O Transporte Rodoviário de Cargas e o Seguro

Publicado em
03 de Dezembro de 2014
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Interpretações errôneas acerca de normativas vigentes há quase cinco décadas, que vinham resultando em fraudes, levam órgãos regulatórios a recordar a legislação cinquentenária reafirmando a obrigatoriedade de contratação do seguro RCTR-C por empresas de transporte.

Transportador e embarcador podem negociar outros riscos, mas não os do seguro obrigatório previsto em lei.

Principal sistema logístico do País, por total falta de estrutura dos outros modais, o transporte rodoviário nacional – que conta com uma rede de 1,7 milhão de quilômetros de estradas e rodovias, a quarta maior malha rodoviária do mundo – é responsável por 66,6% do trânsito de mercadorias no Brasil, conforme último levantamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Não é de hoje – há quase 50 anos –, que a legislação estabelece proteção às mercadorias transportadas por meio do Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), de cunho obrigatório por parte do transportador, a fim de garantir o compromisso de recebimento e entrega da carga. Porém, na prática, parte do mercado – embarcadoras (proprietários das mercadorias transportadas), seguradoras, corretores e transportadores – vinha interpretando de forma incorreta os seguros obrigatórios do embarcador e do transportador rodoviário, imaginado que tais seguros se superpunham, cobrindo riscos semelhantes.

A fim de reafirmar a obrigatoriedade de contratação do RCTR-C pela empresa de transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) – respectivamente os órgãos regulatórios oficiais do Transporte e do Seguro no Brasil –, emitiram recente Comunicado SUROC/ANTT Nº 001/2014, ratificando o quanto já descrito no artigo 20, alínea “m” do Decreto-Lei 73 de 21/11/1966 e sua respectiva regulamentação através do Decreto
61.867/1967.

Este seguro garante o reembolso das reparações pecuniárias que o transportador esteja obrigado, por força de lei, por perdas ou danos causados a bens e mercadorias de terceiros que lhe tenham sido entregues para transporte, em decorrência de acidentes com o veículo transportador. Com base nisso, as Declarações de Dispensa de Direito de Regresso (DDR’s) emitidas pelas seguradoras dos embarcadores para fins de assunção total dos seguros para si, não poderão mais ser emitidas cobrindo a integralidade dos riscos de transporte, e deverão excluir os riscos
amparados pelo seguro obrigatório por lei.

A equipe técnica da Susep esclarece que não existe carta DDR para seguros obrigatórios, e as seguradoras que porventura a emitirem para o seguro RCTR-C estarão violando as leis e podem ser punidas, com sanções que incluem multas de R$ 5 mil a R$ 1 milhão, suspensão do exercício de atividade ou profissão, cancelamento do registro do Corretor de Seguros responsável, entre outras. O único seguro que hoje os transportadores possuem de maneira geral, mas que é facultativo, é o Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo - Desvio de Carga (RCF-DC), que cobre o roubo/desvio de carga, este normalmente subordinado à normas de Gerenciamento de Riscos (GRIS) a serem seguidas para se ter um evento coberto pela apólice.

A emissão do Comunicado da ANTT chamou a atenção de grande parte do setor por acrescentar a ossibilidade de cassação do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) do transportador quando este não mantiver, para todos os seus clientes, a cobertura em questão, considerada condição imprescindível para o exercício da atividade. “A decisão tem por mérito acabar com uma polêmica estéril que tem contribuído para acalorar discussões entre contratantes e contratados no âmbito do transporte de carga.

As partes teoricamente afetadas – grandes embarcadores e operadores logísticos nacionais ou não e outros possíveis contratantes de transporte – poderiam interpretar a decisão como flagrante violação das liberdades de mercado, não fosse ela apenas confirmação daquilo que o Código Civil Brasileiro já arbitrava anteriormente”, ressalta Giuseppe Lumare Junior, diretor comercial da transportadora Braspress. “Para nós, transportadores, nunca houve dúvida que os seguros de carga são parte inseparável dos serviços de transporte. Os riscos e as responsabilidades inerentes ao transporte são indissociáveis do empreendimento de transporte, fazendo parte de sua concepção, planejamento e execução”, complementa.

Lumare salienta que um transportador, ao definir os limites de sua especialidade, de um só lance assume todo o arcabouço legal implícito ao ato de transportar bens para terceiros, cujas necessidades foram, de alguma maneira, contempladas nos serviços, incluindo expectativas de confiança que vão além das responsabilidades puramente legais.

