O transporte de produtos perigosos no Brasil, por Marcos Aurélio da Costa*

Publicado em
02 de Julho de 2013
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Há dois meses me foi proposta a elaboração de um curso sobre o transporte de produtos perigosos, a qual me exigiu muita pesquisa apesar de eu já fazer parte desse mercado. O aumento do conhecimento foi substancial e as questões básicas do dia a dia que não são observadas chamaram atenção. Confesso que fiquei estarrecido diante da fragilidade do sistema que, mesmo sabendo de sua existência, surpreende pela gravidade.

Baseado na realidade do mercado hoje e no estudo realizado, compartilho o assunto com todos dividindo-o em três partes, onde abordaremos as questões sobre os produtos, sinalizações, regulamentos, capacitações e questões de infraestrutura.

Considero este texto, além de uma boa ferramenta de esclarecimento àqueles que estão ou pretendem ingressar no mercado, uma questão de utilidade pública. Afinal, esses produtos passam por você, próximos à sua casa, na sua rua todos os dias sem que haja um conhecimento razoável quanto ao RISCO, quanto aos procedimentos em casos de emergência, sem as dimensões do PERIGO de verdadeiras “bombas ambulantes” que estão nas mãos de pessoas despreparadas que, verdadeiramente, não conhecem ou não seguem certos procedimentos de segurança que caem no esquecimento diante da rotina.

São equipamentos em péssimas condições que transportam produtos que representam um risco enorme à população e ao meio ambiente. Mal sinalizados, muitos irregulares, desafiam os órgãos competentes e contribuem com a prática da corrupção num segmento onde o que deveria ser regra é exceção.

Apesar de uma atividade muito antiga, pois alguns historiadores atribuem seu início com a invenção da pólvora pela China na dinastia Han e que, mais tarde, seria transportada para uso militar, os regulamentos só foram propostos após tragédias que resultaram em perdas humanas. Foi o caso do Brasil também que em 1972, no estado do Paraná, começou a dar a devida atenção ao assunto com a explosão de um caminhão carregado com dinamites. Mas, o que repercutiu mesmo foi a contaminação de vários operários num descarregamento de pentaclorofenato de sódio, conhecido como Pó da China, em 1977 no Mercado de São Sebastião, no Rio de Janeiro, matando seis pessoas e causando doenças graves em outras tantas. Assim, em 1983 criou o Decreto-Lei nº 2.063 tornando-se o primeiro país da América Latina a criar normas específicas para o transporte de produtos perigosos.

Na segunda parte vamos abordar a regulamentação confusa que permite seu próprio descumprimento e a inexpressividade das fiscalizações.

No Brasil, a regulamentação é composta por diversos instrumentos, entre eles, pode ser destacada a Lei nº 10.233/2001 e as Resoluções nº 420/2004 e nº 3.665/2011, ambas da ANTT (Agência Nacional de transportes Terrestres). Há também as específicas para o transporte aquaviário e aéreo.

Embora embasados em históricos e assistidos pelos órgãos competentes, os itens regulamentadores tornam-se confusos por causa das mudanças constantes. O que parece é que a cada mudança ministerial, de um secretariado ou de uma comissão adjunta é motivo para mudanças em procedimentos. Claro que há a necessidade de uma evolução, de uma melhoria constante, mas muitos desses procedimentos conflitam com a realidade e são criados ou alterados já com a ciência da impossibilidade de fiscalizar, seja por falta de vontade ou por falta de condições.

A regulamentação no Brasil, assim como em outros países, é baseada no United Nations Orange Book, um livro publicado a cada dois anos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse livro se encontra o trabalho do Comitê de Especialistas de transporte de Produtos Perigosos, objetivando a segurança do comércio mundial, incluindo todos os modais de transporte. Mas, a velocidade das mudanças dos itens regulamentadores brasileiros não está alinhada com o “Livro Laranja” e a readaptação dos exigidos é uma porta para o descumprimento e para a corrupção tão presente nessas fiscalizações.

As necessidades de legislações específicas para o transporte de produtos perigosos no Brasil não são pautadas na informação e proteção da população como deveriam. É papel do poder público não só criar leis ou fiscalizar. É imprescindível ofertar infraestrutura adequada. As BR’s 101 e 116 são as principais nas rotas dos produtos perigosos e estão na lista das rodovias mais precárias e inseguras. Como então, assegurar que veículos com tais produtos não transitem em áreas povoadas e que não parem no acostamento como manda a Lei? É, no mínimo, incoerência.

O transporte de produtos perigosos no Brasil (parte 3/3)

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Na terceira e última parte vamos abordar questões operacionais, educacionais e os problemas e soluções para esse perigoso mercado.

