Pragmatismo Eleitoral e Marketing Político: Crimes contra o País?*

Publicado em
17 de Agosto de 2016
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Quero abordar, agora, assunto já comentado em outros veículos de comunicação. A primeira vez foi em agosto de 2006, em artigo escrito para o Jornal de Alphaville (“Pragmatismo e Eleições”). Mais tarde, em março deste ano, via “linkedin”. Apesar de dez anos passados, desde a primeira vez, este é uma assunto muito complexo e demasiadamente importante, agora mais do que nunca, para ser deixado de lado. Mesmo em um veículo de comunicação especializado, como é o Portal Guia do TRC, faz sentido voltar a discuti-lo, considerando o que está acontecendo com o Brasil neste momento.

Fartamente demonstrado pela mídia, os maiores contribuintes das campanhas eleitorais brasileiras, pelo menos até agora e na sua maioria, foram empresas de praticamente todos os segmentos econômicos que, para não errarem, contribuem para todos os candidatos e todos os partidos políticos que disputam as eleições do momento. Não se preocupam com quaisquer coerências políticas quando decidem sobre a quem e quanto contribuir financeiramente. Já tive oportunidade de discutir esse assunto com diversos empresários e associações de classe a respeito dessa atitude, no mínimo ambígua, a qual eles chamam de “pragmatismo”.

Esse pragmatismo, entretanto, resume-se a ter acesso e estar bem junto a todos os candidatos e a todos os partidos, uma vez que não se sabe qual deles será eleito. São contribuições para que suas empresas, grupos de interesses ou associações estejam “de bem” com os políticos e governos de plantão, sejam quais forem, independentemente de suas ideologias, de seus programas partidários ou dos valores éticos e morais que defendem (quando os possuem, evidentemente). O que se quer, na verdade, é ter condições para, no futuro, buscar (ou cobrar?) vantagens específicas aos seus interesses e projetos particulares. Este tipo de relacionamento, entre os setores público e privado, é a forma encontrada por grupos bem definidos (empresas amigas do poder) para privilegiarem suas empresas nos processos licitatórios de interesse e evitar a verdadeira competição. Parece óbvio que a corrupção transforma-se em componente indispensável para que esse “tal de pragmatismo” seja realizado de forma eficiente.

O colombiano, filósofo, físico e matemático Bernardo Toro, entre outras observações interessantíssimas, coloca uma que vale a pena comentar, quando falou sobre a Educação no Brasil, para a Revista Veja em 18/11/2015: “quando a sociedade não está suficientemente organizada, os bens públicos são usurpados por grupos guiados pelos próprios interesses” (grifos meus).

Douglass North, prêmio Nobel em Economia e também fazendo análises sobre o Brasil, no ano de 2006 (1), afirmava: “Há uma aliança próxima entre interesses políticos e econômicos. O resultado é uma barreira para a competição e para mudanças institucionais inovadoras e criativas. Isso impede o Brasil de se tornar uma nação de alta renda”. E continua: “Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência”. Ainda, segundo ele, este é, talvez, a principal razão do atraso brasileiro, pois esses “grupos de interesse, em conluio com o governo, expropriam o futuro da nação” (grifos meus).

No Brasil, são diversos os exemplos desse fenômeno – acordos entre empresários e representantes dos governos em todas as esferas de poder. Do Mensalão ao Lava-Jato, dos Trens Metropolitanos às Merendas Escolares, temos exemplos de vários tamanhos e valores, infelizmente. E pelo que se sabe, ao contrário do que tem dito alguns dos empresários ‘pegos’ com a mão na massa, nem todos foram vítimas de extorsão. Pelo contrário, bem pragmáticos, eles estavam buscando o retorno das contribuições políticas anteriormente feitas. De fato, estavam apresentando as correspondentes faturas (2).

Em entrevista ao jornal o Estado de São Paulo (caderno Aliás, de 13/03/16), Antonio Di Pietro, ex-magistrado, advogado e político italiano, que trabalhou na Operação Mãos Limpas (3), comentou que a existência de um “sistema de conluio entre o meio empresarial, autoridades públicas e o financiamento de partidos políticos”, encontrado na Itália, tem “muita semelhança com a Operação Lava Jato, não só na atividade investigativa, mas, sobretudo na realidade factual do que está acontecendo no Brasil”. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil, chama esse fenômeno – a forma pervertida de relacionamento entre o público e o privado - de “capitalismo companheiro”.

Esse tipo de empresário ou grupo de interesse, não pensa no longo prazo e, muito menos, no bem da sociedade como um todo, da nação ou do país. Eles pensam somente em suas empresas, em seus segmentos econômicos, em seus setores de atuação e em seus interesses bem particulares. Diante desse “pragmatismo”, acendem uma vela para Deus e outra para o diabo. E, se for necessário, para todos os demais ‘santos’ que se apresentarem.

