Quando se fala da evolução das redes de telefonia celular no Brasil, todos ficam fascinados com a promessa de crescente interatividade e uma experiência do usuário sem igual, com o download quase imediato de filmes em alta definição ou mesmo aplicações mais avançadas como a inteligência artificial ou carros autônomos. Fica à escolha do freguês qual o exemplo mais tocante para a migração e que, hoje, no Brasil, está focada no 5G, as chamadas redes de 5ª geração.
Ato contínuo, com a entrada de novas tecnologias, as mais antigas são desativadas e é isso que está prestes a acontecer com as chamadas tecnologias 2G, que usam o chamado padrão GSM. Só tem um problema: esse desligamento no Brasil, da forma como está acontecendo, pode e irá aumentar o problema do roubo de carga e furto de veículos. Oi, como é?! É isso mesmo!
Existem incontáveis dispositivos de rastreamento veicular e de monitoramento de carga que usam exclusivamente essa tecnologia. Por quase 15 anos, o rastreamento de transporte de cargas dependeu da tecnologia de comunicação 2G e estima-se na casa dos milhões de caminhões e outros veículos de carga que terão de passar por troca de equipamentos.
Sim, é sabido há tempos que essa transição um dia iria acontecer e que as empresas serão obrigadas a migrar para tecnologias mais modernas. Porém, o custo dessa transição é elevado e as empresas não dispõem de recursos para esta migração que envolve parar incontáveis veículos ou descartar milhares de terminais. No final do dia, quem pode ter de pagar essa conta é a sociedade, que ou vai precisar bancar a transição para novas tecnologias de rastreio de veículos - os chamados cascos - ou as iscas, que são dispositivos incluídos disfarçados na carga de caminhões para prevenir o roubo de carga.
Só para se ter uma ideia, o prejuízo com o roubo de cargas no Brasil no ano passado ficou na casa de R$ 1,2 bilhão, segundo dados da NTC & Logística, projeção essa que nós, na GRISTEC, consideramos conservadora. Agora imagine que uma das barreiras para esse número aumentar ainda mais, impactando toda a sociedade, são estes dispositivos considerados defasados…
Interesses e canibalização
Não é difícil entender sobre os interesses das operadoras sobre a decisão de descontinuar as tecnologias 2G e 3G, mesmo que elas ainda funcionem bem para a maioria dos aplicativos IoT: oferta e demanda. Embora essa tecnologia tenha sido revolucionária na época do seu lançamento, há mais de 20 anos, hoje em dia ela se tornou obsoleta e vem gradativamente sendo substituída por tecnologias mais modernas, como o 4G e o 5G.
Quando olham para suas ERBs (estações rádio base, nome dado às antenas de telefonia celular em campo), o que as operadoras veem é apenas mais um equipamento antigo que podem desligar para dar lugar a um novo para oferecer novos - e mais rentáveis - serviços de voz e dados aos usuários.
Uma das justificativas é a questão da manutenção destes equipamentos 2G em campo, na infraestrutura das redes celular: sem peças de reposição, ou sem interesse em bancar este custo, o que as empresas estão fazendo é simplesmente mover um equipamento de um lugar para outro, muitas vezes sem fazer ajustes finos de configuração.
Isso gera situações bizarras e inesperadas para as indústrias de rastreamento e gerenciamento de risco, com equipamentos que estão às vezes em Florianópolis, mas que estão recebendo sinais como se estivessem em São Paulo. Ora, o que acontece é que um equipamento 2G que estava em São Paulo, provendo serviços de localização, mudou de Estado na infraestrutura da operadora, sem que fossem feitos sua configuração de forma adequada.
Impactos
Quando pensamos nos impactos para a migração, podemos desmembrar nos seguintes pilares:
Financeiro: haverá um altos custos com rede técnica para execução dos serviços de substituição de equipamentos (retirada e nova instalação) e envio/descarte dos equipamentos desinstalados, incluindo aí os impactos nas operações dos clientes que precisam parar suas frotas e veículos para a troca de equipamentos; Além disso, via de regra os equipamentos de rastreamento são comercializados no Brasil em regime de comodato e não na modalidade de venda. Portanto, um eventual recall para troca dos equipamentos terá altíssimo custo, que muitas empresas não têm como assumir no curto prazo;
Operacional: hoje o mundo passa pela falta de componentes e semicondutores e podemos enfrentar uma queda ou indisponibilidade de equipamentos no mercado para atender a toda a demanda de forma simultânea e não planejada.
Prazo: considerando a frota atual da empresa, a permanência média de clientes, depreciação dos equipamentos já adquiridos, distribuição da frota no território brasileiro, saúde financeira da empresa, fluxo de caixa entre outros fatores, estimamos um prazo entre 5 a 7 anos para migrar 100% do mercado brasileiro de dispositivos 2G para a tecnologia 4G. Sabemos que em outros mercados como Bélgica, Luxemburgo, Polónia, Roménia, Eslováquia e Espanha, sobre o desligamento de redes 3G e 2G, os impactos foram tais que foi estendido o funcionamento das rede 2G até 2030.
Tempo
Já ouvimos muito sobre os porquês dos interesses das redes de telefonia celular sobre a migração para novas tecnologias. Também buscamos envolver outros agentes da sociedade para debater o problema de forma conjunta, mas sem resultados práticos até o momento. É do nosso entendimento como GRISTEC que essa transição, como está, afetará diretamente a sinistralidade dos clientes de todas as seguradoras, independentemente do Estado da Federação ou classe social.
É do nosso entendimento que esse assunto não pode ser deixado a cargo das políticas e interesses comerciais de operadoras, mas sim deve ser alvo de uma política pública que viabilize para as empresas envolvidas um prazo exequível para a devida transição tecnológica, ou que provenha linhas de financiamento para essa transição, via BNDES ou outros órgãos de fomento. E precisamos sobretudo de tempo: tempo para a troca do parque instalado de dispositivos no Brasil e tempo para sentar à mesa reunindo representantes do setor de transporte, seguros, ANTT e Anatel para debater o problema que, afinal, afeta a toda a sociedade.
* Alexandre Barbosa: Formado em comunicação pela Universidade de São Paulo, e com MBA em Sustentabilidade em TI pela Escola Politécnica, também da USP, Alex Barbosa é diretor de marketing da GRISTEC e gerente de marketing da GUEP, empresa de tecnologia que atua na área de logística. Com ampla experiência na área de TI e inovação, atuou em grandes empresas como a Itautec, além de acumular passagens por veículos de imprensa como Veja, Info Exame e O Estado de S. Paulo.