“Um transportador não só é obrigado a manter a apólice de RCTR-C como não poderá deixar de manter uma apólice de RCF-DC - Seguro Facultativo por Desaparecimento de Carga –, cuja imprescindibilidade é indiscutível em um cenário em que o roubo de cargas é uma cruel realidade. Ademais, essas apólices jamais são comercializadas separadamente e sem que haja uma rigorosa pré-qualificação do transportador no que diz respeito à competência de gerenciamento de riscos estáticos e móveis”, argumenta.

Esclarecimentos

Marcelo Vinaud Prado, especialista em Regulação de Transportes Terrestres e superintendente da Superintendência de Serviços de Transporte Rodoviário e Multimodal de Cargas (Suroc) da ANTT, explica que o comunicado só veio a esclarecer que essas legislações continuam em vigor e que devem ser observadas por todos.

“Muitos não vinham cumprindo adequadamente a lei, simplesmente deixando de contratar um seguro obrigatório, ou ainda, quando contratado, era feito de forma irregular”, constata.

“A única resolução mais recente foi a atualização das Condições Gerais do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C) que vem sendo atualizado pela Susep nos últimos 40 anos, sendo a mais recente, a Resolução CNSP nº219/2007”, complementa
Prado.

Segundo o especialista, a Agência vinha recebendo diversas consultas quanto ao artigo 13, da Lei nº 11.442/2007, nas quais foram solicitados esclarecimentos se o seguro de responsabilidade ali mencionado seria o DPVAT (seguro obrigatório de veículo automotor em via terrestre) e não o RCTR-C, e por conta disso, com base no próprio artigo, o seguro obrigatório poderia ser negociado. “O seguro mencionado no artigo 13 é, e sempre foi, o RCTR-C. O transportador e o embarcador podem negociar outros riscos, mas não os do seguro obrigatório previsto em lei”, salienta Gilmar Reis, gerente de Transportes da Korsa Corretora de Seguros reconhecendo ser muito importante destacar que o comunicado não apresenta alteração alguma no que se refere às leis que regem o transporte de cargas no Brasil.

Artur Santos, vice-presidente de Operações da GPS Pamcary opina sobre o que teria levado a ANTT a editar o comunicado. Para ele, a constatação de que a lei não vinha sendo cumprida ultimamente, desde quando os embarcadores passaram a contratar os seguros de danos (Seguros de Transportes Nacionais), e a enviar aos transportadores com quem têm contratos de frete, uma carta também assinada por sua seguradora, informando que em caso de sinistro ambas não exerceriam o direito de regresso contra os seus contratados e, por conta disso, os transportadores não deveriam fazer o seguro obrigatório.

A já mencionada carta de DDR Total.

“Cada vez me convenço mais de que a especialização é muito importante. Operar com seguros de transportes, por exemplo, pressupõe conhecimento específico sobre o assunto. Quando o comunicado da Agência foi divulgado, eu li e ouvi muita bobagem, escrita e falada por corretores importantes do nosso mercado. Um deles chegou a afirmar em circular que se o embarcador contrata um STN e o transportador um de RCT-RC para cobrir a mesma viagem, estaria havendo duplicidade de seguros. Ignorância total!”, discorda.

De acordo com a equipe técnica da Susep, o seguro obrigatório somente é acionado quando houver culpa do transportador, comprovada por meio de sentença judicial, ou por acordo com os terceiros prejudicados, com a anuência da seguradora do transportador, ao passo que o seguro de transporte do embarcador cobre os danos sofridos pelas mercadorias, independentemente da comprovação de qualquer culpa por parte do transportador.

O órgão regulatório ainda reforça que os seguros deveriam funcionar de acordo com a seguinte metodologia: em caso de sinistro, não havendo responsabilidade do transportador, seria acionado apenas o seguro de transporte; na hipótese de haver culpa do transportador, o embarcador acionaria a sua apólice do seguro de transporte, e a seguradora do embarcador procuraria se ressarcir junto à seguradora do transportador. A Susep faz observar que: se fosse acionada a apólice do transportador, pressupondo a sua culpa, os trâmites poderiam ser demorados, pois em grande parte das situações haveria necessidade de uma sentença judicial condenando o transportador. Portanto, na prática, normalmente é acionado o seguro de transportes (embarcador), mesmo quando há culpa presumível do transportador.

O setor de Transporte de Cargas é altamente competitivo, e alguns transportadores, com o objetivo de demonstrarem que o seu custo de frete é inferior ao dos concorrentes, subdividem de forma incorreta – na visão da Susep – o custo do frete em duas parcelas, o frete propriamente dito e
o custo do seguro obrigatório, que repassam com o nome de ad-valorem.