Fora da época de eleições o comportamento é ainda pior, pois enquanto estão se beneficiando das “eleições ganhas”, não fazem quaisquer movimentos para questionar – não digo nem combater – o poder vigente por mais desastroso ou tirânico que seja. É o que se viu por quase todo o tempo do governo petista, quando esse tipo de empresário (ou grupos de), mesmo vendo o Brasil afundar – literalmente falando - não tiveram a coragem de fazer, seja lá o que fosse, para alterar o “lamentável estado das coisas” reinante. Talvez, até, porque muitos estavam comprometidos diretamente com os “malfeitos”. Sempre apoiam os governos de plantão, mesmo que disfarçada e mentirosamente, vindo a colocar suas “cabeças para fora” apenas quando não houver mais alternativa. E através de um oportunismo cínico, ainda dão centenas de entrevistas criticando a administração que saiu ou está saindo e apoiando os recém-eleitos ou empossados.

Portanto, e consequentemente, o Estado é transformado em um balcão de negócios e, ao longo do tempo, a relação promíscua entre políticos e empresários, coloca em perigo a própria Democracia, posto que o financiamento das campanhas políticas e dos partidos, com dinheiro do próprio Estado – leia-se ilegal - vira prática comum. É o que nos tem mostrado, diariamente, a Operação Lava-Jato. O acordo prévio entre empreiteiras para ‘dividir as concorrências públicas’, o superfaturamento e o pagamento de propina nas principais obras realizadas no governo do PT, por exemplo, e segundo as diversas delações premiadas e as escutas telefônicas já divulgadas, passou a ser a regra e não mais a exceção, no qual as maiores empresas estatais, dos mais diversos segmentos econômicos, foram protagonistas. Bom para esse tipo de empresário, a corrupção foi institucionalizada como forma de sustentação de governos e manutenção de poder.

E pior disso tudo é que esses grupos de interesses, isentando-se dos erros de suas escolhas políticas, quando “a coisa está mal”, ainda colocam a culpa no povo, numa difusão hipócrita de que o povo não sabe votar. Ignorante, o povo vota em troca de um jogo de camisas para o time de futebol do bairro, por uma cadeira de rodas para um parente mais necessitado ou por uma pequena praça com chafariz no bairro onde moram.

Ora, qual a diferença entre uns e outros? Apenas o preço do voto! Enquanto os eleitores mais pobres e humildes se contentam com menos, os eleitores mais poderosos se vendem por “coisas” mais importantes, tais como medidas provisórias específicas (e encomendadas), participação em obras públicas sem a exigida competência, empréstimos dos bancos públicos sem as devidas garantias ou interferência política favorável nas grandes obras públicas, tanto dentro do território nacional como em países estrangeiros. Aquelas obras voltadas à infraestrutura, então, “são um prato cheio”. E, repito, quando o país vai mal, a culpa é do povo ignorante, aquele que não soube votar.

Vale lembrar que a corrida, para se alcançar um posto eletivo, muito antes dos votos, tem vários obstáculos para serem superados por aqueles que querem obter algum cargo eletivo: aprovação pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), legenda e espaço em algum partido político e, sem dúvida, recursos.

Consequentemente, antes de aparecerem junto aos eleitores, já como candidatos, é preciso percorrer um longo caminho que, sem ajuda financeira e política, seria quase impossível termina-lo, posto que as campanhas eleitorais ficaram cada vez mais caras e dependentes do tal do marketing político (4).

Infelizmente o marketing político atual, ao invés de trabalhar para tornar um determinado candidato, conhecido e aceito pelas suas propostas e projetos, foi transformado num instrumento para, até mesmo através de informações falsas ou incompletas, alterar o entendimento dos eleitores sobre esse candidato, buscando vende-lo como um produto qualquer. Neste caso, de má utilização do marketing político, omitem-se informações importantes e, de forma seletiva, apresentam-se somente os fatos convenientes e favoráveis do candidato. Quando necessário, faz-se o contrário com relação aos adversários.

Ressalte-se, também, que essa forma incorreta de se utilizar o marketing político, nos dias atuais, tem ditado o comportamento de toda e qualquer campanha política. Conforme já citado, não se discutem propostas ou programas de governo, mas sim, e simplesmente, a “embalagem” na qual o candidato está envolto. Não há conteúdo, mas somente a forma mais conveniente possível. Candidato bom, com um marketing ruim, é transformado em um ruim candidato. Candidato ruim, com um marketing bom, transforma-se em candidato bom. Não se sabe quem é o ‘mocinho’ ou o ‘bandido’ e a tática principal desse tipo de marqueteiro, no modelo atual, é buscar a desestabilização dos adversários (5). Não há clareza e muito menos verdade a respeito dos candidatos, a menos que o eleitor esteja muito bem-informado e extremamente interessado em política. O que, reconheçamos, não é a característica de um povo que ainda tem necessidades primárias não atendidas ou que, simplesmente, está na fila procurando um emprego. A fraude eleitoral, cometido nas últimas eleições presidenciais, como se viu, é um excelente exemplo.

