Confira os principais assuntos abordados por Letícia Costa em webinar
PAULO RICARDO BRAGA, AB
Há muitas expectativas em torno do Rota 2030, política industrial que o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e a indústria desenham de olho no longo prazo. A de Letícia Costa, sócia-diretora da Prada Assessoria, é de que o governo e o setor automotivo realmente foquem a atenção na meta de inserir o Brasil na indústria automotiva global até 2030 e que os fabricantes tenham estabilidade e previsibilidade nas regras. A consultora participou de webinar promovido por Automotive Business na terça-feira, 18.
A especialista é bastante crítica sobre as medidas que estão em elaboração dentro do programa. Segundo ela, ao menos por enquanto, as iniciativas do Rota 2030 não atacam a falta de competitividade, problema que há tanto tempo atrapalha a indústria nacional.
Confira abaixo os principais pontos abordados por Letícia durante a entrevista ao vivo.
EFICIÊNCIA ENERGÉRTICA POR FORÇA DA LEI
Letícia alerta que é essencial evitar no Rota 2030 os erros cometidos no Inovar-Auto, legislação que entrou em vigor no início de 2013 e termina no fim de 2017. “O programa precisa abordar temas como aumento de competitividade com redução dos entraves brasileiros. A reforma trabalhista foi apenas um primeiro passo, é importante debater a participação que o País terá no futuro mercado de veículos elétricos, estimular o aumento da eletrônica embarcada nos veículos nacionais e o desenvolvimento de software”, avalia.
Ela entende que dever haver legislação de longo prazo para eficiência energética e segurança veicular, incluindo a inspeção veicular – iniciativas que estão em discussão e devem entrar no programa. A consultora defende, no entanto, que não há necessidade de oferecer subsídios para isso ocorrer, como os descontos no IPI que estão em discussão. “Na Europa e em qualquer outro país as metas de eficiência energética são impostas e as montadoras cumprem sem receber de volta qualquer incentivo ou desconto.”
Para a especialista, há outros critérios além da redução do IPI para estimular a eficiência energética e a inovação dos veículos. O melhor deles parece ser simplesmente a legislação. “O Euro V não foi introduzido apenas por legislação? Por que dar tratamento diferente para outros aspectos de eficiência energética e segurança?”
BRASIL PRECISA SE ELETRIFICAR
Letícia aponta que a tecnologia flex é a única propulsão alternativa que deve ser efetivamente incentivada na Rota 2030. Diante disso, ela reconhece que o etanol é um ponto positivo a ser considerado na política industrial, mas lembra que esse combustível não tem condições de ser globalizado.
Ela crê que é hora também de facilitar a introdução dos veículos elétricos e híbridos, com os devidos cuidados para evitar distorções, como já ocorreu no caso do etanol. “A China já adotou o carro elétrico e outros grandes mercados, como a Alemanha, também desenharam legislação para priorizar estes modelos nos próximos anos. Assim, em 2030, teremos um grande mercado global de modelos com a tecnologia e o Brasil não vai participar dele.”
CADEIA PRODUTIVA
Os investimentos dos fornecedores de autopeças diminuíram nos últimos anos, apesar da necessidade de fazer aportes em novas tecnologias e lançamento de produtos. Como explicar isso? Letícia entende que os aportes são realizados com base em dois critérios: necessidade e retorno financeiro. “A necessidade é clara, mas o retorno ficou comprometido com a queda nas vendas e o alto custo do dinheiro”.
A consultora acha prematuro falar em Indústria 4.0 no País pois a maioria dos pequenos e médios fabricantes ainda tem um baixo índice de automação. “Seria um salto muito grande”, afirma. “O importante é iniciar uma revolução de produtividade. A Indústria 4.0 seria consequência”. Para ela, alguns fornecedores de autopeças terão fôlego para encarar essa revolução na indústria, mas outros não, o que deve estimular processo de depuração desta base.
SITUAÇÃO DOS PESADOS
Letícia Costa lembra que a demanda por caminhões e ônibus passou por forte antecipação com a implementação do programa PSI. Com isso, pode demorar para que outra renovação seja necessária. Ela pondera que a retomada do setor de caminhões depende do segmento agrícola, que vem dando sua contribuição para a economia. A retomada dos investimentos também é importante, algo que só deve acontecer quando houver maior clareza dos rumos econômicos do País, englobando reformas, obras de infraestrutura (que estão paradas e dependem de privatização, em grande parte) e a retomada da confiança.
A situação do segmento de ônibus é um pouco mais complexa, avalia Letícia. Em relação aos ônibus urbanos, ela diz que as prefeituras estão sem dinheiro e, politicamente, relutam em reduzir o subsídio à tarifa. Em contrapartida, fica mais difícil cobrar uma renovação de frota. No que diz respeito aos ônibus interurbanos, tudo depende do consumidor querer e poder gastar mais em uma possível situação de retomada econômica.
