Oferta e demanda é que tem de regular mercado, tabelamento do frete engessa o preço e impacta o agro, diz presidente da Famasul

Publicado em
21 de Julho de 2018
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Em entrevista ao G1, Mauricio Saito, presidente reeleito da Famasul fala além do frete sobre a disputa para a direção da entidade, Código Florestal, uso racional da água no setor, conflitos fundiários e potencialidade do agro sul-mato-grossense, entre outros assuntos.

O produtor rural, médico veterinário e especialista em administração de empresas agrárias Mauricio Saito foi reeleito em junho deste ano com 81,25% dos votos válidos para presidir pelo triênio 2018/2021 uma das principais instituições representativas do agronegócio em Mato Grosso do Sul, a Federação de Agricultura e Pecuária do estado (Famasul). Na disputa enfrentou uma chapa encabeçada por um diretora da sua atual gestão, Terezinha Cândido.

Nesta entrevista ao G1, Saito fala sobre o processo eleitoral da instituição, do trabalho realizado pela Federação e o Senar/MS na área educacional e também sobre a assistência técnica oferecida aos produtores, trata ainda do apoio dado aos caminhoneiros na greve que paralisou o país e das discussões agora sobre o tabelamento do frete.

O presidente reeleito da Famasul aborda ainda a importância do Código Florestal para o país, destaca como o setor tem se preocupado em divulgar as ações que vem implementando no que se refere ao uso racional e preservação das fontes de água e fala ainda sobre o que é necessário para resolver os conflitos fundiários envolvendo produtores rurais e indígenas. Confira:

G1: Pela primeira vez em alguns anos, houve uma disputa pelo comando da Famasul. Como a entidade sai deste processo?

Mauricio Saito: A leitura que faço deste processo é muito tranquila. Primeiro um breve histórico. Na história da entidade já ocorreram outras disputas. A primeira na época do Metelo [Eduardo Machado Metello], em 1988. Posterior a isso, na época do presidente Léo Brito também houve tentativa de constituição de chapa e que, por uma questão de legalidade, não teve a continuidade. Naturalmente quando existe uma eleição a instituição sai fortalecida, porque o processo democrático faz com que isso aconteça. A democracia fortalece as instituições e neste processo eleitoral ficou demonstrado o importante papel que a Federação tem na representatividade do produtor, afinal, se não fosse assim, não haveria uma disputa. O processo foi muito salutar, necessário e extremamente democrático. Neste contexto, o dia da eleição foi uma demonstração clara do que era a vontade dos sindicatos rurais, que são os representantes dos produtores em seus municípios.

G1: Em sua primeira gestão a educação, a qualificação profissional e o compartilhamento do conhecimento tiveram papel preponderante. Iniciativas como o Agrinho, circuitos de palestras, cursos do Senar/MS e o MS Agro ganharam impulso. Para essa segunda gestão quais são as suas prioridades?

Mauricio Saito: Essa atual gestão considera a educação, a qualificação e o compartilhamento como alguns dos pilares essenciais não somente para o desenvolvimento da agropecuária, mas da sociedade como um todo. Quando pensamos no desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, temos que relembrar que nestes 40 anos de história, o estado se tornou referência nacional em produção e produtividade no setor e devemos isso basicamente a três fatores. O primeiro é o produtor rural. Temos que enaltecer sempre o seu trabalho. O segundo, a comunidade cientifica, que disponibiliza novas tecnologias que podem ser utilizadas pelos produtores. O terceiro é o papel das instituições. Elas atuam na transferência daquilo que é produzido pela comunidade cientifica para os produtores e também na interlocução para que os nossos agricultores e pecuaristas tenham um melhor ambiente de produção. É isso que a Federação tem tentado fazer nos últimos três anos. Compartilhar conhecimento e levar a educação ao campo, porque nós acreditamos que ela seja o grande instrumento para a transformação não só da agropecuária, mas da sociedade como um todo. Eu diria que a partir do momento em que se tem um potencial produtivo bastante elevado, entendemos que o produtor já sabe fazer muito bem o dever de casa, no que se refere a produção. O que nós necessitamos e queremos fazer agora é fortalecer o processo de gestão das propriedades. São inúmeros os desafios e temos que nos adequar. E é esse o papel que a Federação quer fazer: do compartilhamento do conhecimento e do fortalecimento das instituições parceiras da agropecuária. Quando pensamos em fortalecimento, vou dar um exemplo muito claro, o Centro de Excelência em Bovinocultura, que nós inauguramos neste ano, e que vamos trabalhar com muita força neste segundo mandato. O objetivo é gerar conteúdo e mais do que isso, mão de obra qualificada para atender a essa pecuária bovina de corte que cada vez mais aumenta sua qualidade no estado. Nos últimos anos, registramos um aumento significativo na produtividade da pecuária de corte e isso se deve ao uso de novas tecnologias. Além disso, vamos pensar no fortalecimento das nossas instituições. Temos uma realidade que é nova, que é o fim da contribuição sindical compulsória e isso é um grande desafio ao sistema sindical patronal rural. Concentraremos esforços no fortalecimento dos sindicatos em quanto gestão e para isso nós já temos alguns programas que estão em atividade nos sindicatos, mas queremos fortalecê-los ainda mais, para que possam efetivamente fazer a defesa do produtor rural, que é o grande objetivo que o sistema sindical tem aqui no estado.