Esta cobrança ostensiva do custo do seguro RCTR-C levou os embarcadores a interpretarem que pagavam pelos dois seguros, o seu próprio e o dos transportadores. Exemplificando: a economia realizada em não se pagar o ad-valorem (entenda-se: o transportador não utilizaria o seguro RCTR-C) giraria em torno de R$ 100 milhões por ano (uma conta simples: supor que a taxa do seguro RCTR-C seja de 0,5%, e imaginar, para este segmento de grandes embarcadores, uma movimentação anual de R$ 20 bilhões de reais em mercadorias transportadas).

A entidade frisa que com base na interpretação inadequada que os dois seguros estariam cobrindo os mesmos riscos, ou até mesmo agindo de má-fé, tais embarcadores, com o objetivo de economizar o ad-valorem, solicitavam às suas seguradoras o fornecimento das DDR’s aos transportadores, nas quais se assegura, a estes, que não serão acionados pela seguradora do embarcador em caso de sinistro. Em muitas ocasiões, as mercadorias transportadas pertencem a um mesmo embarcador, e o transportador é induzido (ou coagido) a acatar a carta de DDR, e não averbar o embarque no seu seguro RCTR-C, sob a pena de, não o fazendo, perder o frete.

Segundo a entidade, o Comunicado foi emitido para esclarecer a situação e coibir eventuais práticas de fraudes. Marco Darhouni, gerente de Transportee Logística da Willis Corretora de Seguros, entende que não deve haver mudança alguma neste quesito, uma vez que, a contratação do Seguro de Responsabilidade Civil sempre foi obrigatória. “O que atualmente está ocorrendo é uma tentativa de padronização de interpretações e de fluxos operacionais para que haja um único modelo a ser aplicado por parte das seguradoras. Está havendo uma posição unilateral das seguradoras, que modificaram seu entendimento sobre isenção de regresso, alterando seus contratos vigentes e processos de cotações.

Não concordamos com esta postura, pois não houve nenhuma alteração na legislação vigente”, diz o executivo, acrescentando que as partes envolvidas são responsáveis pelo cumprimento integral das legislações. “As seguradoras devem emitir as apólices conforme cláusula aprovada pela Susep, os corretores devem instruir seus clientes com relação ao cumprimento das leis vigentes e operacionalizar as melhores soluções e práticas do mercado.

O transportador e o embarcador devem seguir as legislações de seguros e regulamentações por parte da ANTT, como a emissão das apólices obrigatórias”, complementa Darhouni.

Atuante há mais de 20 anos no mercado de Seguros de Transportes, Odalí Bonfim, diretor-sócio da Gera Corretora e Adm. de Seguros, reconhece como louvável o entendimento da ANTT quanto à obrigatoriedade da contratação de seguro por parte do transportador. “Embora a Susep também reconheça como obrigatório, algumas seguradoras, contrariando a legislação, continuam com a nefasta prática da concessão das DDR’s, um verdadeiro engodo que avilta o contrato de seguro, sobretudo no que concerne o princípio da boa fé. Acreditamos que a manifestação da Agência,
estimule a contratação do seguro pelos transportadores”, comenta.

Potencial

Entre outros aspectos, o crescimento econômico do País está diretamente relacionado à distribuição de mercadorias e aos problemas de infraestrutura logística que, aliados à incomparável dimensão territorial – são aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados – acarretam em imprevisibilidades que fundamentam a necessidade do seguro de cargas. Estudo da Associação Nacional dos Transportadores de Carga e Logística (NTC&Logística), aponta que o custo do transporte rodoviário de carga cresceu 7,6% em 2013.

Na análise de Ricardo Beyer, gerente de Transportes da Chubb Seguros, o potencial de crescimento da carteira está atrelado a três principais pilares: investimento em infraestrutura, diversificação de escoamento da produção por outros modais de transporte, constante investimento e incremento na mitigação dos riscos por meio de Planos de Gerenciamento de Riscos pelos segurados. “Somente com estas ações coordenadas entre órgãos públicos e privados teremos condições de apresentar resultados satisfatórios e crescimento sustentável na carteira de Seguros de Transportes”, acredita.

Eduardo Marques, diretor executivo da Marsh Brasil, acrescenta que as grandes empresas estão revendo os seus custos em todos os quesitos, o que também inclui a contratação de seguros, fazendo com que as seguradoras reduzam suas taxas e contribuindo para um panorama de grande concorrência e elevação do percentual de sinistralidade. O executivo analisa que o Brasil ainda possui uma margem de crescimento promissora, já que está no radar de grandes seguradores e resseguradores internacionais, sendo um dos principais países com potencial de crescimento e investimentos, em virtude do desenvolvimento do mercado de seguros em relação ao PIB, da elevação do poder aquisitivo da população e também das obras de infraestrutura. “As
taxas para o setor de transportadores apresentam pequena redução, ao contrário das taxas para o transporte nacional, seguro para embarcadores e ainda seguro para importadores e exportadores, que têm apresentado forte redução (variando entre -5% a -8% sobre o total de prêmios emitidos)”, acentua.

