“Períodos de crise não são períodos de abandono de estratégia. No máximo, de revisão estratégica.”
Em julho de 2015, aqui mesmo no Portal Guia do TRC, eu escrevi um texto que esboçava as principais características do moderno operador logístico (“Tendências dos Operadores Logísticos”), sempre ressaltando o que tenho chamado de “importância estratégica das operações logísticas” (1), posto que somente através de uma logística eficiente e eficaz, seja na empresa ou em um país, é que se alcançarão progresso e desenvolvimento.
Mesmo, ou principalmente, em épocas de recessão, de crise ou de grandes incertezas, como esta na qual vivemos atualmente, os mercados logísticos, em todo o mundo, vivem momentos de acirramento e de aumento na competição, pois a integração das diversas cadeias de abastecimento, que compõem o sistema produtivo, é cada vez mais fundamental e necessária (2), sendo a terceirização desses serviços, cada vez mais comum.
Neste cenário têm surgido grandes oportunidades, não só para operadores, mas também para usuários da logística, uma vez que a necessidade de melhorar a logística e o “supply chain”, converteu-se em fator fundamental do sucesso de qualquer empreendimento, privado ou público. Se a melhoria no atendimento a clientes, a redução de custos e a racionalização operacional transformaram-se em objetivos indiscutíveis, a busca da eficiente integração dos vários agentes que compõem as cadeias de abastecimento também se transformou em objetivo a ser alcançado. E simultaneamente!
Não se pode esquecer que os operadores logísticos, sempre buscando adequação às novas exigências de mercado e às mudanças de ambientes nos quais estavam inseridos, promoveram profundas alterações em suas próprias características, desenhando, inclusive, um conjunto de novas atribuições (3).
Para isso foi fundamental entender que uma logística eficaz, assim compreendida, além de contribuir para a diminuição dos custos operacionais, também se tornou em instrumento de crescimento das forças de marketing, na medida em que possibilitou o aproveitamento e a exploração de mercados mais distantes (de insumos ou para os produtos finais), agregou valor ao produto e à empresa e gerou satisfação ao cliente.
Consequentemente, e diferente do que ocorreu em épocas recentes, é que agora, além de se buscar soluções mais inteligentes para a diminuição dos gastos logísticos, passou-se a se discutir a logística sob o ponto de vista estratégico, uma vez que ela propicia, para empresas e países, vantagens competitivas imprescindíveis. A logística transformou-se em diferencial mercadológico, pois pelo menos no curtíssimo prazo, o novo modelo logístico implantado não poderá ser copiado ou imitado. E na medida em que isso ocorre, mais a logística passa a ser considerada como ativo da própria empresa ou do país. Não é por acaso, como já dito, que o sucesso das atividades econômicas e comerciais depende, em larga escala, da integração eficiente dessas atividades, papel central da logística.
Portanto, se a logística já tinha como missão disponibilizar o produto certo, na quantidade certa, no lugar certo, no tempo certo e com o menor custo possível, ela agora está incorporada à estratégia empresarial (e também governamental) e é imprescindível considerá-la quando se elaboram planos de negócios, de crescimento e desenvolvimento econômicos.
Na sequência, os operadores logísticos, responsáveis pela terceirização desses serviços junto a um número cada vez maior de empresas, deixaram de ter atuações meramente operacionais e passaram a exercer, junto aos seus clientes, funções fundamentalmente estratégicas, aumentando o nível de controle sobre suas operações, expandindo o esboço de seus contratos e oferecendo serviços cada vez mais complexos e sofisticados (4). Transformou-se em consenso, inclusive, entre os especialistas, que esses tipos de serviços logísticos somente poderão ser executados por operadores que, de fato, tenham relacionamentos estratégicos com seus clientes e que contemplem compartilhamento de riscos. Se no início, os clientes exigiam, essencialmente, redução de custos em operações com nichos e infraestrutura específicos, agora a busca é para se contratar gerenciadores da cadeia de abastecimento, com foco no relacionamento estratégico e que prestem serviços nos quais a qualidade, o conhecimento, a capacitação no provimento desses serviços, bem como a postura colaborativa e flexível sejam características inegociáveis (5).
Não há novidade quando se diz que, atualmente, as cadeias de produção são muito mais globais e complexas e estão permanentemente exigindo um conjunto de ações integradas, coordenadas, com desenhos e soluções logísticas cada vez mais personalizadas (adaptadas a cada cliente, produto ou região) e compatíveis às novas realidades que se apresentam. Uma logística eficaz e que, portanto, tem o cliente no centro de suas atenções, além de garantir a competitividade empresarial, também contribui para a superação, o crescimento e o desenvolvimento empresarial (6).