G1: E o que considera os principais resultados deste primeiro mandato?

Mauricio Saito: Primeiro, uma interiorização da Federação. Nós tivemos um trabalho bastante intenso de conhecimento efetivo dos sindicatos rurais. Sem demérito algum em relação aos outros presidentes, sempre enaltecendo o trabalho de cada um deles, essa gestão teve um cuidado muito grande de procurar os sindicatos e conhecer a realidade deles. Isso veio por meio de nossas visitas e do incentivo de ações dentro destes sindicatos. Acredito também que o compartilhar conhecimento tenha sido um grande trabalho realizado nestes últimos três anos. Nós tivemos um incremento de 140% nos cursos oferecidos pelo Senar/MS. Isso tem uma relevância muito grande, a partir do momento em que existe um crescimento do nível de produção e automaticamente você tem uma demanda maior por mão de obra qualificada. Os eventos que realizamos nestes três anos reforçam ainda mais esse objetivo. Foram cerca de 300 produzidos pela Federação e o Senar/MS, a maior parte com a característica de produzir e levar conhecimento. Entre eles estão a Dinapec, da qual nos tornamos co-realizadores nesta gestão, o Showtec e a Tecnoagro, além dos eventos próprios organizados pelo Sistema e da participação em feiras e exposições. São inúmeros eventos que demonstraram a nossa intenção de fazer esse reforço institucional. Ainda trouxemos para dentro da Federação várias entidades do setor, para reforçar a interlocução institucional, como a Avimasul [Associação dos Avicultores], a Asuma [Associação Sul-Matogrossense de Suinocultores], a Sulcanas [Associação dos Fornecedores de Cana Sul-Mato-Grossense] e a Aprosoja/MS [Associação dos Produtores de Soja]. Enfim temos muitas entidades vinculadas a Federação a partir deste trabalho de aproximação. A Reflore-MS [Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas] é outra entidade da qual nos aproximamos muito, tanto que o seu presidente também dirige o Sindicato Rural de Água Clara. Temos vários exemplos deste cuidado de trazer efetivamente todos os setores e todas as atividades agropecuárias de Mato Grosso do Sul para caminharem junto conosco.

G1: No recente movimento dos caminhoneiros, o setor apoiou a categoria e em alguns locais produtores chegaram a se unir a manifestação. O movimento foi bem sucedido, as principais reivindicações foram atendidas, mas uma delas, a de uma nova tabela para o frete acabou gerando descontentamento entre todo o setor produtivo, por conta de como vai ampliar os custos com o transporte. Como a entidade tem acompanhado e participado dessa discussão?

