Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes* – 15.01.22
Ao longo do tempo, são diversos os estudos, projetos e planos desenvolvidos, não só pelo Governo Federal mas também pela iniciativa privada, no sentido de se alcançar, nas atividades logísticas, maior produtividade e eficiência operacional, tanto para as movimentações internas de mercadorias como aquelas voltadas à exportação e à importação.
Exatamente com esses objetivos, ainda no ano passado (03/12/21), o Ministério da Infraestrutura (MInfra) e a Empresa de Planejamento Logístico (EPL) lançaram o Plano Nacional de Logística 2035 (PNL2035) e, reconheça-se, com uma significativa vantagem quando comparado com outros planos, por três fatores que considero fundamentais:
1º) Ao invés de “partir do zero”, o MInfra/EPL optou por analisar os diversos diagnósticos e estudos já existentes, fossem eles relativos às obras em andamento, à viabilidade de cada uma delas, aos contratos de concessões ou às desestatizações previstas. Aproveitando-se daquelas experiências e de mais de dois mil projetos conhecidos, muitos dos quais ainda no papel e outros já com obras iniciadas (1), foi possível construir uma proposta que, além da visão de futuro e considerando as oportunidades que se apresentavam, buscou atender as principais necessidades nacionais;
2º) Reconhecimento, diante dos baixíssimos níveis de investimentos em infraestrutura logística e de transportes realizados (2), notadamente nos últimos anos, insuficiência até para a reposição da “infraestrutura gasta” o que, sem dúvida, vem resultando na significativa redução do “estoque” de infraestrutura nacional (3), com consequências imediatas no aumento de custos e na diminuição da qualidade dos serviços prestados;
3º) Elaborado com significativa participação da sociedade, de especialistas e técnicos ligados ao setor, o PNL2035 também se valeu de reuniões (consultas públicas e “webinares”) para a coleta de informações e toda a espécie de subsídios pertinentes.
Para elaboração do Plano, considerando as diversas hipóteses de demanda futura, variação regulatória e inovação tecnológica, foram desenvolvidos nove cenários distintos. Isso, evidentemente, criou reais possibilidade para que se escolhessem os projetos que mais causassem “impactos positivos transformadores”, tanto sob o ponto de vista econômico como operacional. E na avaliação de cada um desses cenários foram considerados diversos indicadores, tais como acessibilidade, eficiência, confiabilidade, segurança, racionalidade da matriz, modal de transporte, integração internacional, impactos no desenvolvimento socioeconômico regional e econômico nacional, sustentabilidades econômica e ambiental (4), atendimento às demandas de defesa e segurança nacionais. As análises de cada um dos cenários mostraram as necessidades gerais para o desenvolvimento da rede de transportes, bem como aquelas mais específicas e relacionadas às características de cada região geográfica do País.
Além do que, conforme diagnóstico de há muito conhecido, quatro pontos foram correta e justamente destacados: 1) necessidade de se desenvolver projetos específicos para modernização das frotas (ferroviário, portuário e rodoviário, principalmente); 2) elaboração de um conjunto de melhorias que diminuam os tempos de transferência das cargas, nos diversos modais; 3) ampliação das capacidades operacionais, notadamente no modal ferroviário e nas operações portuários; 4) investimentos para a prevenção de acidentes, em especial no modal rodoviário.
Segundo o PNL2035, a expansão e o desenvolvimento da infraestrutura de transportes no Brasil até 2035, caso seja considerado o Cenário 9 (de máxima oferta), necessitará R$ 789 bilhões em investimentos (média de R$ 52,6 bilhões por ano). No Cenário de menor demanda, os investimentos poderiam alcançar cerca de R$ 376 bilhões (média de R$ 25,1 bilhões por ano). Observação: ao considerar todos os recursos direcionados a investimentos e manutenção dos empreendimentos simulados, o valor total de desembolso previsto até 2035 pode chegar a R$ 1,172 trilhão no cenário com maior oferta de infraestrutura logística (Cenário 9).
Vale à pena relembrar que já em 2017 a Confederação Nacional do Transporte (CNT), na apresentação de seu plano de transporte e logística, ao listar mais de 2.045 projetos para todos os modais de transporte, de forma integrada e sistêmica, estimava investimentos na ordem do R$ 1 trilhão.