Com base nessa forma de se fazer marketing político, e como temos visto nos escândalos revelados pelo Mensalão e agora pela Operação Lava Jato, esses ‘marqueteiros políticos’ passaram a ter fundamental importância nas campanhas políticas brasileiras (alguns até se tornaram assessores de governo) e as encareceram de forma demasiada. Tanto que as eleições, hoje em dia, representam muito mais o poder econômico que as financia, do que a própria população que delas participa.

Desta forma, somente no dia da eleição (último obstáculo da corrida) é que aparece o eleitor. E este, depois de ser submetido a exaustivos programas de propaganda político/eleitoral (geralmente nada transparentes ou honestos), terá que dar a palavra final através do seu voto. Não será estranho se aqueles candidatos que contrataram os marqueteiros mais experientes e competentes, e que mais tempo ficaram expostos na mídia, através de milionárias e eficientes propagandas político/eleitoral, sejam eleitos.
Resumidamente: sem recursos financeiros (leia-se claramente, sem apoio do poder econômico e de um marketing eficaz) dificilmente alguém chegaria à condição de candidato. Muito menos de um bom candidato e, menos ainda, de um candidato eleito.

Candidatos ruins, desonestos, descomprometidos e sem ética, quando existem, são frutos de toda a sociedade e, é evidente, só foram eleitos porque conseguiram percorrer essa verdadeira corrida de obstáculos, superando-os ‘um-a-um’. Mas sempre apoiados e avalizados pelas classes mais poderosas, tanto do ponto de vista econômico como político. O obstáculo final, que é o voto do eleitor na urna eletrônica, que deveria ser o mais importante e mais difícil de ser superado pelo candidato, transformou-se em um obstáculo de fácil superação.

Não restam dúvidas que os votos que elegem um candidato, vêm da maioria da população “que não sabe votar”, mas é preciso não esquecer que os candidatos apresentados foram ‘criados’ pelos que, teoricamente, “sabem votar”. É daí, sem dúvida, que surgiu a frase “eleger um poste”.

A Reforma Política, há tempos colocada nas mesas de discussões, precisa ser feita e, entre diversos outros pontos a resolver, contemplar soluções para esse problema, sem o quê não se terá um sistema político com a transparência e a imparcialidade desejadas. E é fundamental, inclusive, que esse pensamento hipócrita (o povo não sabe votar e, portanto, o maior culpado pela eleição dos maus políticos), que impera na política brasileira, seja deixado de lado. O povo, mesmo com pouca cultura e ignorante, saberá votar quando for bem informado e não for enganado, seja pelo poder econômico (que financia e apresenta os candidatos que lhe convêm), seja pelos marqueteiros ou políticos da ocasião.

Abaixo, portanto, esse tipo de marketing político e esse tal de pragmatismo político-eleitoral, que em nada contribuem para a evolução do sistema político brasileiro e, muito menos, para o desenvolvimento do País.

(1) Artigo de Giuliano Guandalini, Revista Veja de 12/12/2015 (“A Fórmula da Riqueza”).

(2) “os empresários, por meio da corrupção, obtinham recursos públicos que, sem isso, não teriam. A corrupção trazia vantagem, seja para o funcionário ou para o político, que recebia o dinheiro, seja para o empresário que pagava. O custo da propina era sustentado pelos cidadãos, que pagavam impostos, porque os empresários incluíam isso no preço dos contratos com o governo”. Gherardo Colombo, ex-magistrado italiano e que participou da Operação Mãos Limpas, em entrevista realizada para o jornalista Marcelo Godoy e publicada no Estadão de 27/03/2016.

(3) No início a Operação Mãos Limpas era uma investigação sobre falsificação de balanços. Descobriu-se que isso era feito para justificar dinheiro de propina.

(4) Marketing político é o segmento específico dentro da comunicação mercadológica voltada para o ambiente político e ou eleitoral, que visa estreitar a relação de expectativa de um determinado grupo de pessoas em relação às questões que envolvem seu cotidiano e a materialização da mesma em um candidato, um governo, um partido ou um grupo político. O Marketing eleitoral refere-se às técnicas que visam tornar um candidato a cargo público conhecido e aceito no período eleitoral, através de suas propostas e projetos. Propaganda política é uma das ferramentas de comunicação utilizadas em uma estratégia de Marketing Político e/ou Eleitoral (Wikipédia).

(5) Segundo o marqueteiro João Santana, preso pela Operação Lava Jato, quem bate não perde eleição, mas sim, quem não sabe bater ou mesmo se defender. Ainda, segundo Santana, “a política é, ao mesmo tempo, a sublimação e o exercício da violência”. E prossegue: “em determinados momentos é mais tático você influenciar os adversários do que o eleitor” (João Santana: Um Marqueteiro no Poder, livro do escritor e jornalista Luiz Maklouf, publicado pela Editora Record).

* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.

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