No mês de janeiro de 2019, início do governo atual, escrevi artigo à respeito da criação do Ministério da Infraestrutura (1), cujo titular, já empossado, era (e ainda é) o Sr. Tarcísio Gomes de Freitas, engenheiro civil e ex-diretor do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (2).
Nos comentários que fiz, também observei que “não há qualquer dúvida que num prazo mais longo, o desenvolvimento e crescimento econômicos somente poderão ser alcançados e sustentados quando as condições econômicas e sociais possibilitarem investimentos significativos e eficazes, em projetos e programas que tenham como objetivos o aumento da produtividade dos fatores de produção. E se em épocas de crise, como a do Brasil atual, já é preciso priorizar investimentos em educação, saúde e segurança, investir em infraestrutura também passou a ter importância fundamental. Investimentos voltados à infraestrutura de uma forma geral (saneamento, energia, telecomunicação e transporte) e ao transporte multimodal em particular”.
A população em geral, sem dúvida, tem razões de sobra para lamentar os efeitos deletérios que a falta de investimentos em saneamento e energia, propiciam a ela. E quem trabalha em logística, por exemplo, sabe quais são os inúmeros impactos negativos no exercício da atividade, proveniente de uma infraestrutura de transporte insuficiente e de baixa qualidade como a brasileira.
A pandemia do Covid-19, que tantos males tem causado à todo o mundo, pelo menos “realizou o favor” de colocar esses assuntos muito mais em pauta do que se via até então, principalmente no caso do Brasil. Já era momento!
No artigo citado, através de uma breve abordagem sobre as diversas causas do “atraso logístico” brasileiro, comparando-se não só com relação aos países mais desenvolvidos ou emergentes do mundo, mas também com relação ao seu próprio desempenho anterior, constata-se o triste fato de que o Brasil, nos últimos 20 anos, investiu muito pouco em infraestrutura (3), não conseguindo, inclusive, suprir a depreciação natural. O resultado, como demonstram diversos estudos de Cláudio R. Frischtak e João Mourão (4), foi uma terrível queda no estoque de infraestrutura. O estoque total de infraestrutura (saneamento, energia, telecomunicação e transporte), equivalente a 58,2% do PIB em 1983, ficou próximo dos 36% em 2016. O estoque de infraestrutura em transporte, que era de 21,4% do PIB em 1983, alcançou pouco mais de 12% em 2016.
Sempre ficou muito claro que diversos problemas – confusão funcional dos diversos órgãos que discutem e “planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país; desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas; politização dos cargos nas agências reguladoras, nos ministérios e nos departamentos técnicos especializados no assunto; indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios; fragmentação dos núcleos de gerenciamento; e falta de políticas claras de investimentos, de participação do setor privado e garantias correspondentes – têm complicado ainda mais a realização de serviços logísticos mais eficazes.
Com as exceções de sempre, a forma como a infraestrutura de transporte tem sido tratada pelos governos que passam, e considerando que o setor ainda carece de verdadeiros líderes (menos míopes e mais comprometidos com os reais interesses do setor e do Brasil), vem indicando, de forma inequívoca, que o encaminhamento de soluções para os problemas do setor, já há algum tempo, tem sido postergado para o futuro. A concreta e real queda dos níveis de investimentos previstos e realizados demonstram isso.
Muita esperança se depositou quando em 2001 foi criado o CONIT (Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte vinculado diretamente à Presidência da República), assim como em 2012, quando se criou a EPL (Empresa de Planejamento Logístico). Infelizmente esses dois órgãos, juntamente com outra dezena de intervenientes, pouco puderam fazer e a esperança deu lugar a mais dúvidas e incertezas.
