O impasse do frete

Publicado em
27 de Setembro de 2018
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A lentidão do STF em julgar se o tabelamento do frete é constitucional trava investimentos no agronegócio e pode gerar prejuízos de US$ 2,4 bilhões para exportadores de soja e milho

O agronegócio brasileiro vive uma situação delicada imposta pela Lei 13.703, de 2018, que instituiu a Política Nacional de Pisos Mínimos de Transporte Rodoviário de Cargas, o tabelamento do frete. A Medida Provisória (MP) que depois se transformou em lei (veja quadro abaixo) foi a forma “desastrosa”, segundo entidades do setor, encontrada pelo governo para colocar fim à greve dos caminhoneiros que paralisou o Brasil no fim de maio. O problema é que a nova lei trouxe um clima de incerteza jurídica e imprevisibilidade. “É um absurdo, uma medida que o Brasil tentou nos anos 80 e foi um fracasso. As experiências internacionais são claras: sempre fracassam”, diz Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). “Em uma economia de mercado, não é possível tabelar uma atividade e não tabelar outra. Se tabelar tudo, vira uma União Soviética, uma Coreia do Norte”, acrescenta.

Antônio da Luz não está sozinho. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Associação do Transporte Rodoviário do Brasil (ATR Brasil) são totalmente contra e entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a suspensão da tabela. O Conselho de Defesa Econômica (Cade) também rechaçou a medida ao alegar que a lei dos preços mínimos gera efeito semelhante ao de um cartel. No STF, a relatoria das ADIs está com o ministro Luiz Fux, que, desde junho, tem realizado reuniões com as partes envolvidas, mas ainda não deu seu parecer. A expectativa era que seu veredito saísse na audiência do dia 27 de agosto, mas o ministro optou por levar a questão para o plenário da Casa, o que deve adiar a decisão para após as eleições.

QUEDA DE PRODUTIVIDADE

A Lei do Frete (13.703) foi sancionada pelo presidente Michel Temer na primeira quinzena de agosto. Naquele momento, a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) alegou que só faria o novo tabelamento após o julgamento das ADIs. Mas, com o aumento de 13% no preço do óleo diesel no início de setembro, a agência divulgou a nova tabela com reajuste médio de 5% no valor do frete. Além disso, a ANTT analisa aplicar multas de R$ 5 mil para quem descumprir a tabela e de R$ 3 mil para quem intermediar negociações abaixo do piso. Enquanto nada se resolve, as entidades do agro têm pressionado o governo. A CNA, por exemplo, entrou com medida cautelar solicitando suspensão da nova tabela e análise imediata das ADIs pela Suprema Corte.

Essa indefinição cria um clima de incerteza para o agronegócio nacional, sobretudo para grãos. O segmento tinha tudo para estar comemorando o aumento da demanda de soja da China, impulsionada pela disputa comercial entre o país asiático e os Estados Unidos e também pelos problemas climáticos que atrapalharam a safra da Argentina. As consultorias chegaram a projetar uma expansão de 5% na área de soja em 2018/2019 – que começou a ser semeada este mês. No entanto, as indefinições relacionadas ao frete fizeram os produtores recuarem. “Devemos manter ou até mesmo reduzir a área plantada de soja. E há ainda outro ponto mais crítico. O Brasil pode reduzir a produtividade por hectare por falta de investimento tecnológico, insumos e fertilizantes”, diz o agricultor Bartolomeu Pereira Braz, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja-Brasil).

A possível queda na próxima safra tem duas razões. A primeira é a falta de previsibilidade, que tem travado as vendas futuras de grãos, o chamado barter, modalidade em que o agricultor compra insumos, comprometendo parte da produção futura de grãos. “Negociamos menos da metade do que deveria ter sido negociado”, diz Braz. A segunda é a alta dos fertilizantes, já que 80% da matéria-prima do produto é importada e foi impactada tanto pelo aumento do frete quanto pela desvalorização do real em relação ao dólar. Todos esses fatores penalizam a competitividade do setor, que já tem um custo logístico para escoamento de safra três vezes mais alto que o de concorrentes como Argentina e EUA.

