Os desafios de quem assume a presidência pela primeira vez

Publicado em
29 de Agosto de 2013
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Sentar na cadeira de CEO (Chief Executive Officer) pela primeira vez requer mais do que competência. Segundo executivos com mais tempo no cargo, é preciso saber definir as melhores estratégias para o negócio, escolher as pessoas certas e motivar equipes. A missão de ser o número um na empresa também exige habilidades de comunicação e diálogo, construção de parcerias duradouras no escritório, além de ser um líder inspirador, que transmite confiança. "Ao chegar ao topo, evite falar demais e não prometa o que não vai poder entregar", aconselha Luiz Edmundo Rosa, diretor de educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).

A executiva Eva Labarta, de 40 anos, assumiu em junho a presidência da everis Brasil, consultoria de tecnologia, negócios e outsourcing, dona de um faturamento mundial de €564 milhões. É a sua primeira experiência na função. Para ela, o cargo "personifica a empresa" e é preciso dar um bom exemplo. "É necessário ter disponibilidade para atender demandas e estar presente nas mais diferentes situações".

Eva comanda um quadro de mil funcionários distribuídos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e terá duas tarefas fundamentais: multiplicar por dez o tamanho da everis no país e conseguir que a operação nacional, hoje na terceira posição, seja a primeira do ranking global da corporação. "Isso implica contar com os melhores profissionais e formar parcerias adequadas às necessidades dos clientes", diz. Para seguir na empreitada, ela se arma com uma equipe direta de 65 executivos, entre sócios, diretores e gerentes.

As metas de crescimento não assustam a executiva. Eva conhece as engrenagens da empresa desde 1999, quando foi contratada como consultora. Permaneceu até 2004 e retornou dois anos depois. Nesses períodos, atuou como sócia-diretora do desenvolvimento de negócios nos setores público, de saúde e energia, e liderou projetos na Europa e América Latina. Agora, no posto máximo da organização no Brasil, ela não percebe mudanças de comportamento entre antigos pares e subordinados. "Podemos eliminar a hierarquia das relações para garantir melhores resultados e conhecer sugestões e pontos de melhoria". Para quem também acaba de virar CEO, como ela, o conselho é simples: "falar a metade do que se escuta".

Segundo Rosa, da ABRH, usar o crachá de presidente pode abalar significativamente o contato com velhos colegas. "A nova posição inclui rever estratégias e estruturas, o que pode afetar a relação com os colaboradores", diz. Para ele, os funcionários devem entender que o papel determina mudanças de comportamento, sem que necessariamente apareçam distanciamentos e formalidades. O executivo deve conhecer também as expectativas, negociar prioridades e investir em um trabalho vigoroso de comunicação. "Ele precisa diminuir as resistências, obter apoios, explicar o que será feito, além de motivar pessoas, reconhecer avanços e contribuições."

Há dois anos no comando da Bematech, da área de automação comercial, o diretor-presidente Cleber Morais, 48 anos, afirma que atuar de forma transparente o faz escapar do favoritismo e dos jogos de interesse no escritório. "É necessário evitar a dispersão porque nesse cargo é fácil se perder com uma agenda de poucos resultados."

Contratado diretamente para pegar as rédeas da empresa, Morais já havia decorado a cartilha de um CEO. Antes da Bematech, com cerca de mil funcionários e faturamento de R$ 330 milhões, foi presidente da Sun Microsystems e da Avaya no Brasil, ambas da área de tecnologia. Quando foi chamado para o novo posto, a companhia precisava concluir um processo de consolidação de mercado e integrar firmas recém-adquiridas. No ano passado, lançou novos produtos e apostou na expansão internacional com a venda de máquinas para a Venezuela, Panamá, Paraguai e Leste Europeu. Com foco na redução de custos, ele conseguiu elevar os ganhos, atingindo a maior margem bruta da empresa dos últimos dois anos.

"É importante entender o negócio, os clientes, os produtos, e ter um bom ambiente de trabalho", diz. Em sua opinião, a posição de CEO é isolada e exige uma série de definições diárias. Desse modo, o equilíbrio entre o trabalho, a família e os amigos é fundamental para manter a mente preparada para o estresse e as cobranças constantes.

Para Angelo Mazzochi, 48, CEO no Brasil da NTT Data, empresa de tecnologia que pertence ao grupo japonês de telecomunicações NTT, a receita para se manter no topo também inclui o apoio de colaboradores competentes. "Um CEO ruim pode dirigir uma empresa bem-sucedida com um bom time, mas o contrário não funciona."

O executivo está na companhia de 800 funcionários desde 2006, quando foi admitido como vice-presidente de contas estratégicas. Ocupa a cadeira de presidente há um ano. "Já conhecia os funcionários e essa relação se estreitou depois que assumi o lugar". Mazzochi precisa reposicionar a empresa como um dos maiores integradores de sistemas na América Latina e, ao mesmo tempo, redefinir processos internos para adequar a organização à novas necessidades globais. "A missão do CEO é garantir condições para que o time possa ser bem-sucedido."