Já em meados do mês de março, também do ano de 2019, em duas partes, escrevi um outro artigo: “Sem exageros ideológicos, respeitando a Constituição e a Democracia, agora já é momento de governar”. Na parte II do artigo, publicado dia 25.03.2019 no site do Guia do TRC, eu já criticava a inoperância do governo e destacava o fato de que Bolsonaro mantinha sua administração baseada em apenas seis pessoas. Com protagonismos diferentes, somente essas seis pessoas teriam condições de fazer o governo funcionar e passar credibilidade aos mercados, interno e externo, e à toda a Nação. Eles poderiam, inclusive, “tutelar” Bolsonaro e alguns dos principais auxiliares do presidente, para não cometerem “muita besteira”. As seis pessoas citadas à época: a) Ministro Paulo Guedes, que seria responsável pela necessária e imprescindível elaboração de um plano que reestruturasse toda a economia, colocada ‘no chão’ pelos desmandos Dilmistas; b) Ministro Sergio Moro, talvez o maior representante da população brasileira no combate à corrupção, ao crime organizado e à insegurança; c) Ministra Tereza Cristina, que à frente da pasta da Agricultura precisaria liderar o setor rural para manter a produção, a produtividade e o desempenho do setor, indiscutivelmente aquele que mais tem contribuído para os superávits de nossa balança comercial e controle dos preços dos alimentos; d) Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, pois além de conhecer do assunto sempre soube que grande parte da não competitividade do produto brasileiro e do chamado ‘custo Brasil’ tem origem na precariedade da infraestrutura logística; e e) os generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno, fiadores militares do governo, o primeiro respondendo pela Vice-Presidência da República e o segundo pelo Gabinete de Segurança Institucional.
Pois é, passados dois anos de desgoverno, a lista de seis ministros, segundo minha opinião, ficou resumida a apenas dois: Tarcísio G. de Freitas e Tereza Cristina. O segundo nome porque conseguiu manter sua pasta funcionando a bem do Brasil e, diretamente, dos brasileiros. Apesar do Presidente Bolsonaro e do péssimo desempenho do Ministério do Meio Ambiente, que afeta a atividade de forma objetiva e direta, o setor agrícola tem evoluído irrepreensivelmente e digno de elogios.
Já o Ministro Tarcísio, ao absorver as atividades de cada um dos órgãos a ele vinculados no novo Ministério da Infraestrutura, entre outros afazeres, procurou cuidar das políticas nacionais de transportes (em todos os seus modais) e de trânsito, e formular políticas e diretrizes para o desenvolvimento, fomento avaliação de medidas, programas e projetos de apoio à infraestrutura e superestrutura pertinentes, inclusive com avanços significativos nas ‘regulamentações’, como foi o caso no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (5). Exercendo as atividades da EPL (até então ‘estagnada’) e aproveitando-se de tudo o que já estava em andamento, principalmente do ‘impulso’ dado nos dois anos do governo Temer, procurou planejar e definir as prioridades dos programas de investimentos em logística e transporte. Vale ressaltar, sempre de forma integrada aos demais órgãos de governo e com atenções especiais para a mobilidade urbana, a acessibilidade e à proteção do meio ambiente. Lembrete: já estão a caminho, e com aprovações junto ao Congresso, outras providências importantíssimas: a) desburocratização dos portos públicos; b) novo marco das ferrovias; c) projeto BR do Mar (navegação de cabotagem).
De fato, mesmo tendo opiniões para todos os gostos – favoráveis ou não – a decisão de unificação das atividades em um só Ministério e a atuação do Ministro tem facilitado a desburocratização e maior integração das medidas pertinentes. Carece ainda, a meu ver, fazer com que as agências reguladoras (6) desempenhem um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, operacionalmente cada vez mais complexa e exigindo novas relações com as concessionárias, que precisam oferecer, sem dúvida, maior qualidade nos serviços prestados e preços justos e corretos (7). Aqui, ao que parece, os obstáculos se devem muito mais às indevidas intervenções da Presidência da República, mas não só, que mantêm a indesejável política de ‘aparelhamento’ dessas agências (8).
Como escreveu o Estadão, em texto aqui já citado, “ao longo de dois anos o Ministério firmou uma reputação de “oásis” ou “ilha de excelência” no governo”. Não é pouco, sabendo-se a que governo esse Ministério pertence.
Portanto, se algumas das tendências mundiais dos próximos anos se confirmarem (aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestrutura social, impacto crescente da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados, maior urbanização, necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança), bem como maiores cuidados com a saúde das pessoas e da sociedade de uma forma geral, será fundamental que o Ministério da Infraestrutura continue engajado em uma frente de trabalho que dê ao País, uma infraestrutura moderna e de maior qualidade, contribuindo direta e efetivamente para a diminuição do custo Brasil e aumento da competitividade do produto brasileiro. Mas muito mais do que isso, posto que também contribuirá para diminuir tensões sociais e a própria desigualdade, na medida em que além de menores custos na produção e na movimentação de pessoas e mercadorias, também viabilizará operações logísticas mais ágeis e abrangentes.
