Opinião: Respeito aos contratos nas concessões*

Publicado em
22 de Setembro de 2014
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Vivemos um momento muito positivo para a presença do setor privado na expansão da infraestrutura logística brasileira, que representa um sério gargalo à competitividade e, por consequência, ao desenvolvimento do País.

Assim, o Governo Federal vem efetuando a concessão dos principais aeroportos e trechos rodoviários, para que as concessionárias façam os necessários investimentos em ampliação, modernização e manutenção, de modo a superar a atual defasagem. E vários estados também estão realizando concessões na forma de parcerias público-privadas.

A concessão de serviços públicos de infraestrutura a empresas privadas tornou-se uma tendência mundial nas últimas décadas, envolvendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, telecomunicações, e outras áreas.

Duas razões principais determinaram esse rumo para mais de 70 países: o crescimento das despesas públicas com educação, saúde, segurança, justiça e aposentadorias, reduzindo disponibilidades orçamentárias, ao lado dos avanços tecnológicos, que exigem uma agilidade na gestão que o poder público não possui.

Apesar dessa expansão mundial, no Brasil o sistema de concessão, embora já tenha sido utilizado no passado, ainda parece estranho a determinados segmentos políticos, que parecem confundi-lo com a contratação de serviços, quando a natureza dos dois processos é totalmente diversa.

Na concessão, o instrumento fundamental é o contrato, que uma vez assinado pelo poder concedente e pelo concessionário define prazos, condições e responsabilidades das duas partes, e a taxa de retorno acordada.

Ficam para o concessionário tanto os riscos como os ganhos decorrentes de mudanças normais do mercado, seja de preços de materiais e serviços, ou de volume de atividades. Isso não impede alterações no contrato, que podem ser feitas pelo poder concedente, desde que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro previsto inicialmente, para o que a concordância do concessionário é necessária.

Assim, as demonstrações de custos e receitas estimadas na proposta ganhadora da licitação servem apenas para definir a Taxa Interna de Retorno (TIR), que deve ser restabelecida quando há intervenção do governo ou alterações contratuais.

Não havendo essas interferências, se a concessionária gastar mais do que previu ou arrecadar menos, o problema é dela. E o mesmo se verifica se conseguir gastar menos e arrecadar mais, cumprindo as condições estabelecidas no contrato.

Assim, em definitivo, não há que se falar em sobrepreço, superfaturamento, etc. nos contratos de concessão, erros corriqueiros cometidos pelos que desconhecem o marco legal ou o fazem com outras intenções.

Como os investimentos são altos e os prazos das concessões são longos – 15, 20 ou mais anos (em alguns países já chegaram a 100 anos), o respeito aos contratos e às condições pactuadas de equilíbrio econômico-financeiro constituem a base da credibilidade do processo e a garantia de que haverá investidores interessados.

Ainda mais, porque parte das empresas constituídas para administrar concessões são de capital aberto, cujos acionistas, entre os quais estão fundos de pensão e aposentados, buscam aplicações seguras para seus recursos.

Apesar da importância da credibilidade quanto ao cumprimento dos contratos para a continuidade dos programas de concessão, vez por outra titulares do poder concedente extrapolam sua competência e fazem alterações sem o adequado e necessário reequilíbrio financeiro.

Isso já aconteceu no setor de rodovias no Rio Grande do Sul, Paraná e Espírito Santo, sendo que, nos dois primeiros estados, os rompimentos contratuais foram levados à Justiça, a qual, seguindo o que estipula a legislação, deu ganho de causa às concessionárias, estabelecendo jurisprudência a respeito da integridade das condições pactuadas.

São Paulo, estado que sempre se pautou pelo cumprimento dos contratos assinados, parece querer seguir o caminho que a Justiça considerou ilegal, com a concessão de reajustes abaixo do que prevêem os contratos. Esperamos que essa atitude seja revista, uma vez que o estado vem sendo destinatário da maior parte dos investimentos realizados por concessionárias no País. A considerar também que há novos projetos em estudo, outros já elaborados e parte, em licitação.

Em épocas eleitorais, há sempre a tentação de grupos políticos e mesmo governadores, como aconteceu em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, de romper ou alterar contratos sem reequilibrá-los, para obter bônus eleitoral, apresentando rodovias em boas condições com os usuários pagando menos.

O ônus fica para as próximas gestões, como disse um desses governadores, no momento em que a Justiça definir a incorreção do que foi feito, e a sociedade for chamada a pagar por essas decisões eleitoreiras.

Quando os contratos não são cumpridos, a arrecadação prevista cai e as concessionárias precisam reduzir seus investimentos e gastos operacionais, atrasando os projetos. No caso extremo de rompimento de contratos, o resultado é a degradação das rodovias melhoradas pela concessionária.

Além do mais, seus usuários deixam de contar com o atendimento mecânico e pré-hospitalar fornecido pelas concessionárias, que se tornou exemplo, tendo recebido prêmios internacionais.

A ampliação do sistema “quem usa paga” nas rodovias não é uma jabuticaba, como se costuma classificar as medidas que só o Brasil adota. Além de existirem mais de 70 países com rodovias pedagiadas, a liderança cabe à China, com seus mais de 155 mil quilômetros – número quase igual ao total da rede pavimentada brasileira.

Nem é uma inovação neoliberal, visto que, além da China, o Vietnam e a Rússia estão expandindo seus processos de cobrança pelo uso das rodovias. Na maior parte dos países em que há rede pedagiada, a gestão é descentralizada e entregue, em geral, a concessionários privados.

O Brasil precisa de investimentos em infraestrutura e o setor privado já mostrou que tem interesse em realizá-los, de forma competente e séria. A continuidade do processo é essencial para sermos mais competitivos, gerar novos empregos e reduzir o “Custo Brasil”. E isso depende da confiança de que haverá respeito aos contratos de concessão.

*Ricardo Pinto Pinheiro, engenheiro, é presidente-executivo da ABCR - Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias. Especialista em Políticas Públicas e Regulação, foi professor da UNIFEI, UERJ e UnB, Secretário de Energia do MME, presidente da ELETRONORTE, diretor-presidente dos reguladores DNAEE, DNC e ADASA, diretor da ANP, especialista em infraestrutura do BID em Washington – DC, presidente da ABAR - Associação Brasileira de Agências de Regulação.

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