Na visão de Sidney Cesare, diretor de Transportes da Berkley Brasil, as expectativas são boas face aos investimentos anunciados pelo Governo Federal, mas os benefícios ocorrerão a médio e longo prazos. “Em razão do Seguro de Transporte Rodoviário ser obrigatório por lei, saliento como fator positivo a maior atuação dos órgãos reguladores e legisladores. A forte competividade do mercado em preço acarreta, cada vez mais, em investimentos por parte das seguradoras em tecnologia, eficácia no atendimento e soluções rápidas na mitigação dos riscos”, acentua.


Para Odair Negretti, vice-presidente do Clube Internacional de Seguros de Transportes (CIST), o potencial da carteira de Seguros de Transporte Rodoviário no Brasil é muito grande, porém ainda pouco explorado do ponto de vista técnico, comercial e legal. “Julgamos que o mercado está aquém da sua capacidade produtiva: os técnicos de seguros de transportes estão cada vez mais escassos; as evasões de divisas de prêmios para o exterior, ao arrepio da legislação brasileira de seguros e de resseguros, por meio da emissão de apólices ‘irregulares de fronting’; a transferência de riscos diretos para o exterior, via mecanismo de resseguro; e a incorporação de riscos brasileiros, inclusive de Seguros Obrigatórios a Programas Mundiais de Seguros. Neste particular, julgamos que a Susep, como órgão regulador, legislador e fiscalizador dos mercados de Seguro e Resseguro do País, deva estar atuando e impondo as sanções legais aos faltosos”,
considera Negretti.

Gerenciamento

A cultura do Gerenciamento de Risco (GRIS) está totalmente difundida nas indústrias e já é parte integrante dos contratos de Seguro de Transportes. O Seguro de Transportes de Carga é um investimento essencial tanto para o proprietário quanto para o transportador da carga. Esse é um recurso que pode evitar perdas significativas numa atividade que já conta com diversos fatores que necessitam de especial atenção. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), há mais de 945 mil transportadores registrados – entre autônomos, empresas e cooperativas –, responsáveis por uma frota de mais de 2,1 milhões de veículos.

Um dos fatores importantes que deve ser observado é o gerenciamento eficiente dos riscos, apoiado por uma equipe especializada no assunto e atuar com uma equipe de movimentação de carga e motoristas devidamente treinados. Hoje, o mercado conta com diversas ações e equipamentos para o gerenciamento de riscos de transportes como: tráfego mútuo, rastreamento, monitoramento e bloqueio do veículo com redundância de sinais, acompanhamento ostensivo terrestre (escolta), iscas eletrônicas etc.

Na opinião de Yaron Littan, presidente da Ituran no Brasil, o GRIS no País é um dos mais completos e eficientes do mundo, graças ao expertise que as companhias adquiriram ao longo dos últimos 15 anos. “Este mercado utiliza massivamente as soluções de monitoramento e rastreamento, não somente para o veículo que transporta a carga, mas também para Ricardo Beyer a carga em si e veículo(s) de escolta quando necessário(s). Para cargas de alto valor – muitas vezes a carga representa valor acima do próprio veículo que a transporta –, o rastreamento e monitoramento em si é de suma e fundamental importância pois, via de regra, a carga é removida do veículo que a transportava e fracionada em outros veículos, permanecendo, desta forma, a possibilidade de monitorar e rastrear os bens”, ressalta.

João Carlos França de Mendonça, diretor técnico de Transportes da Yasuda Marítima Seguros concorda que a GRIS faz toda a diferença não só em termos de composição do valor de uma apólice, mas também na eficiência operacional de uma empresa. Ele analisa que, com a abertura do mercado de resseguros, desde que a Lei Complementar 126/07 foi sancionada, em 2007, as seguradoras passaram a obter mais expertise e tecnologia para a subscrição, e consequentemente, um constante aprimoramento do trabalho de gerenciamento de riscos. “A cultura do gerenciamento de riscos ainda é tímida no mercado segurador brasileiro, mas o cenário tende a mudar gradualmente. Cada vez mais as seguradoras e os corretores estão oferecendo o acompanhamento de gerenciamento de riscos para agregar valor às empresas e seus produtos”,complementa o executivo.

