Para professor da USP, São Paulo deveria ter uma política de logística

Publicado em
05 de Outubro de 2010
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O Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira, arquiteto-urbanista, economista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, USP, fala sobre as restrições aos caminhões na cidade em entrevista exclusiva ao Portal Transporta Brasil. Leia a íntegra:

Portal Transporta Brasil: Você acha que as restrições aos caminhões são uma solução para metrópoles como São Paulo?

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira: Eu acho que a restrição a caminhões não deve ser trabalhada como uma solução. A restrição deveria ser integrada a uma política de logística. Porque a questão não é em se ter ou não o caminhão é um problema ou uma solução, a cidade necessita da distribuição logística dos seus bens que são destinados ao comércio. Então, como é que a gente vai fazer se a gente passa a solucionar um problema do trânsito por meio de uma política de caminhões? A gente resolve parcialmente, e de maneira tosca a questão do trânsito, criando outro problema que é um problema de distribuição dos bens de consumo na metrópole. São duas políticas diferentes que estão sendo confundidas. As pessoas do governo estão achando que política de caminhão é a mesma coisa que política de trânsito, quando na verdade são duas coisas diferentes, que tem que ser trabalhadas de maneiras diferentes. Do ponto de vista imediato é possível que interditar caminhões melhore o trânsito, mas do ponto de vista de um planejamento a médio e longo prazo, isso é um desastre.

Portal Transporta Brasil: Como a carga pode conviver harmoniosamente com o trânsito de veículos particulares?

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira: Na verdade o transporte de carga não convive harmoniosamente com o transporte de veículos particulares, porque o caminhão é maior, mais poluente, ocupa mais espaço e atrapalha o trânsito. Então, o que deveria ocorrer é que você deveria deixar a carga usando as vias expressas. Por exemplo: se você for considerar que o CEASA fica em um lugar estratégico da cidade, acessível de todas as rodovias pelas marginais, você não tem como interditar o tráfego de caminhões nas marginais, sobretudo a Tietê. Na de Pinheiros há um problema em relação ao pessoal que vem da Bandeirantes, da Imigrantes, da Região Sul, mas sobretudo a Tietê, porque todas as rodovias chegam e desembocam nela. O acesso expresso pelas marginais aos grandes centros de distribuição deveria ser uma política mais sistematizada e organizada e não o contrário, que é a restrição sem critério dos caminhões. Qual é a solução pra você ter uma harmonia entre o transporte privado, as pessoas que se deslocam na cidade, particulares, e o transporte de carga? A solução é que o caminhão não compita com o automóvel. O problema está aí. O problema não é o caminhão, o problema dessa harmonização é o caminhão ter que conviver com o automóvel, que é uma solução antieconômica e insustentável. O caminhão deveria se harmonizar com o transporte público de massa. Se você tivesse um transporte público de massa decente pra cidade, consistente, sistêmico e capaz de absorver toda a demanda, você teria um fluxo de carros, automóveis, consideravelmente menor e, portanto, seria possível você autorizar o transporte de distribuição de cargas pelas vias expressas das marginais e pelas vias estruturais maiores. Como não há política de transporte de massa para o público, pelo contrário, a política favorece o transporte de carro individual, o que acontece é que a população paulistana que tem um pouco mais de dinheiro opta por usar o carro, aumenta a frota de maneira absolutamente desproporcional e passa a competir de uma maneira desarmoniosa com o caminhão. O vilão no caso não é o caminhão, é o carro. Por isso é muito difícil da gente fazer as pessoas e os políticos se convencerem desta questão.

Portal Transporta Brasil: Uma das soluções para as transportadoras é dividir as cargas em caminhões menores. Você acha que isso poderá causar um colapso no já caótico trânsito de SP?