Primeiramente, é necessário repensar a atividade hoje dos motoristas de transportes de cargas em geral: Apesar de termos ainda muitos caminhoneiros sobrevivendo com o suor do rosto, lutando para pagar seus financiamentos e dar uma boa condição de vida às suas famílias, o mercado mudou bastante na última década.

Podemos nos unir àqueles que se indignam com o tratamento dado à classe, sim!

Mas, uma parcela considerável desses “profissionais” – que vem aumentando bastante – movimenta uma parte escura desse mercado com desvios de produtos, consumo de drogas e fomentação da prostituição infantil.

Muitas pessoas não têm noção da gravidade, dos absurdos nas estradas. Aqueles motoristas que não se utilizam disso nas estradas sabem do que estou falando.

Muitas empresas buscando custos menores, e outras pequenas que nascem todos os dias, recrutam pessoas que buscam encaixe em qualquer meio para sobreviverem e vão se deixando levar por essa parte podre do mercado.

Elas precisam de pessoas que aceitem condições extremas e, para isso, diminuem as exigências de qualificação e prestação de bons serviços.

Os motoristas por sua vez pagam por consertos nos equipamentos, furos e estouros de pneus e por qualquer dano que o cliente venha reclamar.

Dessa forma, não se cria uma relação sólida de compromisso e de honestidade e eles procuram compensar isso acentuando seus desvios de conduta e, nem de longe, estão preocupados em buscar conhecimentos, tampouco com aqueles que cruzam seus caminhos por essas estradas.

Saiba que na área do transporte de produtos perigosos essa situação é potencialmente preocupante. Estatísticas apontam que 95% dos acidentes são ocasionados por falha humana e, conhecidamente, circulam no mercado três tipos de MOPP (Movimentação e Operação de Produtos Perigosos): legítimo, comprado ou falsificado.

E como se não bastasse, o legítimo está, didaticamente, bem longe da real necessidade que cerca uma condição operacional segura. Sem contar ainda que sua validade, de cinco anos, é tempo suficiente para deixar as atualizações da área a cargo do “boca-boca”, das próprias empresas que nem sempre possuem uma área especializada para tal, e das estações de carregamento que, quase sempre, instruem os motoristas apenas no que diz respeito ao comportamento seguro dentro destas unidades.

São cursos com validade de um ou dois anos e reuniões que ocorrem após um acidente entendidas, na maioria das vezes, como algo prejudicial ao andamento diário das operações.

Você deve estar se perguntando se isso é um retrato da realidade em todas as empresas. Felizmente não! Mas, acontece numa parcela muito grande, pois a preocupação com a segurança é menor do que a do rendimento da frota.

E uma empresa com frota própria nem sempre significa uma união harmoniosa entre segurança e resultados. Muitos desses casos acabam num relaxamento com um acentuado desvio de foco, transformando regras em exceções.

O conhecimento é a maior e melhor ferramenta de melhoria para os mercados, e para esse não poderia ser diferente. Contudo, o efeito do conhecimento nesse mercado está ligado diretamente à vida, ao meio ambiente.

Como dito anteriormente, é inadmissível o descumprimento das leis que protegem as pessoas levando-as a perdas expressivas da proteção em troca de tão pouco se comparados com o valor de uma vida.

É inadmissível que “profissionais” da área não conheçam, sequer, a sinalização e procedimentos daquilo que transportam.

Uma grande parte ainda acredita que toda ocorrência se resolve com água, sendo que na própria sinalização há orientações sobre os produtos que reagem com a água e, por não a distinguirem de forma correta, colocam em risco suas vidas e de terceiros.

O conhecimento ainda é a maior solução para o transporte de produtos perigosos. Mas, é só o primeiro passo de muitos para reverter essa situação de extremo perigo a que estamos submetidos.

Outros importantes como assegurar o direito dos trabalhadores, combater a corrupção presente nas fiscalizações, a manutenção das estradas e implantações de outras que possibilitem alternativas seguramente econômicas para desonerar operações que viabilizem mais investimentos em instrução e segurança são cruciais para mudar esse quadro.

A Lei da Jornada (nº 12.619) vem como um grande auxílio na redução de ocorrências. Porém, mais de um ano após sua sanção, devido grande deficiência na infraestrutura do Brasil e no poder de fiscalização, a Lei não deixou de ser só uma intenção.

E com a população longe do interesse e do conhecimento do real perigo a que está sujeita, as expectativas são – sem trocadilhos – corrosivas ou explosivas.


Escrito Por : Marcos Aurélio da Costa Foi Coordenador de Logística na Têxtil COTECE S.A.; Responsável pela Distribuição Logística Norte/Nordeste da Ipiranga Asfaltos; hoje é Consultor na CAP Logística em Asfaltos e Pavimentos (em SP) que, dentre outras atividades, faz pesquisa mercadológica e mapeamento de demanda no Nordeste para grande empresa do ramo; ministra palestras sobre Logística e Mercado de Trabalho.

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