Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes – 04.02.2022*
De uma forma geral, se já não era concretamente admitido pela grande maioria, a pandemia que se instalou em todos os países obrigou quase todos a reconhecerem quão frágil era a situação econômica e social, e consequentemente política, do mundo atual (1). Pelo menos é o que parece, considerando que a sociedade tem se mobilizado cada vez mais à favor do meio-ambiente, da saúde e da igualdade e contra a discriminação e o racismo.
Consequentemente, apesar de alguns “retrocessos” e as exceções de sempre, muitos são os posicionamentos de especialistas, políticos e líderes nos mais diversos setores da atividade humana, que passaram a se ‘ocupar’, agora com maior ênfase, dos aspectos relacionados à sustentabilidade, à proteção dos direitos humanos, ao crescimento econômico e à melhoria do bem-estar de todos (2).
Até mesmo os investidores e empresários, felizmente, começam a defender conceitos de “economia circular”, “economia da vida”, “capitalismo consciente”, “ESG” (ambiental, social e governança) etc., simultaneamente ao fato de que os consumidores, principalmente os mais jovens, preferem adquirir bens e serviços de empresas que, além de valores morais e éticos já consagrados pela sociedade, também praticam atividades que podem ser caracterizadas como de “responsabilidade social” (3). São consumidores que se dispõem, inclusive, a pagar mais por produtos e serviços oriundos de empresas com essas características.
Não à toa, a própria Bolsa de Valores brasileira, a B3, tem divulgado seu próprio índice (ISE-Índice de Sustentabilidade) para classificar as empresas listadas na Bolsa com relação ao conceito “ESG”, posto que há uma clara exigência dos investidores para que as empresas passem a praticá-lo (4). Nos países mais desenvolvidos, apenas como exemplo, já existem bancos que apenas emprestam, financiam ou realizam investimentos em empresas com o “Green Bond”, isto é, selo de sustentabilidade.
Pelo visto, defender esses valores, além de ser correto, passou a ser um excelente negócio. Até porque se é necessário considerar o risco climático ou de novas pandemias nas tomadas de decisões governamentais ou empresariais, essencial também é ocupar-se de tarefas que diminuam esses riscos ao máximo (5).
Ainda recentemente (24.11.21), o AutomotiveBusiness ao realizar debates com respeito à ‘governança socioambiental’, foi claro ao concluir que as “montadoras encaram ESG como assunto estratégico”. Disse a diretora de comunicação e sustentabilidade da Volkswagen, Priscilla Cortezze: “O setor de transporte responde por 16% das emissões globais, então somos responsáveis por isso. Na matriz, o ESG é um tema relacionado à área estratégica da montadora, algo que faz parte do negócio”. E complementou a diretora de comunicação e sustentabilidade da Toyota, Viviane Mansi: ESG “é termo que faz parte do negócio e deixou de ser algo restrito às questões ligadas às fábricas em termos de emissões e poluentes”.
A Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores), por sua vez, assinou acordo para reduzir a emissão de carbono no Brasil: “Mobilidade Sustentável de Baixo Carbono”. A Randon, tradicional empresa brasileira que desenvolve soluções para o transporte e fabrica reboques, semi-reboques e outros implementos rodoviários, até o final deste ano, deverá trabalhar somente com fornecedores que tenham “boas práticas ambientais”.
Problemas gerados pelo aumento da temperatura, pelas inundações e deslizamentos de terra ou pela falta de água, por exemplo, quase sempre são causados pela ação do ser humano. A emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa, o desmatamento e os incêndios florestais, a excessiva utilização de materiais descartáveis mas que resistem ao tempo etc., apenas evidenciam a necessidade de serem adotadas providências urgentes, posto que os impactos negativos na vida do ser humano, direta e indiretamente, serão cada vez maiores (6).
