Os desafios do Brasil pós impeachment*

Publicado em
01 de Setembro de 2016
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Não há novidades quando se diz que o Brasil, após o impeachment da Presidente Dilma, e passada a ressaca das Olimpíadas, iniciou um período de grandes incertezas.

Além da prolongada recessão econômica, o caos se instalou quase que de forma generalisada em todos os setores, pois é difícil dizer, com as raríssimas e honrosas exceções, onde não há problemas graves para serem resolvidos. A crise é política, econômica, social e moral e, portanto, demasiadamente complexa e profunda, para ser superada com um “passe de mágica” ou no curtíssimo prazo.

E apesar de se ter melhoradas as expectativas, refletidas nas projeções de alguns dos indicadores econômicos (o instituto Focus já está projetando, para 2017, crescimento econômico de 1,23%, contra 0,3% projetado cerca de seis meses atrás), nada justifica otimismos exagerados, principalmente quando se trata do curto prazo. Até porque dados relativos ao segundo trimestre deste ano dão conta de que os problemas perduram: o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 0,6% quando comparado com o primeiro trimestre e 3,8% quando comparado com o mesmo trimestre do ano passado. É a 6ª queda trimestral consecutiva (1).

Não fossem apenas os dados negativos do PIB, a inflação ainda se mantem na casa dos dois dígitos (2) e a taxa de desemprego, medida pelo PNAD Contínua, do IBGE, mostra que no último mês de julho, alcançou o seu pior índice; 11,6%. Esse percentual, por sua vez, equivale a outro recorde: 11,8 milhões de desempregados.

Incertezas quanto ao crescimento econômico na China, excesso de protecionismo dos países importadores de produtos brasileiros, aumento extraordinário da dívida pública e a modificação na demografia brasileira, são outros problemas que atormentarão, e muito, este e, sem dúvida, os próximos governos.

Como comentado anteriormente, o Sr. Temer, que já “não desfruta da confiança da maioria dos brasileiros, posto que, direta ou indiretamente, ele participou dos governos petistas, seja como vice-presidente da República ou como presidente do principal partido da base de apoio, o PMDB”, será visto com desconfiança ainda maior, na medida que qualquer progresso obtido, como consequência das “novas políticas” (3), será lento e pouco visível para a maioria da população. O quê esperar, não só da população, mas também do Congresso Nacional (4) quando medidas mais duras e sem apelos populistas precisarem ser tormadas?

Há que se considerar, inclusive, que finalizada a interinidade do Sr. Michel Temer na Presidência da República, as cobranças serão ainda maiores e as exigências, quanto ao ajuste fiscal e à geração de empregos aumentarão. Complementarmente, a oposição ao seu governo, agora liderada pelo PT (o discurso de despedida da Dilma mostrou isso), será muito mais forte, contundente e permanente.

Para complicar ainda mais esse cenário já difícil, há quatro pontos importantíssimos a serem observados, cujos desfechos são impossíveis de se prever: (i) a continuidade da operação Lava-Jato, que tem criado “um certo terror” para um contingente razoável de políticos e empresários, (ii) o julgamento do ex-presidente da Câmara dos Deputados, o Sr. Cunha que, infelizmente ainda parece conter um poder político significativo; (iii) o problema jurídico criado pelo Senado, quando desmembrou o julgamento da ex-presidente em duas partes: perda de cargo e inabilitação política; e (iv) a possibilidade de que o Sr. Temer, em face da ação interposta pelo PSDB, junto ao Tribunal Superior de Justiça, quando acusou a chapa Dilma / Temer de se utilizar de dinheiro desviado da Petrobrás para financiar a campanha política, possa vir a ser considerado como réu.

Portanto, neste delicadíssimo momento da vida nacional, e volto a repetir, sem saber o que poderá ainda acontecer, em face dos quatro pontos elencados no parágrafo anterior, o novo governo não terá tréguas e, nem tampouco, facilidades para realizar as tarefas que são necessárias para tirar o Brasil da ruim situação na qual se encontra.

Em face dessas considerações, estou cada vez mais convicto de que o Sr. Temer, até para cumprir o que já disse (“O que eu quero é deixar a economia melhor e o Estado pacificado, sem a divisão que encontrei” – site do Estado de 30.08.16) e caso queira, de fato, governar para o Brasil e à favor dos brasileiros, deveria, já em seu pronunciamento de posse, deixar claro quatro pontos fundamentais:

a) Prometer que não será candidato na próxima eleição presidencial;
b) Mostrar, de forma clara, transparente e didática, a real situação da economia brasileira atual e a “herança” recebida do governo anterior (sem acusações desnecessárias);
c) Encaminhar propostas voltadas ao equilíbrio fiscal (5) e ao estímulo do investimento e do emprego;
d) Encaminhar propostas para as reformas que, no médio e longo prazos, serão imprescindíveis para a melhoria das condições políticas, econômicas e sociais do País.