ECONOMIA E CONJUNTURA
Letícia Costa acredita que o retorno à normalidade só poderá ocorrer nas eleições de 2018. Até lá o cenário deve continuar bastante conturbado. “A retomada econômica será lenta, o mesmo ocorrendo com a recuperação do emprego”. Em relação ao setor automotivo, ela reconhece que os efeitos negativos da recessão já foram sentidos em grande parte, com desemprego (que já dá sinais de retomada), prejuízos financeiros e empresas em recuperação judicial.
Para ela, o resultado mais perverso da crise é o foco excessivo o governo e das empresas no curto prazo. “O Brasil precisa trabalhar em várias áreas simultaneamente para se manter relevante como produtor global: competitividade, tecnologia e eletrificação. Além de software”, afirma, na expectativa de que o programa Rota 2030 enderece alguns desses temas.
BALANÇO DO INOVAR-AUTO
Na análise de Letícia, o Inovar-Auto vai chegar ao fim com resultados polêmicos. O que se pretendia era alavancar a cadeia de produção, estimular o desenvolvimento tecnológico e a produção de carros mais modernos. Enquanto essas metas deixaram a desejar, houve um enorme grau de protecionismo à indústria local, o que levou a uma condenação da OMC, a Organização Mundial de Comércio. A diretora da Prada Assessoria tem opinião clara sobre o Inovar-Auto: é um programa de proteção de mercado disfarçado de inovação e sobrará muito pouco dele.
“Algumas pessoas vão argumentar que houve aumento de eficiência energética, mas existem maneiras melhores e mais consistentes de se atingir esse objetivo.” Diante disso, Letícia lembra que, com o fim do Inovar-Auto, deve acabar também a cobrança de 30 pontos percentuais adicionais no IPI.
A consultora crê que teria sido melhor não ter promovido o Inovar-Auto na forma como foi desenhado, com grandes falhas no que diz respeito a inovação por parte do fornecedor de primeiro nível, proteção de mercado, subsídio para eficiência energética e tratamento diferenciado para caminhões. Um dos avanços pretendidos foi o rastreamento dos componentes utilizados na produção de veículos, que exigiu um custoso sistema sem, no entanto, se reconhecer os resultados. Ela reforça que o câmbio foi provavelmente o mecanismo mais eficaz de promover o aumento do conteúdo local.
“Para fazer sentido o Inovar-Auto teria que ser totalmente diferente. O País precisa ter visão mais clara de como e onde pode, efetivamente, competir em uma indústria que passará por mudanças profundas nos próximos anos”, conclui Letícia Costa.
A especialista é bastante crítica sobre as medidas que estão em elaboração dentro do programa. Segundo ela, ao menos por enquanto, as iniciativas do Rota 2030 não atacam a falta de competitividade, problema que há tanto tempo atrapalha a indústria nacional.
Confira abaixo os principais pontos abordados por Letícia durante a entrevista ao vivo.
EFICIÊNCIA ENERGÉRTICA POR FORÇA DA LEI
Letícia alerta que é essencial evitar no Rota 2030 os erros cometidos no Inovar-Auto, legislação que entrou em vigor no início de 2013 e termina no fim de 2017. “O programa precisa abordar temas como aumento de competitividade com redução dos entraves brasileiros. A reforma trabalhista foi apenas um primeiro passo, é importante debater a participação que o País terá no futuro mercado de veículos elétricos, estimular o aumento da eletrônica embarcada nos veículos nacionais e o desenvolvimento de software”, avalia.
Ela entende que dever haver legislação de longo prazo para eficiência energética e segurança veicular, incluindo a inspeção veicular – iniciativas que estão em discussão e devem entrar no programa. A consultora defende, no entanto, que não há necessidade de oferecer subsídios para isso ocorrer, como os descontos no IPI que estão em discussão. “Na Europa e em qualquer outro país as metas de eficiência energética são impostas e as montadoras cumprem sem receber de volta qualquer incentivo ou desconto.”
Para a especialista, há outros critérios além da redução do IPI para estimular a eficiência energética e a inovação dos veículos. O melhor deles parece ser simplesmente a legislação. “O Euro V não foi introduzido apenas por legislação? Por que dar tratamento diferente para outros aspectos de eficiência energética e segurança?”
BRASIL PRECISA SE ELETRIFICAR
Letícia aponta que a tecnologia flex é a única propulsão alternativa que deve ser efetivamente incentivada na Rota 2030. Diante disso, ela reconhece que o etanol é um ponto positivo a ser considerado na política industrial, mas lembra que esse combustível não tem condições de ser globalizado.
