Porto-a-porto ou porta-a-porta?

Publicado em
03 de Agosto de 2016
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A cabotagem aos olhos do agente de cargas

Embora novas ferramentas digitais venham levando à diminuição a atuação de empresas e profissionais que intermediam vendas de produtos e serviços, o agente de cargas é reconhecidamente uma peça importantíssima nas negociações de transportes. No comércio exterior, com uma clientela bastante pulverizada, volátil e com uma somatória de pequenos volumes e negócios, o agente de cargas e os NVOCC são de fato a única maneira com que os armadores conseguem comercializar a oferta de slots.

Já na cabotagem, atividade que subsiste no Brasil atualmente como parte da estratégia de navios slow steam maiores, que demandam um feeder service de apoio, além de configurar como opção ao modal rodoviário, os benefícios do serviço do agente ainda não são vistos de maneira uniforme como solução aos processos e questões por que passa o setor atualmente.

“Quase todos os armadores de cabotagem têm como origem o longo curso, atividade em que a presença do agente de carga é estimulada, desenvolvida e até mesmo muito bem-vinda. Na cabotagem, por outro lado, essa parceria e envolvimento não acontecem: existem dificuldades de tarifas, lentidão no fornecimento de preços, sobreposição de clientes, preços diferentes para clientes iguais e outras dificuldades que prejudicam a competitividade do segmento”, afirma Marco Aurélio Dias, da Frette Logística Multimodal.

Para o agente, o negócio efetivo do armador deveria ser o serviço porto-a-porto, enquanto a cabotagem brasileira “mantém a ideia de fazer o porta-a-porta, mesmo sem flexibilidade e tampouco estrutura para esse tipo de atendimento ao cliente, o que gera queda de eficiência dos negócios, concorrência entre os agentes e armadores dentro da mesma operação, e o travamento, ou as dificuldades para o crescimento dos embarques, cujo potencial de crescimento é indiscutivelmente grande”, ele enfatiza.

Hoje em dia, o cenário no Brasil é bastante peculiar: os dois armadores internacionais que investem pesadamente em terminais de Hub e de transbordo, montando estruturas internas para fazer frente aos entraves burocráticos dos portos conseguiram até agora, a muito custo, mínimas condições de competir no mercado doméstico. Enquanto isso, o armador independente nacional, ao obedecer às regras para produção nacional de navios, coloca-se em uma situação financeira crítica por atrasos de repasse do FMM (Fundo de Marinha Mercante) e batalha para conseguir competir com as estruturas multimodais montadas por seus concorrentes.

Por outro lado, poucos agentes de cargas de porte se aventuraram a oferecer agenciamento e consolidação na cabotagem. Mesmo as empresas de carga expressa, começaram a se interessar pelo assunto não faz muito tempo e, ainda assim, por enquanto ainda estão em fases de estudos e implantação.

As dificuldades para trabalhar em conjunto vêm de ambos os lados. Marco Aurélio Dias lembra que, ao prestar o serviço porta-a-porta, os armadores fazem com que situações bizarras aconteçam, como. “Encontramos, por exemplo, preços do frete porta-a-porta ofertados ao cliente final em valor menor, ou às vezes igual ao porto-a-porto ofertado aos agentes de carga – e para o mesmo cliente, como temos confirmações por meio de CTAC (conhecimento de transporte aquaviário de carga) enviados por esses clientes”.

Embora já bem consolidada no Brasil, a cabotagem ainda tem um grande potencial para alguns segmentos que ainda não a conhecem, ou não têm intimidade com o modal. A realidade é que é de fato uma opção mais barata do que a do transporte rodoviário, principalmente em distâncias superiores a 2.000 Km, porém sempre com coleta e entrega até no máximo 500 a 600 Km do porto.

Enquanto algumas poucas empresas já tentaram agenciar e consolidar cargas para a cabotagem, os sucessos de fato são poucos e recentes. O armador aceita levar carga de cabotagem agenciada, com os devidos cuidados de crédito, no entanto isso ainda tem acontecido por pressão do cliente final. Entretanto, há grandes oportunidades para os agentes na cabotagem justamente nos nichos em que os armadores não conseguem atender, embora sejam de risco, exijam grandes investimento ou dependam da adesão e fidelidade do cliente final.

Marco Aurélio ressalta que as dificuldades vêm de todos os lados. “Às vezes, nos deparamos com dúvidas ou resistências por parte do cliente, que não conhece o serviço e precisamos muitas vezes fazer uma catequese em nossos clientes potenciais”, diz ele, explicando que muitas vezes o agente é levado a ‘vender’ a cabotagem, mostrando como funciona, quais são os equipamentos disponíveis em função do tipo de carga, como será a modelagem de sua operação. E compara: “não se trata de vender tabela de preço, como é no rodoviário”.

O agente também chama atenção para o fato de que há uma falta de profissionais no mercado, advinda até mesmo da formação profissional. “Sou professor de Universidades com alunos de Logística que pouco conhecem de transporte marítimo, tampouco de cabotagem, tenho alunos de MBA em Logística que ainda nada sabem de cabotagem”.

Outro problema para o qual Marco Aurélio Dias chama atenção é o transit time, mais especificamente o do porto-a-porto: “com uma saída semanal, temos um deadline de três dias antes da saída do navio. Se a carga não é disponibilizada até a quinta feira, por exemplo, não embarcamos no navio de quarta. Com isso, perdemos 10 dias de transito de carregamento, além de uma série de trâmites complexos que permeiam a operação”.

A questão cultural, segundo ele, também prejudica a cabotagem, operada em quase plena maioria por armadores de longo curso, cuja relação com prazos é totalmente diferente. “O nosso tempo e o nosso concorrente é do transporte rodoviário. Temos hoje, armadores que levam quase sete dias para te enviar uma cotação, o que não existe no transporte rodoviário, com o qual os nossos clientes já estão acostumados”.

A participação do agente de carga é importante no incremento da cabotagem no Brasil, embora hoje o cenário não pareça muito amigável à atividade. Marco Aurélio enfatiza que o setor representa um horizonte imenso para desbravar e um grande mercado para conquistar. Mas alerta: “a velocidade e eficiência de consolidação e crescimento da cabotagem vai depender muito mais dos armadores. O conceito – e a política – de cabotagem têm que ser desatrelados da cultura do longo curso. Nossos embarcadores precisam de mais velocidade, precisamos ajudá-los a se planejar e se programar para usar a cabotagem. Sem planejamento e sem uma boa programação, não podemos falar em cabotagem eficiente”.

Os agentes de carga têm desbravado e contribuído muito na desburocratizacão de processos no comércio exterior por sua proximidade, tanto com as demandas do cliente quanto com a Receita Federal e demais órgãos, além de terminais e armadores. Na cabotagem, terão certamente um papel semelhante.

 

O Grupo Guia vem fomentando a discussão e trabalhando em conjunto com o mercado para propor soluções que viabilizem o crescimento e uso desse importante modal. Venha discutir o assunto, que ainda precisa da sua participação, no evento A Hora da Cabotagem, organizado pelo Guia Marítimo no dia 15 de setembro no Hotel Meliá Paulista, São Paulo.

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