Será que um dia, no Brasil, vamos aprender a fazer a coisa certa, com critério, com respeito às leis, sem correria e de forma isenta, pois, se pensarmos bem, isso é tudo o que não ocorreu na decisão do governo, ratificada pelo congresso, de criar uma tabela de pisos mínimos para o frete.
O que se pode fazer quando o preço de um serviço essencial está completamente equivocado e fora da realidade: não pagar e quando possível não o adquirir.
Pelo menos desde 2015 o governo sabe que tabelar preços é inconstitucional por violar o princípio da livre iniciativa, descrito no inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal como um dos princípios fundamentais da República.
Não bastasse o fato de tabelar preços representar uma ilegalidade por sua flagrante inconstitucionalidade, esse fato é agravado pela total incapacidade de uma agência como ANTT, sem conhecimento de causa se arvorar a regulamentar um assunto da qual tinha pouco ou nenhum conhecimento.
Resulta daí que, para algumas situações, a tabela chega a propor o pagamento de valor em dobro ao que cálculos executados com base nos manuais técnicos indicariam.
Diante desse quadro de opressão e de desequilíbrios, quem precisa do serviço e não tem opção se submete à regra, quem pode negocia valores abaixo do proposto ou procura alternativas como a aquisição de frota própria.
O Governo, por sua vez, ao invés de buscar alternativas à tabela, posta a sua ilegalidade, ou de, pelo menos fazer os ajustes necessários para corrigir os equívocos mais flagrantes (convenhamos, tempo já houve de sobra para isso) acaba de anunciar a proposta de criação de uma multa salgada para os infratores, ou seja, para aqueles que não praticarem os valores “equivocados, às vezes, absurdos, constantes da tabela vigente.
O que agrava tudo isso é a lentidão em admitir a existência de erros fazendo vistas grossas aos impactos que os equívocos apontados provocarão, alguns de forma irreversível, às principais atividades econômicas do país.
Os Equívocos da obrigatoriedade de pisos mínimos para o frete
Para consubstanciar o que falamos acima vamos detalhar abaixo alguns dos muitos equívocos presentes nas tabelas de pisos mínimos do frete rodoviário:
1. O primeiro e mais grave deles é o uso de médias nacionais para o preço do Diesel, que é o principal insumo no Transporte Rodoviário de Cargas, em especial para os autônomos. A variação do preço do litro desse insumo chegou em setembro de 2018 a 26,8% - diferença entre o estado com valor mais alto, o Acre (R$ 4,452) e o mais baixo, o Paraná (R$ 3,512). Só no estado de São Paulo, onde se vende 22% do diesel brasileiro, a diferença chega a 10,8% entre os 108 municípios pesquisados pela ANP.
2. Outro importante equívoco é a construção de tabelas por tipo de carga, por que acima de tudo não é uma prática de mercado, já que o tipo de carga, ressalvadas algumas exceções não é fator determinante para determinação do preço do serviço.
3. A tabela se propõe a tratar somente do transporte de carga lotação, mas não esclarece o que ela considera ser uma operação de transporte de carga lotação, criando dúvidas e atritos no mercado.
4. Ela inova ao propor para o mercado o pagamento do frete por eixo carregado, modalidade que até então não existia. E, determina que todo o mercado brasileiro faça a mudança de um dia para o outro sem um período mínimo de adaptação.
5. Determina o pagamento igual, em função do número de eixos, para veículos com custos completamente distintos, criando distorções que beiram os 100% - sem levar em consideração a idade dos caminhões.
Da Ilegalidade da Tabela em Vigor
A Lei incumbiu a ANTT como responsável pela elaboração da tabela, entretanto, ela não cumpre vários pontos determinados pela Lei, o que a torna ilegal, vejamos alguns deles:
1. Em seu artigo 6º determina que algumas categorias devem participar do processo de fixação dos pisos mínimos. É até aceitável que a primeira versão da tabela, resultado do cumprimento da Medida Provisória 832, que deu apenas 5 dias para a publicação da mesma, não houvesse a participação de todos. Contudo, já houve tempo mais do que suficiente para o cumprimento deste artigo.
2. O artigo 3º diz que uma nova tabela deve ser publicada toda vez que houver oscilação no preço do óleo diesel no mercado nacional superior a 10% (dez por cento) em relação ao preço considerado na planilha de cálculos, para mais ou para menos. A Petrobras reajustou 13,03% em média o preço do diesel no dia 30 de agosto nas suas refinarias. O que fez a ANTT atualizou o valor do diesel constante na sua planilha em 13,03% e publicou o resultado através da Resolução Nº 5827, como se algum transportador, seja ele autônomo ou empresa, comprasse combustível nas refinarias. A ANP aponta em seu site uma variação de preço nos postos e distribuidoras brasileiras, este sim o mercado referenciado na Lei, um mês depois do aumento nas refinarias, de 8,1%, ou seja, não deveria ter havido atualização da tabela segundo a Lei.
3. Por fim ainda existe um problema legal sob a validade da resolução 5820 que apresenta a tabela de piso mínimo em “vigor”, pois, houve a publicação de uma resolução posterior, a 5821, que a alterou, mas em seguida foi revogada. É consenso entre os juristas que uma norma alterada pode até voltar, mas tem que ser sem os artigos alterados - no Brasil não existe o fenômeno da repristinação, que consiste no restabelecimento da vigência de uma lei revogada pela revogação daquela que a tinha revogado.
O Problema Criado para o Mercado
Uma comparação que poderia ser feita e que se assemelha bastante a atual situação em que se encontra o mercado de transporte é imaginarmos o salário mínimo sendo alterado do dia para a noite de 957 reais para 5 mil. De imediato, esta mudança causaria a extinção de várias categorias de trabalho, como empregada doméstica e caseiros, por exemplo, simplesmente porque os seus empregadores não teriam condições de pagar e, nos casos onde a pronta substituição não fosse possível, passariam a pagar menos de forma ilegal assumindo os riscos.
Para piorar a ANTT resolveu “discutir” a imputação de uma multa de 5 mil reais para quem não pagar os valores, equivocados, irreais e ilegais, da sua tabela de piso mínimo.
Destaca-se que não há nada contra a criação de um piso mínimo para o frete como solução para o principal e histórico problema do setor de transporte rodoviário de carga que é o frete baixo (inferior ao custo), consequência da baixa capacidade técnica na apuração de custos por parte dos que oferecem o serviço (os transportadores) e, por serem eles o elo mais fraco da negociação, seu poder de barganha é reconhecidamente muito baixo. Entretanto, não há como aceitar a adoção de valores para o serviço de transporte irreais, ou seja, muito altos, o que leva a distorções e soluções caras para quem paga a conta, a sociedade.
Também não se pode esquecer que só alguns privilegiados estão recebendo os valores propostos, alguns estão ficando sem o serviço e muitos outros, para não ficarem sem trabalho, estão aceitando valores abaixo do piso - o que, neste caso, não é de todo ruim já que está se falando de valores acima do razoável.