Para cada risco existe um Plano de Gerenciamento de Risco, considerando a periculosidade da carga; os trajetos; os acúmulos em veículos e em pátios/armazéns; e outras particularidades
que devem ser analisadas em cada caso concreto. O gerenciamento tanto para cargas perecíveis quanto para cargas de grandes valores tem que estar adequado à realidade do risco. Há que se ter sincronismo entre as seguradoras, corretoras, gerenciadoras e clientes para implantação do GRIS adequado à operação.

Mendonça comenta que, inicialmente, as seguradoras estavam focadas em buscar mecanismos de gerenciamento de riscos que pudessem mitigar os sinistros de roubo de cargas. Ao longo dos anos, não só os mecanismos ligados a questões do roubo foram desenvolvidos, mas também os que consideram a composição da frota, pessoas e adequação de operações logísticas que podem reduzir sinistros de acidentes e de avarias de transportes.

“O País vem passando por um crescimento na necessidade de transporte de cargas, mas ao mesmo tempo a mão de obra não está qualificada na mesma velocidade, fazendo com que muitos profissionais nas estradas não tenham o preparo suficiente para operar caminhões com tecnologia embarcada tão avançada”, ressalta.

Paulo Alves, diretor de Transportes da Zurich Seguros comenta que existe uma cultura no tocante à aplicabilidade do GRIS somente para mercadorias com elevada visibilidade de roubo e assalto à mão armada. Surge então outro tema que impacta o resultado da carteira de seguros de transportes, que é o acidente em geral seja tombamento, colisão, capotamento, queda de carga, entre outros. “Naturalmente, os acidentes não ocorrem em função de uma única natureza, seja em relação à idade média da frota de caminhões, qualidade das estradas, infraestrutura precária, gargalos logísticos, mas também em relação ao despreparo dos motoristas”.

Cargas perecíveis ou qualquer carga destinada ao consumo, por exemplo, tornam-se voláteis em função da demora na entrega pelo seu prazo de validade. “A logística é muito mais refinada quanto ao tempo de trânsito dessas mercadorias, assim como aplicações de metodologias de controle e
variações de temperatura e umidade”, reforça Alves. Para cargas de grandes valores, prossegue o executivo, no que toca à atratividade para roubo, certamente têm as mitigações alicerçadas
em rastreamentos, escoltas, controles de paradas em locais com segurança, entre outros fatores. Se as cargas de grandes valores são constituídas por máquinas, equipamentos e cargas
projetos, por exemplo, o Plano de GRIS é dimensionado de outra forma, seja programação e horários específicos de viagem, aprovação do DNIT em alguns casos, plano de carga contendo metodologias de amarrações, e demais elementos.

Para os transportadores em geral, de acordo com Giuseppe Lumare Junior, diretor comercial da Braspress, o gerenciamento de risco já representou custo médio de 14% das receitas gerais. Hoje, após massivos investimentos – os quais não foram necessariamente oriundos das rubricas de
Frete Valor e GRIS, mas sim dos resultados da atividade como um todo –, esse custo ainda gira em torno de 6% das receitas gerais, queda que revelou uma triste realidade. “O transportador
teve seu horizonte de possibilidades afetado por força do excesso de responsabilidades que no Brasil recaem sobre ele. Os seguros de carga representam apenas a parte visível de suas responsabilidades objetivas, pois, na prática, o empreendedor de transporte é obrigado a abdicar do transporte de certos produtos para se adaptar a restrições de apólices e de gerenciamento de risco”, constata.

No limite, o Brasil é um caso à parte, pois a concepção de um modelo de transporte especializado não só é influenciado por fatores puramente mercadológicos, mas também sofre restrições pela ausência de uma segurança pública eficiente. Na visão de Lumare, existem responsabilidades
difusas que, por vezes, ultrapassam as possibilidades de dotação orçamentária dos transportadores, na medida em que investimentos inadiáveis impedem planejamentos de longo prazo menos onerosos. “A responsabilidade de guarda de produtos durante o tempo de realização do transporte em geral alcança as transportadoras na forma dos riscos de furto interno, cuja gestão exige grandes investimentos e esbarra nas rigorosas condições legais que impedem a tipificação do crime de maneira rápida e simples, resultando em perdas que são arcadas sem contrapartida nas receitas, haja vista a qualificação do fato como ineficiência do transportador.

A realidade do transporte só é conhecida em profundidade pelos próprios transportadores, sobretudo no que diz respeito à amplitude de suas responsabilidades. Não é lícito, portanto, que, por razões menos nobres – leia-se: apressadas tentativas de usurpar os fretes, reduzindo-os
artificialmente –, certos agentes de mercado queiram apartar os seguros de carga dos serviços de transporte.