Mauricio Saito: Nós temos que deixar claro que quando pensamos em transporte rodoviário, falamos em um modal que representa hoje 61% do que é transportado dentro do país. A partir dessa constatação e também lembrando que o produtor rural tem sua atividade totalmente impactada pelo preço do óleo diesel, temos que fazer uma lógica da motivação de trabalhar para essa redução. Cerca de 50% das operações agrícolas são vinculadas ao uso de óleo diesel. Partindo desse princípio e pensando também que a formatação do preço tem uma parte expressiva vinculada aos tributos, nada mais natural e legítimo do que pedir a redução da alíquota do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços], para que nós tivéssemos uma competitividade maior em relação aos nossos estados concorrentes, principalmente o Paraná e São Paulo. Isto posto, partimos para a questão do frete. A partir do momento em que existe um tabelamento de preços, que não permite a adequação pelo mercado, nos somos contra. O livre mercado é que tem de fazer com que o preço se adeque. Ter uma referência de preços tudo bem, agora um tabelamento de preços é algo que vai impactar no livre mercado. O que tem de pautar qualquer tipo de precificação é a oferta e a demanda. Por isso é que somos contrários a qualquer tipo de tabelamento. Vamos falar em referência tudo bem. Ter referência é totalmente diferente de você tabelar o preço. Caso contrário vai ocorrer o engessamento de preço, o que provoca um impacto muito grande na nossa cadeia agropecuária.

G1 - Mesmo tendo uma agricultura preponderante de sequeiro, Mato Grosso do Sul ano a ano, com raras exceções provocadas pelos efeitos climáticos, tem quebrado recordes de produção. Entretanto, o desafio que surge nos próximos anos é de uma demanda mundial cada vez maior por alimentos. Como o estado, que junto com outros do Centro-Oeste tem um papel estratégico para ajudar a suprir essa necessidade, pode ampliar ainda mais sua produção, e de modo sustentável, na agricultura e na pecuária?

Maurício Saito – Eu diria o seguinte, quando nós pensamos em Mato Grosso do Sul e no Centro-Oeste temos uma grande disponibilidade de áreas antropizadas [áreas com as características naturais já alteradas]. Segundo a Embrapa, temos 8 milhões de hectares em diferentes níveis de degradação. Aí está o potencial de crescimento da nossa atividade e, por isso, a necessidade do fortalecimento da relação com a comunidade cientifica. Quanto a gente pensa em Mato Grosso do Sul com a possibilidade de usar 8 milhões de hectares para o incremento de produção, não se pode só ficar vinculado a melhoria da área para a permanência na atividade, tem de se pensar em utilizar essas novas tecnologias disponibilizadas ao produtor para se entrar em outra atividade ou mesmo fazer a integração de várias atividades. E é aí que entra o principal desafio nosso como instituição, possibilitar que os nossos produtores possam levantar e fazer um estudo detalhado sobre essa potencialidade das suas propriedades. Então essa demanda crescente por alimentos sempre vai ser respondida a altura, na medida em que façamos com que o produtor demande a comunidade cientifica aquilo que ele precisa para produzir mais. É com o uso dessas novas tecnologias, que nós automaticamente elevaremos ainda mais nossos índices de produtividade. Basta lembrar que quando o estado foi criado, há 40 anos, não colhíamos nem 500 mil toneladas de grãos e hoje, nesta safra 2017/2018, vamos fechar, mesmo com a intempérie climática afetando a segunda safra de milho, em uma produção de 18,5 milhões de toneladas. Isso demonstra claramente que mesmo não havendo desmatamento, utilizando somente áreas antropizadas e diversificando as atividades, saímos de uma pecuária extensiva, que estava improdutiva, para novas atividades, com o plantio de grãos, a silvicultura e o cultivo de cana-de-açúcar ou ainda com o uso de sistemas integrados, como o lavoura-pecuária e o lavoura-pecuária-floresta, conquistamos a pujança que temos hoje nos grãos, na produção de carne, de madeira e no setor sucroenergético.

G1 - O novo Código Florestal completa em 2018 seis anos de criação. A legislação, em sua avaliação trouxe finalmente a segurança jurídica para o produtor no que se refere as questões ambientais? Ou ainda é preciso avançar mais ?