Ela crê que é hora também de facilitar a introdução dos veículos elétricos e híbridos, com os devidos cuidados para evitar distorções, como já ocorreu no caso do etanol. “A China já adotou o carro elétrico e outros grandes mercados, como a Alemanha, também desenharam legislação para priorizar estes modelos nos próximos anos. Assim, em 2030, teremos um grande mercado global de modelos com a tecnologia e o Brasil não vai participar dele.”
CADEIA PRODUTIVA
Os investimentos dos fornecedores de autopeças diminuíram nos últimos anos, apesar da necessidade de fazer aportes em novas tecnologias e lançamento de produtos. Como explicar isso? Letícia entende que os aportes são realizados com base em dois critérios: necessidade e retorno financeiro. “A necessidade é clara, mas o retorno ficou comprometido com a queda nas vendas e o alto custo do dinheiro”.
A consultora acha prematuro falar em Indústria 4.0 no País pois a maioria dos pequenos e médios fabricantes ainda tem um baixo índice de automação. “Seria um salto muito grande”, afirma. “O importante é iniciar uma revolução de produtividade. A Indústria 4.0 seria consequência”. Para ela, alguns fornecedores de autopeças terão fôlego para encarar essa revolução na indústria, mas outros não, o que deve estimular processo de depuração desta base.
SITUAÇÃO DOS PESADOS
Letícia Costa lembra que a demanda por caminhões e ônibus passou por forte antecipação com a implementação do programa PSI. Com isso, pode demorar para que outra renovação seja necessária. Ela pondera que a retomada do setor de caminhões depende do segmento agrícola, que vem dando sua contribuição para a economia. A retomada dos investimentos também é importante, algo que só deve acontecer quando houver maior clareza dos rumos econômicos do País, englobando reformas, obras de infraestrutura (que estão paradas e dependem de privatização, em grande parte) e a retomada da confiança.
A situação do segmento de ônibus é um pouco mais complexa, avalia Letícia. Em relação aos ônibus urbanos, ela diz que as prefeituras estão sem dinheiro e, politicamente, relutam em reduzir o subsídio à tarifa. Em contrapartida, fica mais difícil cobrar uma renovação de frota. No que diz respeito aos ônibus interurbanos, tudo depende do consumidor querer e poder gastar mais em uma possível situação de retomada econômica.
ECONOMIA E CONJUNTURA
Letícia Costa acredita que o retorno à normalidade só poderá ocorrer nas eleições de 2018. Até lá o cenário deve continuar bastante conturbado. “A retomada econômica será lenta, o mesmo ocorrendo com a recuperação do emprego”. Em relação ao setor automotivo, ela reconhece que os efeitos negativos da recessão já foram sentidos em grande parte, com desemprego (que já dá sinais de retomada), prejuízos financeiros e empresas em recuperação judicial.
Para ela, o resultado mais perverso da crise é o foco excessivo o governo e das empresas no curto prazo. “O Brasil precisa trabalhar em várias áreas simultaneamente para se manter relevante como produtor global: competitividade, tecnologia e eletrificação. Além de software”, afirma, na expectativa de que o programa Rota 2030 enderece alguns desses temas.
BALANÇO DO INOVAR-AUTO
Na análise de Letícia, o Inovar-Auto vai chegar ao fim com resultados polêmicos. O que se pretendia era alavancar a cadeia de produção, estimular o desenvolvimento tecnológico e a produção de carros mais modernos. Enquanto essas metas deixaram a desejar, houve um enorme grau de protecionismo à indústria local, o que levou a uma condenação da OMC, a Organização Mundial de Comércio. A diretora da Prada Assessoria tem opinião clara sobre o Inovar-Auto: é um programa de proteção de mercado disfarçado de inovação e sobrará muito pouco dele.
“Algumas pessoas vão argumentar que houve aumento de eficiência energética, mas existem maneiras melhores e mais consistentes de se atingir esse objetivo.” Diante disso, Letícia lembra que, com o fim do Inovar-Auto, deve acabar também a cobrança de 30 pontos percentuais adicionais no IPI.
A consultora crê que teria sido melhor não ter promovido o Inovar-Auto na forma como foi desenhado, com grandes falhas no que diz respeito a inovação por parte do fornecedor de primeiro nível, proteção de mercado, subsídio para eficiência energética e tratamento diferenciado para caminhões. Um dos avanços pretendidos foi o rastreamento dos componentes utilizados na produção de veículos, que exigiu um custoso sistema sem, no entanto, se reconhecer os resultados. Ela reforça que o câmbio foi provavelmente o mecanismo mais eficaz de promover o aumento do conteúdo local.
“Para fazer sentido o Inovar-Auto teria que ser totalmente diferente. O País precisa ter visão mais clara de como e onde pode, efetivamente, competir em uma indústria que passará por mudanças profundas nos próximos anos”, conclui Letícia Costa.