Porém, para a esmagadora maioria dos clientes de transportadoras, não faz sentido contratar seguros de carga separados de fretes em que as responsabilidades objetivas e difusas estão contempladas no compromisso expresso na própria relação de parceria”, argumenta.

Darcio Centoducato, diretor de gerenciamento de riscos da GPS Pamcary, entende que nos últimos anos,o termo gerenciamento de riscos proliferou-se no segmento do transporte de cargas. Porém, o que faz a diferença é ter uma gestão eficiente.

“O gerenciamento de riscos começou de forma intensiva na indústria de transportes, a partir da década de 1980 e as seguradoras tiveram um papel importante em criar esta cultura, pois passaram a fazer restrições na aceitação de riscos para que melhores práticas fossem aplicadas. Além de
boa parte do faturamento das empresas ser consumido com o gerenciamento de riscos, muitas delas já se conscientizaram que não basta contratar um seguro e ter uma indenização; há o preço pela imagem da empresa quando ocorre um sinistro”, analisa. “A Pamcary tem um conceito mais sofisticado, separando ‘gerenciamento’ de ‘gestão’, apresentando assim ao mercado uma
abordagem inovadora. Com base no entendimento dos processos logísticos, identificamos as ameaças e vulnerabilidades e propomos uma solução completa, na medida certa para o cliente, que passa pela definição do perfil e seleção de profissionais, escolha da tecnologia de rastreamento
mais adequada, definição de trajeto, entre outros. São diversas atividades e ferramentas que existem para minimizar os riscos, conforme as necessidades e atividades do transportador
ou embarcador”, informa Centoducato.

Gilmar Reis, gerente de Transportes da Korsa Corretora de Seguros acredita que “é hora de levarmos o risco mais a sério no Brasil. A verdade é que não existe uma formula mágica para o GR relativo ao roubo de cargas e tampouco para a prevenção e controle de acidentes rodoviários. Lamentavelmente, estamos em 2014 e a análise de riscos nas seguradoras ainda não foi alterada.

Quemlevanta de sua cadeira de escritório e vai para o pátio de uma transportadora, sabe que muitas das exigências feitas em um contrato de seguro de transportes são impraticáveis”,
acentua. Ele acredita que a falta de tempo, a procrastinação, o excesso de trabalho, a pressão por resultados, entre outros fatores, fizeram com que diversos profissionais tenham uma
falsa impressão de que seus riscos são controlados. “Mas a grande e omissa verdade é que podem estar com uma bomba nas mãos. Não podemos mais interpretar riscos considerando apenas consultar e cadastrar profissionais, restringir horários de circulação, saber se a mercadoria é específica ou não, se tem ou não alto valor agregado, qual a distância a ser percorrida, qual a idade do veículo transportador, qual a tecnologia embarcada, se o veículo é monitorado e se a gerenciadora de riscos escolhida pelo cliente de fato monitora a operação. Em minha opinião, a análise de todo e qualquer risco corporativo deve ser feita com base na ISO31000, oficialmente lançada em 2009 e que surgiu para integrar os diferentes conceitos relacionados à Gestão de Riscos Corporativos no mundo”, opina Reis.

Oportunidades

As seguradoras mais preparadas que mantêm em seu quadro uma estrutura de Gerenciamento de Risco (GRIS) estão um passo à frente das demais, acredita Mauro Camillo, sócio-fundador e conselheiro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (CIST). “Informações para se fazer uma boa subscrição são importantes; quando falo em informação não me refiro apenas ao histórico de sinistralidade, mas também às demais informações como por exemplo transportadoras utilizadas,
envolvimento das transportadoras na operação, gerenciadora da operação, rotas, tipo de mercadorias movimentadas, valores envolvidos etc.”, acentua Camillo ao pontuá-los como fatores
importantes para uma boa análise do risco. “Mais ainda, o processo não se resume na subscrição. O acompanhamento do dia a dia depois de conseguir o negócio é fundamental, pois ajustes futuros com certeza serão necessários”.

O vice-presidente do CIST Odair Negretti, complementa ressaltando que são inúmeras as oportunidades para as seguradoras no setor de Transportes. “Seja do ponto de vista
seguro para Cargas, seguro para Responsabilidade Civil do transportador por danos à carga de terceiros a ele (transportador) confiada, quer do ponto de vista seguro para danos materiais,
corporais e morais causados a terceiros em decorrência da circulação do veículo transportador e da carga transportada”.

