Os caçadores de mitos

Publicado em
26 de Abril de 2010
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O empresário americano Sam Walton foi um dos ícones do mundo dos negócios no século 20. Não apenas por ter criado a mais revolucionária empresa de varejo da história, o Walmart - mas, talvez ainda mais importante, pela maneira com que a criou. Auxiliado apenas por sua mulher, Walton abriu suas primeiras lojinhas nos anos 40 e fundou o Walmart duas décadas mais tarde. A maior empresa de varejo do mundo, portanto, nasceu do nada e se estabeleceu em função do modelo desenvolvido por seu fundador: ter custos mais baixos que a concorrência e, assim, oferecer produtos mais baratos. Contada dessa forma, a trajetória de Sam Walton é cercada de elementos que dão à ascensão um jeito de saga. Mas, numa revisão mais detalhada, pode-se constatar que o sucesso inicial de Walton se deveu a fatores bem mais mundanos. Filho de um corretor de seguros, ele não tinha uma fortuna para investir em seu primeiro negócio. Mas seu sogro tinha: empresário rico e experiente, ele deu um senhor empréstimo para que Walton abrisse suas lojas e tivesse saúde financeira para crescer. Walton, então, aproveitou a fraqueza de varejistas de pequenas cidades americanas e foi comprando concorrentes. Apenas quando já tinha tamanho suficiente, colocou em prática a estratégia inovadora que faria a fama de sua rede.

Passagens como essas não tiram os méritos da trajetória de Walton, mas ajudam a desmistificá-la - seu caso e o de outros ícones do mundo dos negócios são descritos em From Predators to Icons - Exposing the Myth of the Business Hero ("De predadores a ícones - Expondo o mito do herói dos negócios", numa tradução livre). Escrito pelos pesquisadores franceses Catherine Vuillermot, da Universidade de Franche Comté, e Michel Villette, da AgroParisTech, o livro tem como base a análise das biografias e autobiografias de 32 empresários que, como Walton, construíram em presas globais e ficaram marcados como estrategistas ousados e inovadores. Os autores tentam derrubar a tese de que inovação e tacadas geniais foram, sozinhas, as razões para a expansão das empresas. "Um grande negócio é resultado de uma combinação de fatores, como ter bons contatos e estar apto a aproveitar oportunidades", escrevem os autores.

O principal alvo da análise de Catherine e Villette é o mito do self-made man, aquele que construiu um império a partir do zero. Colocando em números as trajetórias descritas nas biografias, os autores mostram que, entre os empresários pesquisados, dois de cada três tiveram formação universitária - alguns em instituições de prestígio, como Jim Clark, fundador do Netscape e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Além da importância óbvia para sua formação, frequentar boas escolas fez com que esses empresários estabelecessem uma boa rede de contatos logo cedo. "Metade dos integrantes da amostra já conhecia seus futuros clientes e fornecedores antes mesmo de entrar nos negócios", escrevem os autores. A história do empresário francês Bernard Arnault ajuda a ilustrar essa tese. Filho de industriais, ele tinha o dinheiro e o trânsito no governo necessários para fazer aquisições na combalida indústria têxtil francesa dos anos 80 e construir, assim, o conglomerado de luxo LVMH.

RESPONSÁVEL PELA ACUMULAÇÃO inicial de riqueza, essa postura - apelidada de "predadora" pelos autores - também acaba sendo determinante para que as empresas atinjam um estágio em que já se torna possível investir em inovação. "A inovação não é a primeira causa do sucesso. Trata-se de um processo caro e arriscado que requer dinheiro", escrevem os autores. Segundo eles, mesmo em companhias identificadas com a inovação, o mito do empresário que começou logo de cara revolucionando seu setor não se comprova. A sueca Ikea, varejista de móveis famosa por aliar preços baixíssimos a um design atraente, é um bom exemplo disso. A opção por produtos baratos se deu, na verdade, por falta de escolhas - como vendia seus móveis pelo correio e os consumidores não podiam ver os produtos, o fundador, Ingvar Kamprad, foi forçado a oferecer um preço bem mais baixo que o da concorrência. E a saída para baixar os custos não é daquelas que empreendedores, orgulhosos, destacam em suas biografias: Kamprad transferiu sua produção para a Polônia comunista no auge da Guerra Fria. Apenas depois disso, afirmam os autores, Kamprad partiu para o investimento em inovação e design. Análises como essa têm o inegável mérito de mostrar que por trás de hagiografias corporativas estavam empreendedores cujo principal desafio era sobreviver em ambientes extremamente competitivos - e que nem sempre é possível sobreviver sendo o mais bonzinho da turma. Mas, ao mesmo tempo, os autores sofrem de um indisfarçável ranço anticapitalista. São os empreendedores, afinal, a principal força motriz do capitalismo - sem milhões de empreendedores ambiciosos e "predadores", não haveria inovação, riqueza, crescimento. Cabe, portanto, ao leitor navegar entre as lendas corporativas e o tribunal dos franceses - e escolher se os empresários por trás delas são exemplos bons ou ruins.

Por João Werner Grando

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