Quando os caminhoneiros resolveram chantagear o país, em maio de 2018, o governo Michel Temer resolveu ignorar a lei da oferta e da procura e o histórico econômico do país para ceder a um desejo da categoria: o tabelamento do frete. Assim, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), contrariando a própria lei que a criou, publicou uma tabela com preços mínimos, feita às pressas para ajudar a acabar com a greve. Os preços deveriam passar por uma revisão em julho deste ano, e desta vez o trabalho foi muito mais criterioso: pesquisadores da área de Logística da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, acrescentaram mais elementos ao cálculo, e a consulta pública contou com mais de 500 contribuições. A nova tabela de frete foi publicada no dia 18 de julho e entraria em vigor no dia 20.
Mas ela não durou muito. Imediatamente após a divulgação da nova tabela, os caminhoneiros voltaram a se mobilizar, insatisfeitos com os valores – afinal, todos os critérios técnicos envolvidos na sua elaboração pouco importavam diante do fato de que, em vários casos, o frete mínimo passaria a ser menor que na tabela de maio de 2018. O Ministério da Infraestrutura acusou o golpe e pediu à ANTT que suspendesse a resolução que implantou a nova tabela, para continuar “discutindo” a questão com os caminhoneiros, cujas lideranças estão cada vez mais fragmentadas. Enquanto alguns defendem a radicalização, outros afirmam que a nova tabela foi feita dentro da lei, ainda que discordem dos valores e defendam a conversa com o governo – só não está claro que tipo de concessões esses líderes estariam dispostos a fazer, ou se a “conversa” é só outro meio de dizer que a categoria não aceitará mudança alguma na tabela.
Uma categoria profissional está intimidando todos os poderes da República em nome de interesses corporativistas
Uma nova greve dos caminhoneiros, a esta altura, dificilmente teria o apoio que conseguiu em 2018. No início daquela paralisação, os brasileiros se empolgaram com o que parecia ser uma “rebelião tributária”, “quando a população não aceita mais a legitimidade do governo para tributá-la”, nas palavras do economista e filósofo Eduardo Gianetti da Fonseca, em entrevista dada ao jornal Folha de S.Paulo durante a greve. Mas logo ficou claro que os caminhoneiros brigavam apenas por si mesmos, e não pelo país. Mesmo assim, o fato de a população já estar precavida quanto às reais intenções dos caminhoneiros não reduz o potencial que a categoria ainda tem de causar um enorme dano ao país, nos moldes do que ocorreu um ano atrás.
O desejo de evitar uma repetição de maio de 2018 é a única explicação para que o governo federal não tenha tido a coragem necessária para defender o trabalho da ANTT – um mal menor, já que o tabelamento do frete já causou vários prejuízos ao setor produtivo e a única atitude totalmente correta seria a pura e simples revogação da tabela, que viola flagrantemente a livre concorrência. Curiosamente, o presidente Jair Bolsonaro já deu mostras suficientes de que conhece a origem do problema com os caminhoneiros. “Tivemos um problema lá atrás com o PT. O BNDES ofereceu crédito em excesso para a compra de caminhões, cresceu a frota de caminhões assustadoramente e o transportado permaneceu igual. Lei da oferta e da procura. Caiu o preço do frete”, afirmou Bolsonaro no dia 19. Esse diagnóstico, no entanto, não impediu o BNDES de abrir uma nova linha de crédito para caminhoneiros autônomos em abril deste ano, com um valor de R$ 500 milhões – a única atenuante, neste caso, é o fato de o dinheiro servir para a manutenção dos atuais veículos, e não para a aquisição de novos caminhões.
“Estamos em um país livre e democrático onde impera o livre mercado. Lei da oferta e da procura”, afirmou Bolsonaro na mesma ocasião. Mas o livre mercado não tem imperado para o transporte rodoviário, submetido a um tabelamento que, mesmo definindo apenas valores mínimos, amarra a livre negociação entre as partes, fazendo com que entes privados tenham de se submeter a preços definidos pelo governo. No caso do tabelamento do frete, a violação dos dispositivos constitucionais que protegem o livre mercado é tão flagrante que chega a ser incompreensível a inação do Supremo Tribunal Federal, que poderia resolver o problema simplesmente aplicando a Constituição."
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