Ricardo Beyer, gerente de Transportes da Chubb Seguros analisa que o baixo crescimento do País, o aumento dos acidentes e criminalidade, a inclusão das melhores práticas de GRIS (para prevenção de acidentes e roubos) têm sido uma das principais oportunidades do setor para alcançar o equilíbrio da carteira. “Precisamos reduzir os níveis de sinistralidade e praticar taxas adequadas, que gerem resultados mais firmes e constantes, contribuindo com o crescimento da
rentabilidade da carteira”, analisa.

Já Gilberto Reina, superintendente regional da AD Corretora de Seguros acredita que o potencial do setor é enorme por dois motivos principais: é um dos poucos seguros obrigatórios
por lei (RCTR-C) e o crescimento de centros de distribuição e operadores logísticos. “As oportunidades estão no seguro do embarcador e também no seguro para os transportadores, no
mercado nacional”, diz, acrescentando que o principal desafio da carteira é alinhar as expectativas entre embarcadores, transportadores e seguradoras.

“Os embarcadores, buscando as melhores coberturas e preços. Os transportadores, adequando seus processos para cumprimento dos programas de GRIS e os seguradores, trabalhando para equilibrar os resultados advindos dos prêmios pagos e sinistros indenizados”, classifica. Ao acompanhar o mercado como um todo, o executivo constata que “as taxas têm tendência de queda e em alguns casos, sem análise atuarial definida”. Para ele, a queda de taxas foi fator preponderante para o crescimento modesto da carteira que, apesar de um aumento no volume de negócios, não teve o mesmo desempenho no aumento de prêmio arrecadado.

“O mercado espera um crescimento na arrecadação de prêmios superior ao do ano passado, com estimativas de 6% a 8%. Também há expectativa de manutenção dos índices de sinistro, com viés de queda em 10%. Em resumo, as expectativas são otimistas e positivas ainda para o ano de 2014”, projeta o executivo.

Responsabilidades

Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a responsabilidade civil do transportador é tratada como objetiva e culpa presumida, ou seja, a obrigação de indenizar
independe de uma ação culposa do transportador, seus empregados ou prepostos. Assim sendo, qualquer dano à carga caberá ao transportador fazer a indenização do prejuízo ao proprietário da mercadoria até o limite do valor da mercadoria constante do conhecimento rodoviário de carga.

Porém, existem as excludentes de especial responsabilidade do transportador, cujo ônus de provar tais circunstâncias, cabe a ele.

As excludentes são: vício intrínseco do bem, deficiência da embalagem, má estiva, carga e descarga da mercadoria, se esta era por conta do embarcador, caso fortuito e força maior e/ou qualquer ato que seja comprovadamente praticado pelo embarcador ou destinatário que
tenha dado causa ao dano.

“A responsabilidade da seguradora não pode e não deve se resumir a pagar sinistro”, salienta Mauro Camillo sócio-fundador e conselheiro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (CIST). “Quando da subscrição do risco, se a seguradora obtiver todas as informações, terá como emitir o seguro com total conhecimento de causa; portanto, se o sinistro estiver coberto,
não tem porque discutir: paga-se!”, resume.

Guilherme Brochmann, diretor de Gerenciamento de Risco da DHL para a América do Sul, lembra que é importante não confundir os seguros mandatórios do Transportador, que são de Responsabilidade Civil com o Seguro de Transporte Nacional, também mandatório, mas de exclusiva responsabilidade do embarcador, proprietário da mercadoria transportada, e cuja característica principal é a de cobrir qualquer tipo de dano à carga.

“A responsabilidade de uma corretora envolvida no transporte de mercadorias é a mesma, qualquer que seja o seguro. Está detalhada no Código Civil, artigo 723. Em resumo, executar a mediação entre a seguradora e o segurado com diligência e prudência”, acentua Artur Santos, vice-presidente de Operações da GPS Pamcary.

Paulo Alves, diretor de Transportes da Zurich Seguros reforça que um contrato de seguro é baseado em leis que regem direitos e deveres. “O início dessa relação é baseada em uma análise de riscos onde o questionário contendo as informações dos riscos a serem submetidos para exame, enviado ao segurado pelo seu corretor, deve ser a mais próxima da realidade do segurado. Segundo a lei, se o segurado fizer declarações inexatas ou omitir informações que possam influenciar na proposta, perderá o direito à garantia”, complementa. O corretor de seguros Carlos Alexandre Gomes, sócio-diretor da San Martin Corretora de Seguros, acrescenta que o descritivo das responsabilidades da seguradora deve ser completo, preservando coberturas assumidas e
excluídas. “A corretora deve cuidar de acompanhar o envio dos conhecimentos de frete para garantir as coberturas, verificar a adimplência no dia por parte do transportador ou
segurado”.