Uma das consequências imediatas, portanto, é poder contar com profissionais que saibam lidar com um aumento significativo dos riscos, sejam eles de natureza financeira (inclusive de algum fornecedor ou operador logístico), econômica e política, ou oriundos do aumento da volatilidade e da imprevisibilidade, cada vez mais constantes na vida daqueles que administram as diversas cadeias de abastecimento. Com destaque especial para aqueles que estão ligados ao comércio exterior e ao mercado internacional.
Hélio Meirim, coordenador da comissão de logística do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro, acredita que “as organizações precisarão repensar os modelos logísticos usados, repensar a forma como gerir seus negócios, repensar suas parcerias, repensar a forma de gerir seus custos, repensar as relações com fornecedores, repensar como usar a tecnologia (7) e repensar a repensar, ou seja, precisaremos reinventar a forma de atuar”. Ainda, de acordo com Meirim, “não bastará apenas pensar fora da caixa, pois pode ser que, em diversos momentos do ano de 2017, a caixa não esteja mais lá. Por isso, talvez tenhamos que reinventar este ditado”. Logística colaborativa, produção compartilhada, utilização de modais de transporte não convencionais, utilização da tecnologia para racionalização dos processos operacionais, visibilidade das informações e atenção com a infraestrutura, são algumas das ocupações, segundo Meirim, dos profissionais de logística para este ano de 2017 (8).
Por outro lado, Carlos Campos, sócio diretor da Nimbi, empresa especializada no desenvolvimento de soluções para a cadeia de suprimentos (9), ao analisar a inovação na logística e no supply-chain, comenta que “em um cenário de intensa competitividade, as empresas desejam encontrar algo que as diferenciem dos concorrentes. Contudo, nem sempre os empresários estão dispostos a realizar mudanças e promover a inovação em seus negócios. Esse é o dilema enfrentado atualmente pelos fornecedores de tecnologia para a área de supply chain no Brasil. Por trabalharem com grandes corporações, há o receio de mudar, o que as leva, frequentemente, a manter modelos que já não funcionam mais”. E conclui: “Inovação não tem a ver apenas com tecnologia, mas também com os valores e a missão da organização. Só assim é possível ficar à frente dos concorrentes e estar antenado com as necessidades dos clientes”.
Ao mesmo tempo é fundamental entender que os momentos de crise não devem interferir nos objetivos estratégicos das empresas, notadamente aqueles de longo prazo, posto que a retomada, além de muito mais custosa, poderá não surtir os efeitos anteriormente desejados. O diretor de logística da Magazine Luíza, Ricardo Ruiz Rodrigues (10), não hesita afirmar que “períodos de crise não são períodos de abandono de estratégia. No máximo, de revisão estratégica”, ressaltando, inclusive, que o “supply chain” deve estar sempre na posição de protagonista.
Estar integrado às demais áreas de negócios, ter operações e estabelecer níveis de serviços que permitam mudanças rápidas e que se adaptem aos novos cenários, realizar observações e agir de forma rápida, que permita acompanhar a velocidade das mudanças, ter métricas de avaliação de desempenho que levem em conta esses cenários cada vez mais dinâmicos, são características fundamentais da logística nos períodos de crise, complementa Ricardo Rodrigues.
Dentro desse contexto, e ao que tudo indica, o posicionamento estratégico que se apresenta mais viável às empresas que buscam se firmar nas atividades logísticas é, pela ordem, posicionar-se de forma diferenciada e estratégica frente aos clientes, reforçar sua marca através de reconhecida capacidade e competência operacionais e oferecer prestação de serviços adaptados às necessidades dos clientes, bastante abrangente e flexível, caracterizando, de fato, a prestação de serviços integrados. E como já salientado, desde que esses operadores tenham funcionários, além de capazes, ligados às mudanças do mercado, da economia e da sociedade, aptos a lidarem com riscos e que saibam agir, quando necessário, de forma rápida e precisa.
(1) “Fartamente comprovado por pesquisas em todo o mundo, a terceirização das atividades logísticas é um dos caminhos para essa diminuição de custos operacionais”. “E fundamental, uma vez que o operador logístico exerce papel de importância estratégica junto aos usuários de serviços logísticos”. Entretanto, como também indicam as pesquisas do setor, através da logística são alcançados novos mercados, aumenta-se o faturamento e se mantém clientes satisfeitos, colaborando efetivamente para a geração de novos negócios. É o cumprimento do papel estratégico da logística. Esta deixa de ser apenas um meio de redução de custos e faz parte da “essência da estratégia competitiva” empresarial (“O momento econômico e os operadores logísticos”, texto de Paulo Roberto Guedes, publicado aqui no Portal Guia do TRC em novembro de 2015).