Apenas como ilustração, alguns dos principais resultados esperados com a realização do PNL2035: (a) elevação do modal ferroviário dos atuais 21% de participação no total, quando medidos por TKU (tonelagem por quilômetro útil), para 30% no mínimo, em todos os cenários; (b) redução de até 16% nos níveis de emissões de GEE; (c) redução de até 12% no tempo médio nos deslocamentos das pessoas no âmbito urbano; (d) redução no custo médio do transporte de cargas intermunicipal, entre 17% a 39%; (e) aumento de até 9% na segurança rodoviária; (f) expectativa de que os investimentos realizados produzam impactos positivos no PIB de até 11%.
Considere-se também, que no Cenário Transformador (de nº 9), entre outras projeções, são esperados: (a) diminuição no custo do transporte de cargas em até 27%; (b) redução no tempo de viagem dos passageiros em 8%; (c) redução nos acidentes rodoviários em 17%. Valores significativos, sem dúvida.
Em 2017 foram realizadas mais de 66 milhões de viagens no transporte de cargas, em todos os modais, totalizando 3,8 bilhões de toneladas de carga transportada. Para 2035 projetam-se 81 milhões de viagens e aumento na demanda por transporte entre 33% a 54%. E se em 2017 ocorreram 2 bilhões de viagens individuais interurbanas (84% por automóveis e 14% por ônibus), projeta-se para 2035 entre 2,32 bilhões a 2,49 bilhões de viagens.
Com base nessas (e outras) novas demandas, foi possível projetar uma infraestrutura de transportes compatível. Alguns números e informações: (a) aumento na extensão da malha ferroviária em 61%; (b) via pavimentações, duplicações e demais intervenções em estudos já previstos nos contratos de concessões atuais, aumento na capacidade do transporte rodoviário equivalente a 61%; (c) aumento no número de aeroportos com voos regulares em 53%; (d) aumento nas operações portuárias entre 42% e 104%. Nos portos do Arco Norte esse aumento deverá ficar entre 73% e 125%; (e) crescimento médio acumulado nos 15 anos do Plano, para os diversos modais: rodoviário, 5%; ferroviário, 193%; cabotagem, 57%; hidroviário, 44%; dutoviário, 58%; e aeroviário, 60%.
Com relação aos investimentos vale ainda ressaltar que a atual situação das finanças públicas nacionais inibe, e muito, a utilização de recursos públicos, cabendo à iniciativa privada, portanto, maior participação (5). E isso pode ser uma boa notícia se considerarmos certa ‘improdutividade’ do setor público, bem como sua maior vulnerabilidade à corrupção e à descontinuidade.
Consequentemente, como os investimentos em infraestrutura geralmente envolvem grandes quantias, cujos retornos acontecem somente a partir do médio-prazo, será imprescindível que o País se mantenha, política, econômica e juridicamente, em situação extremamente estável, de tal forma que as condições regulatórias e contratuais sejam satisfatórias para todos. Planejamento de longo prazo e respeito ao que foi contratado são desejáveis.
A observação feita no bojo do PNL2035 é perfeita: “nessa perspectiva, é essencial que os empreendimentos analisados de forma mais detalhada nos planos setoriais busquem soluções aderentes às necessidades econômicas e sociais do país, mas também que sejam atrativas para o mercado”.
Quase que simultaneamente (dia 14/12/2021), também foi aprovado pelo Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura (6), o Plano Integrado de Longo Prazo de Infraestrutura 2021.2050 (PILPI-2021/50), no qual estão previstos os investimentos necessários a esse mister, ao longo dos próximos 30 anos. Evidente que estão contempladas aqui as iniciativas previstas pelo PNL2035, mas é importante ressaltar a importância do PILPI, pois além de oferecer base consistente para avaliações, cria-se um espaço para a realização de discussões e novas atualizações. É a partir desta visão, sistêmica e integrada, que contempla planos de Governo e de Estado, Gerais (infraestrutura como um todo) e Específicos (transportes), que se tem reais possibilidades de se compreender quais são os investimentos necessários para que o País elimine seus principais problemas de infraestrutura.
Interessante também, aliás como explicitado no próprio PILPI-2021/50, observar que seus principais objetivos tem total aderência do que busca o PNL2035: (a) enfatizar as qualidades ambientais, sociais e de governança desses projetos; (b) desde que mantida a autonomia de cada ministério e suas respectivas prioridades, promover a compatibilidade entre os diversos planos setoriais que compõem a infraestrutura do Governo Federal e, se possível, destes com aqueles desenvolvidos pelos governos estaduais e municipais; (c) aumentar a participação do setor privado nos investimentos previstos (incluem-se, aqui, a consolidação das reformas regulatórias); (d) melhorar a qualidade e a eficiência do gasto público nessas atividades; e (e) aumentar a qualidade e o estoque de infraestrutura no País.
