De fato, graças ao senhor Putin, a União Europeia voltou a ser protagonista no cenário mundial. E guardadas as devidas proporções, a própria OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte também está mais fortalecida em face dos eventos que se sucederam a partir do início da invasão da Ucrânia pela Rússia. E agora com a possibilidade de incluir, no tratado, a Suécia e a Finlândia.
Diante do conflito, rápidas e importantes ações, com razoável grau de eficácia, foram tomadas. Sanções contra a Rússia (talvez as maiores da história), fornecimento de armas, ajuda humanitária, distribuição de alimentos, medicamentos e uma série de outros recursos para a Ucrânia e definição de políticas para recebimento dos milhões de fugitivos ucranianos foram algumas das providências tomadas, com significativo nível de consenso entre todos os 27 países que participam da UE. Mesmo com o risco de perder o fornecimento de gás e petróleo vindos da Rússia e que ainda abastecem vários países europeus, a UE fez o que muitos não esperavam.
Acredito que a UE, como de resto todo o mundo, entendeu os graves riscos que passaria a correr caso Putin continuasse avançando na mesma velocidade como no início do conflito. Creio também, não haver mais dúvidas que a invasão de Putin à Ucrânia coloca em ‘xeque’ não somente muitos dos valores democráticos, mas a própria Democracia e, no curto prazo, também a Globalização, pelo menos da forma como a conhecemos hoje.
Aqui vale lembrar que já a partir da pandemia da Covid-19 começaram a ser criados os primeiros obstáculos à globalização, na medida em que muitos países começaram a entender não ser conveniente depender demasiadamente de produtos e serviços importados. Principalmente àquela época, com relação a produtos e insumos químicos e farmacêuticos, ou oriundos dos países mais contaminados pela doença e com dificuldades de realizarem suas exportações. Fosse pela diminuição efetiva da produção ou mesmo por terem suas estruturas logísticas totalmente desorganizadas.
Outro ponto importante a destacar foi o aproveitamento que os representantes da Direita mais extrema, ou de um nacionalismo exacerbado e populista, fizeram com relação ao tema, posto que políticas de defesa do mercado interno e de proteção das empresas locais começaram a surgir de forma crescente em todo o mundo.
Porém, mesmo considerando insumos e produtos mais essenciais, será muito difícil qualquer país ‘viver de forma totalmente independente’. Até porque a própria iniciativa privada, ao decidir sobre investimentos e a rentabilidade de seus negócios, continuará procurando a forma mais eficaz para produzir, inclusive no que diz respeito à escolha e à localização dos mercados consumidores ou fornecedores.
Vale lembrar também, que a própria China, totalmente interdependente de quase todo o mundo é, atualmente, o maior protagonista da Globalização. Como muito já se disse a respeito, a melhor resposta aos problemas gerados pela globalização e o excesso de liberalismo econômico (economias sem regras e/ou controles), é buscar uma forma mais eficaz de praticá-los, adaptados às novas realidades e nos quais o combate à desigualdade seja de fato levada a sério.
De uma forma geral, todo o mundo ainda se sente inseguro, considerando que não se vislumbra o término do conflito para breve e os cenários futuros são de incertezas, inclusive nos campos econômico e financeiro, uma vez que as sanções aplicadas contra a Rússia deverão gerar efeitos colaterais muito rapidamente para todos, inclusive o Brasil. Sem esquecer, evidentemente, o ‘quase fechamento’ da China em face da política “covid com tolerância zero”.
No Global Economics Intelligence, de abril último, o resumo foi de que “em meio à alta inflação e à guerra contínua na Ucrânia, a forte demanda persistirá”, mas com previsão real de queda no crescimento em todo o mundo. Vale lembrar inclusive, que deverá haver aumento significativo nos gastos militares e bélicos, pois diminuir vulnerabilidade será uma das prioridades governamentais a partir de agora.
Se o Sr. Putin acreditava que a invasão à Ucrânia se concretizaria rapidamente, inclusive com a ‘concordância’ do povo ucraniano (a Ucrânia não é russa, como fez por demonstrar a grande maioria dos ucranianos) e do mundo ocidental, à semelhança do que ocorreu nas invasões da Georgia (2008) e da Criméia (2014), ele errou. E feio. Como escrevi em outro artigo, publicado no Portal do Guia do TRC dia 07/03/22 (“A invasão da Ucrânia pela Rússia, a Democracia e o Brasil”), a Ucrânia, assim como outros países que participavam ou eram totalmente influenciados pela antiga União Soviética, optou por ficar mais próxima do mundo ocidental e democrático e “fugir” da influência dos países mais autoritárias do oriente.