Com o aumento do calor, por exemplo, espera-se baixa produtividade dos trabalhadores que operam ao ar livre, enquanto que inundações, seja pelo excesso de chuvas ou do avanço dos oceanos, implicam em danos físicos irreversíveis ou cuja recuperação é de altíssimo custo (casas ou infraestrutura). Óbvio que as correspondentes interrupções dos processos de produção, com impactos e frequência maiores, desestruturam as cadeias de abastecimento e desorganizam quase toda a economia. Aumentos de custos e de preços, e certa generalização no processo inflacionário serão sentidos em todo o mundo.
Não há dúvida que as mudanças de clima, diferentemente de outras épocas, precisarão ser devidamente consideradas quando, tanto o setor público como o privado, forem planejar o futuro. Assim como os temas voltados à proteção das pessoas (7) e dos ativos, da necessidade de se aumentar a resiliência, da imprescindibilidade de se reduzir a exposição, de se repensar o seguro e as finanças ou de se buscar a descarbonização. Há que se considerar, inclusive, a necessidade de se revisar os sistemas de auditoria e controle, de tal forma que sejam introduzidos indicadores que retratem os temas aqui abordados. Em especial aqueles relativos à saúde e à segurança dos funcionários, posto que manter trabalhadores bem cuidados, além de ser uma atitude correta e digna, ainda aumenta a produtividade empresarial.
É cada vez mais perceptível que essas novas práticas atendem as exigências dos “stakeholders”, uma vez que fazer o que é certo está no radar de acionistas, funcionários, clientes, fornecedores e de toda a sociedade no qual esses empresas estão inseridas. Já em abril do ano passado, exatamente no dia 14.04.2021, o jornalista Marcus Nakagawa, ao escrever no Estadão o artigo “ESG e Sustentabilidade Empresarial”, deixou um recado claro e muito importante: “a análise do ESG é fundamental para a tomada de decisão dos investidores diminuírem seus riscos, além de responder às demandas da sociedade e do planeta, de uma forma monetizada, política ou de relacionamento positivo”.
Entretanto, se bem que não se pode ignorar as considerações feitas com relação a importância econômico/financeira dessas práticas, uma vez que implicam em aumento de competitividade empresarial (8), vale ressaltar os aspectos éticos, morais e de responsabilidade social envolvidos.
Está claro que maximizar o valor da empresa, agora e no futuro, é um dos objetivos empresariais, e que isso está diretamente ligado à responsabilidade que cada uma dessas empresas tem com seus clientes, funcionários, fornecedores, acionistas, comunidades e meio ambiente. Mas é dever, também, que todos fiquem atentos aos problemas que existem além de suas fronteiras de atuação, posto que os riscos de um pequeno desleixo, notadamente com relação aos temas aqui expostos, poderá provocar danos ainda maiores. Muito maiores.
(1) Como tenho comentado, a pandemia, além de agravar muitos deles, mostrou de forma clara e objetiva, problemas que já existiam e que muitos, por ignorância, ‘desinteresse’ ou má fé, preferiam ignorá-los. E além de aumentar a desigualdade, não conseguiu ‘despertar’, pelo menos da forma como eu gostaria, maior solidariedade ou maior consciência a respeito das dificuldades que afligiam as populações mais desprotegidas. Inevitavelmente, as camadas mais pobres das populações em todos os países do mundo, assim como os países menos desenvolvidos do planeta, foram os que mais sofreram.
(2) A própria ONU, na Assembleia Geral que comemorou seu 75º aniversário, ao desenvolver o temo “O futuro que queremos, as Nações Unidas de que precisamos” não teve dúvidas ao estabelecer suas prioridades. Pela ordem são: (a) acesso a serviços de saúde, água, saneamento e educação, (b) mais solidariedade internacional e apoio aos lugares mais impactados pela pandemia, (c) enfrentamento às mudanças climáticas, (d) combate à pobreza, à corrupção, à violência e ao desemprego e respeito aos direitos humanos. Faz parte da Agenda 2030 da ONU, por exemplo, difundir ao máximo o conceito de “economia circular”, conceito que implica em se desenvolver modelos de produção e consumo que reduzam a dependência em relação a recursos naturais não renováveis e ainda auxilie na diminuição da degradação ambiental e da produção de resíduos.