Para fugir das armadilhas inerentes à função, a recomendação do CEO da NTT Data é não se transformar em um gargalo nas tomadas de decisão e impedir que o entusiasmo e a dedicação à nova posição extrapolem limites. "O tempo e a energia intelectual dedicados ao trabalho de forma não saudável podem ser prejudiciais para o executivo e para a empresa". Mazzochi cumpre jornadas diárias de 10 a 12 horas e tenta não trabalhar nos finais de semana.

Para Carlos Aldan, CEO do grupo Kronberg, da área de desenvolvimento de competências em lideranças, o tempo médio de permanência dos presidentes nas empresas está diminuindo - caiu de oito anos, há uma década, para quatro, em 2012. A principal razão é que eles não conseguem criar parcerias e relacionamentos com liderados e stakeholders. "As novas gerações já nascem em um ambiente cooperativo, sem hierarquias. O estilo ’comanda e controla’ torna-se obsoleto" afirma. Além de motivar o quadro, o piloto da organização deve desenvolver uma estratégia de curto e de longo prazo, mas exequível, segundo Flavio Antônio Padovan Filho, 59 anos, diretor-presidente da Jaguar Land Rover América Latina e Caribe desde 2011. "O principal desafio é conquistar a confiança de todos para fazer isso", diz.

O executivo tem uma equipe de 140 colaboradores - nove diretores e gerentes respondem a ele. As atividades incluem rotinas com uma rede de 34 concessionárias no Brasil e mais 40 parceiros de outros mercados. Nos últimos dois anos, Padovan observou que é importante comunicar o plano de ação para toda a equipe e cumprir o expediente com prazer. "Por melhor que seja a remuneração, o trabalho não vai valer a pena se você não gosta do que faz", diz ele, que já foi vice-presidente de marketing e vendas da Volkswagen do Brasil e diretor de operações da Ford Caminhões para a América do Sul.

O executivo se incumbiu de promover mudanças estruturais na Jaguar Land Rover, em atividade há 25 anos no Brasil, e dobrou o volume de vendas em dois anos. Segundo ele, somente no primeiro semestre, as entregas cresceram 33% em comparação com o mesmo período do ano passado. Rosa, da ABRH, afirma que o segredo para os CEOs de primeira viagem engordarem números com mais velocidade mistura rapidez de raciocínio com prudência. "Isso significa evitar decisões precipitadas que não levam em conta o contexto do negócio, mas, ao mesmo tempo, não demorar demais para agir."

 

Falta tempo para equilibrar a vida pessoal

Cumprir jornadas diárias acima de dez horas, trabalhar nos fins de semana e equilibrar compromissos corporativos e familiares com um extenso cronograma de viagens de negócios. A falta de tempo é o que mais atrapalha o executivo quando ele se torna CEO.

Wagner Tadeu, diretor-geral da Symantec Brasil, afirma que é essencial manter um diálogo com a família sobre a pressão no trabalho e saber escolher prioridades. "Quando se trabalha com uma equipe eficiente é possível manter uma rotina saudável", diz. Hoje, ele trabalha dez horas por dia e gasta de duas a três nos fins de semana com tarefas do escritório. Desde que tornou-se o cabeça da companhia no país, as viagens aumentaram 40% - ele embarca quase dez vezes ao ano, a maior parte para a Califórnia, sede da multinacional.

No cargo máximo da unidade de proteção de cultivos da Basf, Maurício Russomano acredita que o caminho para escapar da escassez de tempo livre é investir em planejamento. "A quantidade de compromissos e decisões a serem tomadas aumenta e planejar é essencial para ter equilíbrio entre vida pessoal e profissional". Russomano enfrenta expedientes de dez horas por dia mas tenta não se ocupar nas folgas. "Mas, às vezes, é necessário trabalhar, especialmente durante as viagens", diz ele, que chega a fazer 50 deslocamentos ao ano.

Segundo Carlos Aldan, do grupo Kronberg, da área de recursos humanos, a alta diretoria deve tentar se esquivar do estresse contínuo. "O resultado dessa rotina, além de prejudicar a saúde, é uma ’desconexão’ com as pessoas e o ambiente de trabalho". A dedicação ao emprego versus a agenda pessoal é um dos principais conflitos para se administrar à frente das corporações, segundo o diretor-presidente da Bematech, Cleber Morais. Por conta da expansão da marca, ele passa pelo menos dois dias fora de casa por semana. Para suportar a carga, o executivo realiza uma bateria de exercícios, a partir das 5h45.

Já Angelo Mazzochi, CEO no Brasil da NTT Data, precisa se dividir, todas as semanas, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda faz uma visita mensal à companhia em Curitiba e mais três ou quatro viagens internacionais ao ano. "É preciso ter proximidade com outros executivos da empresa e realizar atividades em clientes."

Já Flávio Antônio Padovan Filho, diretor-presidente da Jaguar Land Rover América Latina e Caribe, percebeu um salto de até 50% nas locomoções a trabalho, principalmente para a matriz na Inglaterra. "Tirando as horas em que estou com a família, trabalho o tempo todo. Mas tenho a sorte de ter uma ocupação que me dá prazer." (JS)

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