento, nós levamos em consideração o perfil de cada concessionária e verificamos como poderíamos fazer o reequilíbrio”, afirma Karla Bertocco, diretora-geral da agência. Os cálculos fixaram o reajuste em 5,29%, na média.

As concessionárias exigem a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o período, de 6,37%. As empresas consideraram a decisão unilateral e a classificaram de quebra de contrato. “A medida não possui respaldo legal e pode colocar em risco a credibilidade do Programa de Concessão do Estado”, afirma a Associação Brasileira de Concessioná­rias de Rodovias (ABCR), em nota. Para Cecílio Pires, professor de direito administrativo da Universidade Mackenzie, os termos dos reajustes foram acordados na assinatura do contrato de licitação e, por isso, não deveriam ser alterados.

“O poder público não pode obrigar as concessionárias a aceitar uma tarifa menor”, afirma Pires. “A partir do momento em que o acordo de 2013 expirou, o governo teria de seguir o contrato”. Segundo o professor, caso quisesse manter os reajustes abaixo do índice contratual, o governo teria de adotar uma nova compensação. O caso é ainda mais sensível para as concessionárias de capital aberto, cujas ações costumam variar a cada nova liminar. No episódio da Castelo Branco, por exemplo, as ações da CCR, grupo controlador, subiram mais de 3% com a vitória e caíram 2% após a derrota para o Estado. Para as transportadoras, compensações como as de 2013 são medidas controversas.

A extensão da cobrança pelos eixos suspensos aumentou em 33% o gasto da Coopercarga com pedágios, um custo difícil de ser repassado, lembra Roman. “Somos a favor de que todos paguem o pedágio, mas está cada vez mais caro”, afirma Sousa, do Setcesp. O “branco” nos pedágios é mais um dos episódios de conflito na relação entre governos e empresas, assim como viveram os setores elétrico e de telefonia nos últimos anos. Uma prova de que a insegurança jurídica aumentou depois que políticos tentaram responder ao clamor das manifestações que levaram milhões de brasileiros às ruas em 2013.

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