Entretanto, pelo que se nota, todo cuidado ainda é pouco, pois como escreveu Thomas Friedman, em reportagem do New York Times publicada no Estadão dia 22/03/22 (“Plano A de Biden contra plano B de Putin”), “Putin pode sentir que não pode tolerar qualquer tipo de empate ou acordo sujo. Ele pode sentir que qualquer coisa além de uma vitória total é uma humilhação que minaria seu controle autoritário do poder”. Nesse caso ele poderia optar por um plano muito mais drástico e, na pior das hipóteses, até utilizar armas nucleares.
Adicione-se a tudo isso os terríveis impactos que serão gerados às economias europeias e aos países, direta ou indiretamente, envolvidos no conflito. Os riscos de recessão na Europa e nos EUA não são descartados, assim como aqueles que poderão levar a inflação a altas indesejáveis e duradouras. A desorganização da produção e das estruturas logísticas correspondentes parece eminente. Rússia e Ucrânia, em particular, ‘viverão’ um grave desastre econômico.
O mundo ocidental já sabe que a Democracia, o Estado de Direito e a Economia de Mercado (incluindo aqui o fenômeno da globalização), ainda se mostram como o melhor caminho para a prosperidade global, e que isso somente é possível dentro de um ambiente de segurança e de respeito às instituições mundiais vigentes. Mas é preciso reconhecer seus defeitos e criar uma nova ordem, posto que as outras alternativas apresentadas são piores. Não menos importante é compreender que se a preservação desses valores depende de uma forte e real conciliação entre EUA e UE, é essencial não deixar Putin vencer.
Mas é preciso viabilizar uma “saída” para Putin e neste ponto a China pode desenvolver um papel preponderante, pois ela não tem qualquer interesse – assim como todo o mundo – em um prolongamento dessa guerra, uma vez que é um país com extrema interdependência a quase todo o mundo ocidental, em termos comerciais, financeiros e econômicos. China, EUA e UE sabem que expandir a interdependência entre países é uma necessidade geoestratégica.
Enquanto isso, aqui no Brasil, aprendizes de ditadores, demagogos e os populistas de sempre, tanto faz se da esquerda, centro ou direita, aproveitam esse momento conturbado e o desgoverno instalado para complicarem ainda mais o ambiente, pois ao radicalizarem suas campanhas políticas e estimularem a polarização, impedem que a sociedade consiga compreender, de fato, tudo o que vem ocorrendo. E pior, pois ainda propõem soluções que ignoram o mercado e nas quais os poderes legislativo e judiciário – se permitidos a funcionarem – sejam subordinados ao poder executivo.
Pode parecer ‘fantasia’, mas infelizmente isso tem atraído parte significativa da população brasileira e muitos dos representantes das classes política e empresarial brasileiras, que por ignorância, recebimento de benesses no curto prazo e promessas para o futuro cada vez mais distante, deixam-se cooptar por esses ‘vendedores de ilusões’. Ou melhor, ‘vendedores de mentiras’.
Se me permitem, gostaria de citar parágrafo publicado no Editorial do Estadão de 24/04/22 (“Fiascos Autocráticos”): “O abalo à ideia de que a autocracia funciona é uma ameaça existencial aos populistas e autoritários no Ocidente”. E mais, como disse o articulista Thomas Friedman, “enquanto ainda pudermos votar para nos livrar de líderes incompetentes e manter ecossistemas de informação que exponham mentiras sistêmicas e desafiem a censura, seremos capazes de nos adaptar numa era de rápidas mudanças”. Mas essas vantagens competitivas só serão reais se forem postas em prática. Se os líderes autocráticos estão mais vulneráveis, os democráticos ainda têm um longo caminho para resgatar a confiança de suas populações” (grifos meus).
Pois é, os governantes, as classes empresariais e as sociedades de uma forma geral, em todo o mundo democrático, deveriam refletir profundamente a respeito, inclusive e principalmente aqui no Brasil, que vive época pré-eleitoral, pois é fundamental que se mantenham, em pleno funcionamento, a Democracia e o Estado de Direito. Ainda a melhor e mais participativa forma de se organizar nações e países.