Papo-cabeça

Publicado em
21 de Junho de 2012
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Um executivo especialista em fusões e aquisições que trabalha quatorze horas por dia debruçado sobre números e análises econômicas deveria separar uma parte de seu tempo para aprender piano, cuidar do jardim ou apenas estudar uma forma mais criativa de enfileirar os temperos na cozinha. Ao dedicar-se a assuntos que não lhe são particularmente atraentes, ele conseguirá melhorar a sua capacidade de decidir e, por consequência, sua performance. Isso acontecerá, basicamente, porque estará dando trabalho para áreas de seu cérebro que até então estavam "adormecidas".

A recomendação vem de um grupo de estudiosos ligados à neurociência e à sociologia que analisa o comportamento do cérebro dos experts. Pablo Martin de Holan, PhD, professor do IE Business School e do MIT, faz parte dele.

Com a ajuda de neurocientistas, há anos ele mapeia o funcionamento do cérebro de empreendedores no momento em que tomam decisões. Para isso, realiza encefalografias magnéticas, uma técnica baseada em ressonância magnética. "Colocamos um capacete conectado a um laptop na cabeça de uma pessoa e pedimos que ela decida algo", explica. Com o equipamento, o professor capta a atividade cerebral até o exato segundo em que ela move o dedo e aperta o botão do "sim" ou do "não".

O estudo é pioneiro e envolveu ao longo da última década experimentos com dezenas de profissionais. Uma das conclusões, segundo Holan, é que quando a pessoa domina um assunto ou uma tarefa por meio do estudo e da repetição, o cérebro aprende caminhos simplificados para tratá-los. O órgão fica mais eficiente e a pessoa mais segura. "Ao memorizarmos sequências, criamos um padrão. Desse modo, o que antes parecia complexo, com a prática se torna mais simples."

Diante de uma decisão sobre um tema que lhe é familiar, por exemplo, um expert decide com maior rapidez, pois seu cérebro não precisa fazer muito esforço para entendê-la. O risco, segundo o professor, é que o profissional passe a decidir tudo no "piloto automático" e deixe de levar em conta algumas variáveis.

"Aprender coisas nas quais você não é bom o ajudará no futuro a tomar decisões mais sofisticadas", diz Holan, da IE Business School
Na opinião de Holan, a rapidez dos especialistas é positiva na medida em que eles são ágeis para enxergar oportunidades que podem desaparecer em pouco tempo. A grande questão, contudo, é que ao fazer isso eles tendem a repetir estratégias de sucesso usadas no passado, apenas por estarem seguindo um determinado padrão de comportamento preestabelecido. "Eles falham ao ignorar alguns sinais, mesmo fracos, que demonstram que o contexto mudou", diz.

Alguém que não seja tão especializado levará mais tempo para decidir, pois precisará reunir informações para que seu cérebro encontre uma resposta para algo novo. Em contrapartida, estará mais alerta às variáveis. "Qualquer anomalia no cenário é mais facilmente percebida", afirma.

Nenhuma dessas constatações, no entanto, condena a especialização, ressalta o professor. Ainda assim, é necessário melhorar a performance do seu cérebro para que a decisão padrão não predomine. Isso só será possível se a pessoa investir no treino de atividades que não estão relacionadas com o seu expertise ou sua área de interesse e aptidão naturais. O retorno que o profissional terá apostando apenas naquilo que já tem habilidade será sempre menor. "Aprender coisas nas quais você não é bom o ajudará no futuro a tomar decisões cada vez mais sofisticadas", diz.

O objetivo deve ser equilibrar a atividade existente nos dois lados do cérebro, o racional e o intuitivo. "Todo mundo tem um deles mais desenvolvido que o outro", afirma. Ele lembra que a primeira confirmação científica de que partes do cérebro respondem por coisas diferentes aconteceu por volta de 1850. Um economista, por exemplo, pode ser menos emocional e mais racional na forma de ver o mundo e de conduzir um negócio. Já um empreendedor tende a ser mais apaixonado por uma ideia e menos realista na hora de decidir sobre um investimento. "Em muitos casos, eles vão precisar de alguém que tenha essa percepção mais racional para ajudá-los", diz.

Holan defende que os cursos de MBA e mestrado estimulem mais a criatividade para ajudar a mobilizar outro lado do cérebro dos alunos. "Ensinar os estudantes a formar padrões e a adquirir expertise sobre determinadas matérias é muito mais fácil do que estimular a criatividade, que precisa ser vivenciada", afirma.

A intuição, por sua vez, também não pode ser ensinada, mas sim desenvolvida. "Todos nós temos um lado intuitivo, em diferentes níveis. O cérebro tem um potencial, mas precisa ser treinado", afirma.

Para se tornar uma pessoa mais criativa, segundo Holan, não é preciso dar grandes passos. Ao mudar detalhes do cotidiano, desafiando a tendência do cérebro de repetir o que sabe, o profissional já começa a trocar a lente com que observa o mundo. Essa transformação, porém, não deve se limitar ao que acontece no trabalho e nas decisões econômicas. "Ela pode começar em pequenas ações como no jeito de se vestir, de arrumar o armário, de cozinhar ou de colocar a comida no prato", exemplifica.

Para o professor, uma pessoa pode aprender a cantar sem nunca se tornar um Pavarotti. O objetivo não é ser bem-sucedido em outra área, mas buscar um tipo de experiência que não seria adquirida em seu meio de atuação.

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