Mesmo considerando o razoável sucesso do atual Ministério da Infraestrutura, atrevo-me a fazer algumas observações que podem ajudar na consecução do que aqui se propõe.
1º) Consolidar o PNL2035 (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2035) como um plano de Estado e em real instrumento de institucionalização de um processo contínuo de planejamento, de forma a integrar todas as políticas pertinentes, inclusive com o PILPI.
2º) Restabelecer a capacidade de planejamento integrado que contemple, de fato, toda a cadeia logística nacional, e definir a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), uma vez que existe para essa finalidade, como única empresa estatal responsável para organizar, estruturar e qualificar o planejamento integrado da infraestrutura e da logística no Brasil.
3º) Reforçar a integração dos modais de transporte e as cadeias produtivas, respeitando as vocações regionais e o meio ambiente e de tal forma que se estimule a multimodalidade.
4ª) Estabelecer políticas que direcionem os investimentos em infraestrutura de transporte rumo ao “carbono zero”, pois sem dúvida, uma das grandes preocupações mundiais é o cuidado com a proteção do meio ambiente e da sustentabilidade. Ferrovias e hidrovias não só contribuem para a elevação dos níveis de serviço e a diminuição de custos, como também a emissão de Gases de Efeito Estufa - GEE.
5ª) Promover, em toda a infraestrutura de transportes existente, melhorias nas condições para permanência daqueles que trabalham no setor, mais notadamente os trabalhadores de “chão de fábrica”, pois é imprescindível maiores cuidados com a saúde e a segurança das pessoas, principalmente diante das possibilidades, cada vez maiores, da ocorrência de pandemias como a atual.
6ª) Considerando-se a importância dos impactos que o PNL2035 poderá gerar no setor, será essencial exaustivo esclarecimento e negociação com todas as partes envolvidas, de forma a evitar atrasos, retrocessos ou resistências desnecessárias. No transporte rodoviário, por exemplo, considerando-se que alguns fretes de longa distância poderão ser substituídos por fretes de curta distância, os impactos na vida dos “caminhoneiros” serão diretos e reais.
Em resumo, é preciso definir os novos papéis institucionais dos diversos órgãos que “discutem e planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país, incluindo-se aqui, as próprias agências reguladoras, que precisarão desempenhar um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, mais complexa operacionalmente e que exige novas relações com as concessionárias. E estas, por sua vez, precisam oferecer, além de tarifas justas, maior qualidade nos serviços prestados.
Será fundamental que se combatam os entraves à modernidade, tais como a fragmentação dos núcleos de gerenciamento e decisão, a desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, a politização dos cargos nas agências, ministérios e departamentos técnicos, as indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios, e a falta de políticas claras de investimentos e suas correspondentes garantias.
Depois de décadas de paralisia, o Brasil já passou pela fase de discussão e conhece as principais causas que mantêm o chamado “custo logístico” como um dos entraves do crescimento e desenvolvimento econômicos. Tratado como prioridade, a efetiva e eficiente execução do PNL2035, bem como os ajustes futuros, não só contribuirá para a melhoria da logística brasileira como estimulará a realização de novos investimentos. Urge, portanto, transformar o PNL2035, assim como outros que se seguirão, em realidade.
(1) Principais empreendimentos considerados:
• Intervenções previstas em todos os contratos de concessões e parcerias vigentes;
• Obras públicas em andamento e previstas;
• 164 aeroportos com voos regulares, conforme previsões do Plano Aeroviário Nacional
2018/2038;
• Investimentos nas vias navegáveis: derrocamentos; melhorias e construção de IP4 e intervenções de grande porte previstas no antigo Plano Hidroviário Estratégico;
• Novas ferrovias, como Ferrogrão, FIOL, FICO, novos tramos da FNS e extensões das malhas ferroviárias atualmente em operação;
• Terminais de Uso Privado – TUPs, arrendamentos, desestatizações e ampliações de capacidade dos portos;
• Duplicações, pavimentação e intervenções na infraestrutura rodoviária Federal e estaduais.
(2) Segundo dados publicados pelo “Radar CNT do Transporte – Orçamento Federal”, os investimentos da União em transporte tiveram baixas significativas. Os valores investidos, respectivamente nos anos de 2001, 2012, 2021, a preços de dezembro de 2021 foram R$ 15,62 bilhões, R$ 42,90 bilhões e R$ 8,69 bilhões. Como se vê, enquanto a variação entre 2001 e 2012 foi positiva em 175%, entre 2012 e 2021 a variação negativa chegou a 80%. Pior, em 2022, segundo a LOA2022 (Lei Orçamentária), os investimentos previstos são ainda menores: R$ 8,58 bilhões.
