Quem tem interesse no eminente colapso da logística do país? Por Mauro Roberto Schlüter*

Publicado em
10 de Setembro de 2012
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Poucos se deram conta das consequências que podem acontecer pela implantação da nova regulamentação de jornada de trabalho dos caminhoneiros autônomos: vai faltar motorista.

É inegável que boa parte dos motoristas, seja autônomo ou com vínculo empregatício junto às transportadoras, quando em viagens de longo curso excedem a jornada de trabalho.

A extrapolação da jornada de trabalho acontece por três motivos: a primeira é a busca por maior rendimento do trabalho; a segunda em razão da falta de local para descanso (a principal alegação dos caminhoneiros autônomos); a terceira é ocasionada por contingências do embarcador (de raro evento).

Das três a mais empregada refere-se ao aumento de rendimento do trabalho e isto significa que a entrada em vigor da nova regra de jornada de trabalho vai reduzir o faturamento de grande parte dos caminhoneiros autônomos e salário de produtividade dos motoristas de transportadoras.

A implantação das novas regras de jornada de trabalho dos motoristas de caminhões é necessária, mas como ocorre em todos os sistemas, há que se ponderar sobre os impactos que isto trará para as outras partes do sistema logístico do país.

Se hoje o trabalho com excesso de jornada é cumprido sem grandes folgas na frota nacional do modal rodoviário, com a restrição da jornada haverá menos disponibilidade de veículos.

Se todos os motoristas excedessem somente 2 horas de trabalho por dia (o que convenhamos, é pura ficção), teríamos cerca de 25% a mais de disponibilidade de deslocamento de cargas sobre as 8 horas diárias. Mas se esta disponibilidade de deslocamento for extirpada pelas novas regras, haverá redução da capacidade dinâmica de transporte das cargas.

Resumindo: não teremos condições de transportar tudo o que é produzido pelo país.

Como consequência deste cenário, os fretes tenderiam a um aumento significativo em razão dos ajustes entre demanda por transporte e oferta de serviços de transporte.

De certa forma isto faria com que a receita obtida pelas empresas de transporte rodoviário de cargas e do frete carreteiro aumentem. Este aumento da receita compensaria eventuais perdas por uma redução da jornada de trabalho, bem como uma provável elevação no pagamento de imposto de renda de transportadoras e caminhoneiros autônomos, ocasionado pela implantação do CIOT (código identificador de operação de transporte).

Mas isto só vai acontecer se os demais modais não possuírem capacidade de transporte, ainda que mais lentos e menos disponíveis, como os modais hidroviário e ferroviário. De qualquer modo, o resultado esperado para o sistema logístico do país é menor capacidade e maior tarifa de transporte.

Tudo o que não precisamos diante da nossa já combalida competitividade logística.

Quem exige o cumprimento da norma de restrição de jornada de trabalho, ratifica o eminente colapso do sistema logístico do país e acredito piamente que existem poucas pessoas no país que ficariam com esta verdadeira “batata quente” nas mãos.

Diante disso, há que se questionar: A quem interessa manter a restrição de jornada de trabalho dos motoristas? A resposta é simples: Não interessa nem ao governo nem às cadeias produtivas do país. Interessa somente à sociedade em geral, que sofre com acidentes causados por caminhões.

Mas isto está longe de ser considerado. É por isso que o cumprimento das novas regras será literalmente “empurrado com a barriga”, pelos órgãos do governo até que haja condições de factibilidade de aplicação sem riscos.

Ressalta-se novamente que a regra de restrição de jornada é necessária para melhorar a saúde dos motoristas de caminhões e a segurança nas nossas estradas, mas antes de qualquer coisa, deveria haver um bom planejamento sistêmico dos impactos dessas novas regras.

A solução é mais ampla do que sugere a parca visão do sistema logístico atribuído à ANTT (que só regulamenta o transporte rodoviário e o ferroviário, ainda que tenha atribuições de regulamentação de operações multimodais).

Ainda bem que esta falha, originada no processo de criação das agências reguladoras de transporte do país, foi percebida pela Presidenta Dilma ao criar a “agência de logística”.

Se já houvesse formas de planejamento sistêmico a solução seria aguardar pelo aumento de oferta de serviços de transporte dos demais modais.

Já o problema dos caminhoneiros poderia ser solucionado através da criação de uma grande transportadora com mais de 780.000 caminhões.

Esta seria a maior transportadora do mundo e teria capacidade de atender todo o território nacional.

Certamente seria uma mudança radical na competitividade logística do país, mesmo que sindicalistas perdessem a sua posição de poder político e transportadores perdessem a sua posição de poder econômico perante os caminhoneiros autônomos.

Solução existe, mas requer inteligência, coragem, abnegação e muito planejamento.


Mauro Roberto Schlüter
Professor de Logística da Mackenzie Campinas
Diretor do IPELOG

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