É bom lembrar que o complexo soja (grãos, farelo e óleo) é o carro-chefe das exportações do agronegócio e desempenha papel essencial para o superávit da balança comercial brasileira. Em 2017, por exemplo, as vendas do segmento foram de US$ 31,7 bilhões. Nos primeiros sete meses deste ano, as remessas ultrapassaram US$ 27 bilhões, alta de 18,5%, puxada, sobretudo, pela demanda chinesa em função da disputa do país oriental com os Estados Unidos. De acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), o custo adicional estimado para os exportadores de milho, soja e farelo de soja em 2018 é de cerca de US$ 2,4 bilhões. “Este ano as tradings estão assumindo o prejuízo porque já tinham contratos com o produtor e com o importador”, diz Sérgio Mendes, diretor geral da Anec.

Mas se engana quem pensa que o exportador pode arcar com esse custo extra. “As companhias trabalham com grandes volumes de exportação e margens estreitas, que giram entre 1% e 2%”, explica Mendes. “Em um regime regulado por Bolsa de Valores, onde há teto de preço, não é possível repassar este custo adicional”, acrescenta. No próximo ano, se o tabelamento de preço for mantido, a conta cairá no colo dos produtores de soja e milho, que – pelos cálculos de Mendes – terão um custo adicional de US$ 5 bilhões.“É um valor enorme, um passivo que as exportadoras não têm como assumir. As empresas são grandes, exportam quantidades monumentais, mas as margens são reduzidas. Toda a receita está baseada em volume”, comenta Mendes.

No último dia 13, representantes da Aprosoja, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e das tradings se reuniram com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, para mostrar os impactos do frete para o setor e cobraram uma solução. “O governo ainda está com medo dos caminhoneiros. Mas, se não enfrentar, vai virar refém”, aponta Braz.

EFEITO CASCATA

A atividade leiteira é outra bastante prejudicada. “A greve causou insegurança jurídica. Nossas empresas não estão cumprindo a nova tabela, porque o setor não tem margens sobrando para colocar mais custo à atividade”, analisa Alexandre Guerra, presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat) do Rio Grande do Sul, estado que envia 60% da produção para outras unidades federativas. “Há regiões nas quais o custo do frete aumentaria 20%. Em outras, chegaria a 100%”, pontua Guerra.

O tabelamento tem outro efeito adverso: provoca a saída dos pequenos produtores. “Não é viável para a indústria pegar um caminhão e ir na propriedade buscar poucos litros de leite. O custo do frete fica muito alto”, explica o presidente. A situação não é diferente no restante do País. Segundo a Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), o transporte corresponde a 20% do valor final de leite e derivados, e a nova tabela de frete causa distorções de valores que chegam a superar 150% quando comparados aos praticados anteriormente pelo mercado.

A consequência é aumento do preço nas gôndolas e alta da inflação. Diante deste cenário, muitos produtores, cooperativas e empresas têm cogitado a compra de caminhões. A primeira a se pronunciar foi a americana Cargill. Desde a primeira tabela divulgada pela ANTT, a exportadora disse estar analisando a aquisição de frota própria para driblar a medida. A mesma solução está sendo trilhada pela Copersucar, maior comercializadora de açúcar e etanol do Brasil, e pela Amaggi, gigante na comercialização de grãos, que avalia a compra de 300 a 500 caminhões.

De acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o emplacamento de caminhões até agosto deste ano aumentou 51% em relação ao mesmo período de 2017. No entanto, a assessoria da Federação disse que não dá para identificar quanto dessa demanda é proveniente do agronegócio. “A tabela do frete não é salutar para o consumidor, não é para indústria nem para os próprios caminhoneiros, porque está impulsionando as empresas a colocarem frota própria, e não haverá frete para os autônomos”, finaliza Guerra.

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