A concecução do equilíbrio fiscal é fundamental, pois é a única forma de se evitar riscos de insolvência (que por sua vez podem levar o governo à emissão de moedas e papéis), trazer a taxa de juros para patamares razoáveis e permitir investimentos do próprio governo.

Por outro lado, é a partir do equilíbrio das contas públicas que a oferta de investimentos privados pode aumentar. É somente a partir desse ajuste que os investidores estarão dispostos a trazer recursos e investir no Brasil. São fartas as notícias de que resgatadas a credibilidade e a confiança no governo (o ajuste fiscal é um dos motivos), investidores, inclusive estrangeiros, estarão dispostos a investir no País. Grandes empresários e gestores de fundos têm dito que a partir do momento no qual o novo governo comece a implantar políticas voltadas ao ajuste fiscal e ao estímulo das concessões e das privatizações, notadamente aquelas voltadas à infraestrutura, os investimentos privados se realizarão.

As necessidades são imensas e as mais diversas possíveis (6), mas será obrigatório que se estabeleçam prioridades, pois em dois anos e meio é impossível querer resolver ou encaminhar solução para tudo.

(1) Dados publicados pelo IBGE, com relação ao segundo trimestre de 2016. Pelo lado das despesas: Consumo das famílias, - 0,7%; consumo da administração pública, - 0,5%; FBCF, + 0,4%. Pelo lado da oferta: Indústria, + 0,3%; agropecuária, - 2%; serviços, - 0,8%.

(2) A consequência inevitável, da persistência a inflação será a manutenção da taxa Selic em níveis ainda altos. As novas expectativas apontam queda dos juros somente para o ano de 2017.

(3) Jornalista Fernando Dantas, do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), dia 30/08/16: “O discurso político do impeachment, portanto, não fica em pé no que se refere à política econômica. E isso é, na verdade, um trunfo para o País. Após o desastrado experimento nacional-populista da nova matriz econômica, e independentemente do feroz conflito político-partidário, quadros tecnocráticos dos principais partidos em conflito passaram pelo poder nos dois últimos anos e mantiveram o leme da política econômica na direção da racionalidade”.

(4) O Estadão publicou, no início desta semana, levantamento realizado pelo Broadcast, com líderes das bancadas da Câmara dos Deputados, que mostra que o Sr. Temer “não reúne, no momento, apoio suficiente para aprovar o congelamento em termos reais do teto de gastos públicos, base do programa oficial de reequilíbrio fiscal”.

Importante ressaltar, também, a péssima situação da política brasileira atual, que, com base na máxima do “é dando que se recebe”, transformou os governos em balcões de negócios e os executivos de plantão, em todas as esferas, em reféns de políticos apenas interessados em si mesmos.

Os conflitos políticos poderão ser ainda maiores, na medida em que o PMDB não quer ser o único partido a ter o “rótulo” de principal defensor das políticas impopulares. Agradar os aliados (leia-se, inclusive o PSDB) e o setor empresarial e, ao mesmo tempo, ter que tomar medidas que são do desagrado da maioria da população, poderá dar, a ele, Temer, insegurança e governabilidade muito grande.

Há que se lembrar, inclusive, que ainda durante os próximos dois meses teremos um Congresso Nacional esvaziado em função das eleições municipais e, nos próximos dias, discussao a respeito do teto salarial dos funcionários públicos federais e do aumento salarial dos ministros do STF. Em tempo: muitos pemebedistas, incluindo-se o presidente do Senado, Sr. Renan, têm algumas contas para ajustar perante o STF. Manter boas relações com o Congresso Nacional, como se vê, é uma tarefa cada vez difícil e necessária, exigindo, do novo governo, habilidade e muita firmeza.

(5) O Rombo do Governo Central, que inclui as contas do Tesouro, da Previdência e do Banco Central, em julho deste ano, alcançou o pior resultado desde 1997, R$ 18,6 bilhões! Somente as Contas da Previdência, que aumentaram 67,2% se comparados com o ano passado, tiveram um saldo negativo de R$ 72,3 bilhões. A PEC do Teto de Gastos é cada vez mais imprescindível.

(6) Reformas Política, da Previdência e das Leis Trabalhistas, controle do gasto Público e contingenciamento das despesas obrigatórias, diminuição e seletividade de isenções tributárias, diminuição do papel do Estado, enxugamento e aumento da produtividade da máquina pública, privatizações, estabelecimento de regras claras para as PPP e os programas de concessões, simplificação tributária, investimentos em infraestrutura, maior abertura da economia e melhorias nos programas de financiamento do comércio exterior, fortalecimento das agências reguladoras, diminuição do custo Brasil etc.

* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.

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