(1) Decreto nº 9.660/2019, publicado no Diário Oficial da União do dia 02.01.19, subordinou a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a ANAC (Agência Nacional da Aviação Civil), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), a INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuário) e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), ao Ministério da Infraestrutura;
(2) Tarcísio Gomes de Freitas, servidor de carreira na Controladoria-Geral da União, já atuou como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, no Departamento Nacional de Infraestrutura (governo Dilma Rousseff) e na Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (governo Temer);
(3) Dados fornecidos pela InterB Consultoria, de Claudio Frischtak: Investimentos em infraestrutura total entre 1970 e 1980 = 6,3%; entre 1981 e 1990 = 3,1%; entre 1991 e 2000 = 2,12%; entre 2001 e 2010 = 1,96%; em 2010 = 2,3%; em 2020 = 1,77%;
(4) “Uma estimativa do Estoque de Capital de Infraestrutura no Brasil” – Cláudio Frischtak e João Mourão. Trabalho preparado para o IPEA (“Desafios da Nação”) em 22.08.17.
(5) A aprovação do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, além de ser um belo exemplo de avanço na regulação e desburocratização de processos, ainda ajuda para o sucesso dos processos de leilões e outorgas. O editorial do Estadão do último dia 3 (“Exemplo de administração”) faz comentários precisos a respeito: “arrecadação de R$ 87,5 milhões somente com as outorgas de quatro terminais portuários em Alagoas, Bahia e Paraná”. “Só em 2019, foram 27 leilões de concessão: 13 terminais portuários, 1 trecho da Ferrovia Norte-Sul, 2 rodovias e 12 aeroportos”;
“Investimento do setor privado em saneamento ganha impulso após aprovação do novo marco legal” (Estadão de 05/01/21): reportagem do Estadão, de Amanda Pupo, e segundo dados da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, mostra que com os Estados e Municípios iniciando projetos para atrair parceiros privados em serviços de saneamento básico (distribuição e tratamento de água e esgoto e gestão de resíduos sólidos), já há previsão para investimentos de R$ 60 bilhões. A necessidade de investimentos, entretanto, chega aos R$ 700 bilhões, segundo a mesma reportagem.
(6) Como se sabe, as agências reguladoras criadas como autarquias (órgãos da administração pública indireta que tem personalidade jurídica própria e que desempenham funções do Estado), de forma descentralizada, podem atuar em todas as esferas de governo. Embora fiscalizadas e subordinadas ao Estado, executam serviços que interessam à toda a sociedade. Geralmente tem atribuições especiais com objetivos de fiscalizar ou regulamentar profissões, associações públicas ou atividades específicas), são responsáveis pela autorização (outorga ou permissão), regulação, fiscalização e controle (com poder de “desautorizar”) da prestação dos serviços públicos voltados ao transporte de passageiros e de cargas, nos modais específicos a cada uma delas.
Aliás como já está proposto no próprio PNL (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2025) elaborado pela EPL (Empresa de Planejamento e Logistica), cujos principais objetivos são: “identificar e propor, com base no diagnóstico de infraestrutura de transportes, soluções que propiciem condições capazes de incentivar a redução dos custos, melhorar o nível de serviço para os usuários, buscar o equilíbrio da matriz, aumentar a eficiência dos modos utilizados para a movimentação das cargas e diminuir a emissão de poluentes”.
(7) Fruto da recessão causada pela pandemia, caiu de forma drástica o faturamento das concessionárias de infraestrutura, motivo pelo qual elas veem reivindicando reajuste de tarifas e/ou de contratos. As concessionárias de aeroportos, por exemplo, são aquelas que mais tem reclamado. E não é para menos. Parece claro, portanto, que buscar o equilíbrio econômico desses contratos, em face da brusca e vertiginosa queda de demanda pelos serviços prestados por essas concessionárias, é objetivo importante, pois pode ameaçar, inevitavelmente, novos investimentos no setor;
(8) Segundo o Estadão (05/01/21, jornalista Anne Warth), o Palácio do Planalto teria responsabilizado o ministro Tarcísio de Freitas, pela indicação, para a diretoria da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), do funcionário que trabalha para o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). E de acordo com a Secretaria Geral da Presidência da República, o nome indicado não “cumpre os requisitos previstos em lei para exercer o cargo”.