Investimentos

Nos últimos 30 anos, o Brasil investiu, em média, apenas 10% do que deveria ter sido investido em infraestrutura rodoviária. Até fins dos anos 70, os investimentos em infraestrutura de transportes (todos os modais) giravam em torno de 2% do PIB, enquanto que de três décadas para cá esta média foi de ínfimos 0,2%. Especialistas afirmam que existe a necessidade de aplicações diretas de, no mínimo, R$ 500 milhões de imediato para tentar recuperar o tempo perdido, algo como 3% a 4% do PIB. “Não podemos esquecer que a necessidade de uma melhor divisão da pizza de transportes faz parte do Plano Nacional de Logística e Transportes(PNLT), onde se procura um equilíbrio entre os modais rodoviário, ferroviário e aquaviário no Brasil, o que poderia gerar menores custos logísticos ou o famoso ‘custo Brasil’ que faz com que nossa competitividade internacional seja terrívelmente baixa”, analisa Guilherme Brochmann,
diretor de Gerenciamento de Risco da DHL para a América do Sul.

Enquanto isso não acontece, prossegue Brochmann: “temos que nos preocupar com dois aspectos basicamente, o acidente e o roubo de cargas”. No tocante a acidentes, o advento da Lei 12.619/2012 – que trata da jornada dos motoristas – “finalmente começa a trazer uma luz no fim do túnel, pois o número de acidentes e suas perdas consequenteschegou a um patamar proibitivo”. Em sua análise, embora as estatísticas que tratam do tema sejam mínimas e desatualizadas, havendo trabalhos publicados pelo DNIT e IPEA basicamente, as perdas por acidentes de veículos de carga somam entre R$ 15 a R$ 20 bilhões por ano e essa lei, sendo aplicada com diligência e havendo a fiscalização efetiva das autoridades constituídas, deverá fazer com que tais perdas passem a diminuir progressivamente.

“Há muito o que fazer na gestão de riscos em acidentes, mas já é um grande passo”, comenta.
O monitoramento e rastreamento de cargas, além de melhorarem os resultados, mitigando a sinistralidade proveniente do risco de roubo e furto, auxiliam a viabilização de operações
de maiores riscos no mercado segurador.

Vale ressaltar que alguns players desse mercado como embarcadores e gerenciadores de risco também exigem este tipo de equipamento para a continuidade do processo. “Dependendo da operação/risco, há necessidade de se utilizar mecanismos de rastreamento e monitoramento da carga, cuja negociação e contratação da empresa de gerenciamento de risco fica normalmente a cargo do segurado”, salienta João Carlos França de Mendonça, diretor técnico de Transportes da Yasuda Marítima Seguros.

“O rastreador de carga tem um papel muito importante, pois permite a localização da mercadoria após seu roubo ou furto. Muitas tecnologias atuam no mercado, porém a mais eficiente para este caso é a radiofrequência, que deve ter abrangência nacional. Essa tecnologia é capaz de capturar o sinal do dispositivo mesmo em lugares fechados como contêineres e sob ação de inibidores de sinais”, ressalta Ronaldo Megda, vice-presidente comercial do Grupo Tracker. Yaron Littan, CEO da Ituran no Brasil, comenta que há mais de 10 anos, as seguradoras viram nas empresas de rastreamento uma forma de viabilizar o seguro para veículos com alta sinistralidade. “Graças aos altos índices de recuperação de veículos foi possível manter acessível o custo das apólices de seguro de inúmeros veículos. Além das seguradoras, os corretores de seguros também perceberam em empresas como a Ituran uma excelente fonte de receita. A comercialização de rastreadores para clientes que não podiam comprar uma apólice de seguro, fidelizava seus clientes e aumentavam suas receitas”, constata.

Seguros existentes no mercado nacional de transporte rodoviário de carga

Os seguros de Responsabilidade Civil – assim como o de Transportes – preveem coberturas que variam conforme as características das mercadorias transportadas e os riscos envolvidos nas operações:

Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C)

Seguro obrigatório e deve ser contratado por todos os transportadores. Prevê a cobertura de danos causados às mercadorias transportadas. Cobre basicamente: colisão, abalroamento, capotamento, explosão, tombamento e incêndio do veículo transportador.

Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo por Desaparecimento de Cargas (RCF-DC)

Seguro facultativo também destinado a transportadores rodoviários.

Prevê a cobertura pelas perdas causadas em decorrência de grave ameaça arma de fogo (por exemplo) e/ou emprego de violência e suas coberturas também podem contemplar a reposição de danos provenientes de furto simples e/ou qualificado.

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