(2) Definição de “supply chain”, em 1994, no ‘The International Center for Competitive Excellence’: “integração dos processos do negócio, desde o usuário final até os fornecedores originais que proporcionam os produtos, serviços e informações que agregam valor para o cliente”.
(3) Como dito pelo professor Thomas W. Derry, CEO do ISM – Institute for Supply Management, ao proferir a palestra “Gestão de Suprimentos em Tempos de Crise”, durante o XXII Fórum de Logística do ILOS, realizado no Rio de Janeiro em outrubro do ano passado: “o papel mais estratégico da gestão de suprimentos acontece durante crises econômicas quando é mobilizada para otimizar o capital de giro da empresa, gerenciar estoques de forma mais eficiente, gerenciar relacionamentos com fornecedores e manter a garantia de abastecimento, dentre outros”.
(4) É comum, ao descrever a evolução dos operadores logísticos, comentar quatro diferentes fases: (i) provedor de serviços logísticos (transporte, armazém, etc), (ii) operador logístico (2PL), que já agregam novos valores aos serviços prestados, (iii) provedor líder de serviços logísticos (3PL), responsável por prestar serviços de ponta e (iv) gerenciador líder logístico ou integrador da cadeia de abastecimento (4PL), responsável pela prestação de serviços mais avançados e de coordenação, quando for o caso, de outros operadores.
(5) O que se observa é que os 3PL (Third Party Logistics Provider / Provedor de Serviços Logísticos) e os 4 PL (Fourth Party Logistics Provider / Prestador de Serviços que opera a Cadeia de Suprimentos), principalmente, são empresas que juntam, coordenam e administram recursos, capacidades e tecnologias da sua própria organização, com as de seus clientes, para realizar atividades logísticas com eficiências não obtidas por estes últimos, até então.
(6) Multiplicação dos canais de distribuição e dos requisitos de entrega e distribuição, comércio eletrônico acelerando e estimulando entregas cada vez mais fracionadas, em mercados cada vez mais distantes e complexos, sejam eles de consumidores ou fornecedores, entre empresas ou entre países, fazem parte do cotidiano de todo o profissional de logística.
(7) “O investimento cada vez maior em tecnologia é visto por muitos especialistas como tendência nos setores de comércio exterior, logística e transporte de cargas”, corrobora o Painel Logístico, em texto publicado pela Redação no último dia 06 ([email protected]). Através do texto “Tendências no transporte, armazenagem e distribuição de cargas”, o Painel evidencia a necessidade de se desenvolver tecnologias (softwares e serviços automatizados) que visem a redução de custos e os aumentos da eficiência e da produtividade. No texto, e com base no depoimento da CEO da empresa Bysoft/NSI, Edneia Moura Chebabi, é estratégico, para a sua empresa, que não se desenvolvam “apenas sistemas que visem a gestão dos processos relacionados ao comércio exterior, mas soluções cognitivas, com foco na produtividade e na redução de custos de todos os intervenientes da cadeia: agentes de carga, exportadores, importadores e despachantes aduaneiros”. “Todas as nossas soluções são integradas, de maneira inteligente, provendo informações online e em tempo real que são distribuídas pela cadeia e permitem a rápida tomada de decisões tanto pela indústria quanto pelo prestador de serviços”, complementa.
Ainda, segundo o Painel Logístico, a 23ª edição da Intermodal, a ser realizada neste ano, promoverá o evento “Tendências Tecnológicas na Logística”, com o objetivo de apresentar e discutir as últimas tendências e estratégias em conceitos, modelos, processos e tecnologias inteligentes.
(8) Artigo escrito no Painel Logístico de 26.01.17 pelo professor, escritor e palestrante, Hélio Meirim, que também exerce a função de CEO da empresa HRM Logística e Consultora (“10 tendências da logística para 2017: não basta pensar fora da caixa. Será preciso reinventar-se”)
(9) “A arte de reinventar num mercado tradicional” foi o texto escrito por Carlos Campos, sócio diretor da Nimbi, empresa de desenvolvimento de soluções para a cadeia de suprimentos e publicado no Painel Logístico do último dia 26/01.
(10) Palestra realizada no XXII Fórum de Logística do ILOS, outubro de 2017 no Rio de Janeiro.
* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.