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira: Não existe mais o termo de que alguma coisa possa causar colapso no trânsito de São Paulo, porque o trânsito de São Paulo já está colapsado há mais ou menos uns dez anos. Então se uma pessoa espirrar ela vai causar congestionamento, se furar um pneu, causa congestionamento. É evidente que uma política que restringe os caminhões maiores vai redundar em um aumento da frota de caminhões menores, os tais VUCs. E o aumento da frota dos caminhões menores vai redundar em um problema de tráfego, porque o tráfego já é absolutamente saturado, e já é colapsado. Então, na verdade, estamos girando em falso, temos uma política um pouco esquizofrênica que não vai dar em lugar nenhum.

Portal Transporta Brasil: Por favor, comente exemplos de outras cidades, como Nova Iorque e Londres. Há restrições lá fora?

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira: Essas cidades estão começando a enfrentar um problema de trânsito semelhante ao nosso, porém, elas contam com uma malha de transporte público que é significativamente maior. Se você pegar a Cidade do México, ela tem 200 e tantos quilômetros só de metrô, nós temos 60. Se você pega a nossa malha completa, considerando o transporte metropolitano de trem, que é precário, que o governo gosta de dizer que é a mesma coisa que o metrô, mas é absolutamente diferente, são características técnicas de capacidade de carga completamente diferentes, a nossa malha inteira deve girar em torno de 300 quilômetros lineares, enquanto que uma cidade como Paris tem 600, juntando metrô e transporte regional, sendo que Paris é muito menor do que São Paulo. Então, como essas cidades têm alternativas no transporte público, mesmo que você tenha um problema de harmonização do transporte de cargas com os carros, não tem muito problema, porque é muito fácil você falar pro sujeito que está de carro: "Bom, se você não está satisfeito, use o transporte público, ele está aí e ele funciona". Coisa que nós não podemos falar aqui, porque o transporte público nem está aí e nem funciona. Então, na verdade, essas cidades desenvolvidas têm problemas de tráfego, mas o problema de tráfego é uma opção do usuário. Se o usuário quiser fugir do tráfego, ele tem como optar por um transporte público de qualidade. Aqui em São Paulo, se a gente pegar uma fotografia que está disponível na internet, de uma baldeação às seis da tarde na Praça da Sé, no metrô da Sé, a gente vai ver que não é uma opção para o motorista pegar o metrô, ele continua tendo muito privilégio, se ele ficar no engarrafamento, mesmo que ele fique horas, porque ele está com ar-condicionado e não sai do carro dele. Na Europa e nos Estados Unidos, o sujeito tem um certo conforto, mas ele perde tempo no engarrafamento, portanto, ele prefere pegar o transporte público, que, ainda que seja razoavelmente cheio, não é saturado e inviável como está indo atualmente o transporte no metrô de São Paulo. Então são realidades muito diferentes que é difícil da gente conseguir na verdade comparar.

Portal Transporta Brasil: Como planejar a cidade para os próximos 30 anos?

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira: O planejamento do transporte público na cidade de São Paulo é um só e muito simples. É o investimento maciço no metrô a médio e longo prazo. Alternativamente a isso, e a curto prazo, corredores de ônibus, que eu não sei por que razão, ninguém ainda me explicou, foram praticamente estagnados nas últimas gestões. O corredor de ônibus tem um péssimo resultado do ponto de vista da qualidade urbana porque ele cria bloqueios no nível térreo que são muito ruins pra cidade, mas ainda assim ele permite uma fluidez e uma mobilidade razoavelmente melhores para a população. Agora, a questão é que o nosso ritmo de construção de metrô, mesmo que ele esteja sendo aqui muito difundido como se fazendo linhas, na verdade a gente tem um ritmo de crescimento que não passa de dois quilômetros por ano, o que é largamente insuficiente para a situação, justamente, de colapso que a cidade chegou.

João Sette Whitaker Ferreira é arquiteto-urbanista e economista, mestre em Ciência Política e doutor em Urbanismo. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da Universidade Mackenzie, e membro do Conselho Municipal de Políticas Urbanas

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