Mauricio Saito – Foi muito importante a consolidação feita pela STF [Supremo Tribunal Federal] do Código Florestal, para que nós tivéssemos tranquilidade jurídica em relação a um trabalho que foi realizado com mais de 200 audiências em dois anos de atividade intensa com a relatória do então deputado federal Aldo Rebelo. É um avanço, ainda mais para estados como Mato Grosso do Sul, que por conta de biomas, como Pantanal, têm restrições para o uso do solo. Defendemos sempre e redobramos os cuidados para que o conhecimento técnico prevaleça sobre a ideologia. Temos que ter sempre muito cuidado quando verificamos que assuntos de extrema relevância e complexidade começam a ser tratados de maneira superficial. Por isso, é muito importante o avanço que nós tivemos com o Código Florestal. Temos a clareza que nem os produtores e nem os ambientalistas ficaram satisfeitos, o que significa que atingimos um meio-termo, que foi baseado em conhecimento técnico e na sustentabilidade. Em Mato Grosso do Sul o agro dá um grande exemplo de produção de alimentos com sustentabilidade. O bioma Pantanal tem 86% de sua área preservada e desse percentual 90% está na mão da iniciativa privada. É o maior índice de preservação de vegetação nativa de todos os biomas que temos no país e logicamente no planeta. O nosso produtor é o grande responsável por isso, pela manutenção desse bioma, o que é uma demonstração clara do trabalho que é realizado e do cuidado que nós temos com o nosso meio ambiente.

G1- Falando ainda da questão da sustentabilidade. O agro tem vários bons exemplos de uso racional e práticas conservacionistas da água, principalmente aqui em Mato Grosso do Sul. A escolha do tema água, para ser tratada no maior programa de responsabilidade social da Famasul/Senar/MS, o Agrinho foi para demonstrar para a sociedade esse trabalho do setor pela preservação e bom uso desse recurso?

Maurício Saito – Na verdade estamos querendo demonstrar claramente que o agro não só conserva, mas também tem incentivado a preservar o nosso maior bem, que é a água. Ao discutir o assunto por meio do Agrinho estamos mostrando a sociedade e, em especial, as crianças que participam do programa e aos seus pais o quanto de trabalho nós desenvolvemos atualmente para que haja a preservação deste recurso. Quando pensamos em Agrinho, pensamos em união entre o campo e a cidade, então com o programa queremos que a cidade entenda o trabalho que é realizado no campo, com as nossas várias práticas conservacionistas para a preservação da água. Temos tranquilidade e orgulho em destacar o papel que o produtor vem fazendo, com a utilização de novas tecnologias, para que hoje pudéssemos ser considerados grandes conservadores de água. A água junto com a terra são itens fundamentais não somente para a nossa atividade, para toda sociedade.

G1 - Falando em insegurança jurídica, volta e meia a disputa fundiária envolvendo indígenas e produtores se tenciona em Mato Grosso do Sul. Em sua avaliação o que pode ser feito para resolver efetivamente essa situação?

Maurício Saito – Primeiro quero deixar bem claro que Mato Grosso do Sul não tem problema de terras que não sejam tituladas. Então, a totalidade das áreas que temos no estado são tituladas e os produtores não têm culpa de haver qualquer tipo de haver qualquer tipo de passivo histórico. Essas mais de 140 invasões no estado de Mato Grosso do Sul logicamente trazem algumas considerações. A maneira de se resolver isso é a vontade política. Não existe outra maneira. O governo federal tem que ter vontade política de resolver o problema. Quero lembrar que neste primeiro mandato, nestes três anos de gestão eu me encontrei com quatro ministros da Justiça. E todas as vezes, para que nós demandássemos o que é de direito. A questão da segurança jurídica ela não é só necessária para Mato Grosso do Sul ou para o produtor rural que teve a área invadida, ela é fundamental para qualquer país democrático que queira efetivamente se desenvolver. A questão da segurança jurídica é premissa básica para qualquer desenvolvimento. Para qualquer país que queira ser desenvolvido. E a grande questão é vontade política de solucionar o problema. O fato de não ter sido solucionado até o momento significa que houve uma falta de ação por parte do governo federal em querer resolver aquilo que deveria ser primordial para qualquer tipo de gestor. Entretanto, eu sou muito otimista e tenho esperança que o problema vai se resolver, mas reitero, a partir do momento que o governo federal tenha vontade política de solucionar a questão, que causa um tencionamento desnecessário.

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