(3) Estudos de Cláudio R. Frischtak e João Mourão (InterB Consultoria Integrada), publicados em 24.05.21, mostram que os investimentos público e privado, especificamente em transportes (rodoviário, ferroviário, mobilidade urbana, aeroportos, portos e hidrovias), que representaram 2,36% do PIB brasileiro na década de setenta (do século passado!), alcançaram apenas 0,56%, 0,53%, 0,45% e 0,42%, respectivamente, nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Não estamos investindo nem sequer para repor o capital gasto, o que faz com que nosso “estoque” de infraestrutura de transporte, ainda segundo dados da InterB, que já representou 21,4% do PIB na década de oitenta, agora em 2020 chegou a apenas 11,7%! Estamos investindo cinco vezes menos do que investíamos há 40 anos e, exatamente por isso, “perdendo” infraestrutura. Outras fontes: “Uma estimativa do estoque de capital de infraestrutura no Brasil” – Cláudio R. Frischtak e João Mourão – 22.08.2017 (trabalho feito para o IPEA no contexto do programa “Desafios da Nação”).
É constante a diminuição dos investimentos públicos na infraestrutura como um todo, e na infraestrutura de transportes em particular. Com base nos recursos que constam no orçamento federal, os investimentos em infraestrutura de transporte para 2021 é de apenas R$ 7,34 bilhões. Em 2012 essa quantia foi de R$ 40,13 bilhões. Analisando-se os desembolsos do BNDES para financiar projetos voltados à infraestrutura de transportes, a decepção é a mesma: em 2010 o banco desembolsou o equivalente a 0,9% do PIB e em 2020 apenas 0,1%.
(4) É de conhecimento público que o setor de transporte é um dos setores que mais contribuem para a emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, diferentemente de outros setores, tem adotado poucas providências para diminuí-las. E se diversos objetivos são traçados para diminuir os impactos negativos junto ao meio-ambiente, até que se chegue à “neutralidade climática” (Acordo de Paris, ODS da ONU etc.), é fundamental que o setor de transportes, inclusive quando “constrói” sua infraestrutura operacional, realize suas atividades de forma mais sustentável. Como “infraestrutura sustentável de transporte”, vou me socorrer do estudo realizado pela McKinsey: uma infraestrutura “resiliente às mudanças climáticas, socialmente inclusiva, tecnologicamente avançada, produtiva e flexível”. “Um projeto organizacional adequado, com ferramentas digitais, indicadores de desempenho e abordagem conjunta entre todas as partes interessadas”. Essencial que todas as partes interessadas apliquem “conceitos e métricas de sustentabilidade em todos os estágios da administração (“Feito para durar: fazendo da sustentabilidade uma prioridade na infraestrutura de transporte”, estudo McKinsey, elaborado por Emma Loxton , Luca Milani, Detlev Mohr e Nicola Sandri e publicado em 01.10.21).
(5) Somente com os leilões de 14 rodovias previstos para 2022, o governo quer alcançar contratos que, somados, ultrapassam os R$ 80 bilhões. Considerando que no mercado brasileiro isso será muito difícil, o governo vem trabalhando para trazer fundos e empresas estrangeiras. O próprio BNDES poderá ser utilizado para financiar projetos. Segundo Amanda Pupo (Estadão de 11.01.22), “no BNDES, a avaliação é de que os projetos que estão sendo colocados na praça, com o auxílio da estruturação do banco, comportam esse tipo de financiamento”. A conferir.
Participação privada nos investimentos: “Cerca de 80% do investimento considerado no Cenário 1 (R$ 315 bilhões) é proveniente da iniciativa privada, e desses, 80% (R$ 253 bilhões) já se encontram assegurados em contratos de concessões vigentes”.
(6) Criado pelo Decreto nº 10.526, de 20 de outubro de 2020, o Comitê é coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e tem os seguintes representantes: Ministério da Economia; Ministério da Infraestrutura; Ministério de Minas e Energia; Ministério das Comunicações; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Desenvolvimento Regional; Controladoria-Geral da União; e Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Na elaboração do PILPI foram consideradas as projeções de crescimento demográfico e econômico já utilizados pelo Governo Federal em outros estudos, bem como os planos e estudos setoriais (transportes, energia, telecomunicações, infraestrutura hídrica e saneamento básico, pesquisa e desenvolvimento e mobilidade urbana) existentes.