(3) Pesquisa da Mckinsey aponta que 85% dos brasileiros sentem-se melhores quando compram produtos sustentáveis. Pesquisa global mostra que 97% dos entrevistados esperam que as marcas solucionem problemas sociais.
(4) Pontuação B3 considera: capital humano, governança corporativa, modelo de negócios e inovação, capital social, meio ambiente e CDP (programa de transparência em emissões de carbono).
Estimativas da “Climate Bonds Initiative” indicaram que somente em 2020 foram emitidos cerca de US$ 257,5 bilhões em títulos de dívidas voltadas ao “ESG”. Crescimento de 36% quando comparado com no ano anterior. E já são diversos os fundos de investimentos que consideram os critérios e os princípios “ESG” em suas análises, posto que o mercado tem maior “apreço” às empresas que difundem e praticam atividades voltadas a esses temas.
Em pesquisa global realizada pela BlackRock, alguns indicadores importantes: 54% dos participantes consideraram o investimento sustentável como essencial para os resultados dos investimentos; 88% definiram o meio ambiente como a principal prioridade entre todas as demais; e a integração ESG é a abordagem mais popular ao investimento sustentável, com 75% dos participantes integrando ou considerando integrar o ESG nas suas decisões de investimento. A própria BlacRock considera que o “risco de sustentabilidade – e o risco climático em particular – é um risco de investimento”. O conceito ESG está incorporado à sua estratégia empresarial.
(5) Em entrevista concedida dia 02/10/20, portanto há quase 1,5 ano, a analista da XP Inc., Marcella Ungaretti já havia sido enfática: “As gestoras já estão se movimentando para considerar os critérios ESG nos investimentos” e esse tema, tendo o Coronavírus como principal ‘catalisador’, colocou a prioridade de todos com relação às questões sociais e ambientais. Sem dúvida, “o assunto tem entrado cada vez mais na pauta dos investimentos e todos os olhos estão voltados para essas três letras”. E concluiu: “as gestoras, além de concordarem que o tema deve se tornar cada vez mais relevante, estão engajadas e já se movimentam no sentido de incorporar os critérios ESG no processo de tomada de decisão para alocação de recursos, bem como no desenvolvimento de novos produtos”, “Seja porque elas estão de fato alinhadas com os princípios ESG ou simplesmente por reconhecerem que para captar recursos esse é um fator imprescindível”.
(6) Matéria elaborada pela jornalista Mayara Paixão, e publicada no “Folha.Uol” dia 02.09.21, e com base no relatório da OMM/ONU (Organização Meteorológica Mundial da Organização das Nações Unidas) de 1º/09/21, dá conta que entre 1970 a 2019, na ocorrência de 11 mil eventos (secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestades e incêndios), mais de duas milhões de pessoas morreram em todo o mundo! Os prejuízos econômicos ficaram acima dos US$ 3,4 trilhões. Importante salientar que enquanto 711 dos fenômenos ocorreram nos anos 1970, na década de 2000 o número chegou a 3.536 e na década seguinte a 3.165.
(7) Apenas como ilustração, a OMS, Organização Mundial da Saúde já reconhece oficialmente a existência da “Síndrome de Burnout” (estresse crônico no trabalho, caracterizado em três circunstâncias: exaustão ou esgotamento de energia; distanciamento mental do trabalho; e menor eficácia profissional).
(8) Estudo da Universidade de Nova York “apontou que 58% das empresas que seguem os princípios de sustentabilidade registraram melhora dos resultados operacionais e performance financeira”. E o Fórum Econômico Mundial estimou entre 25% a 36% o aumento na lucratividade, 20% nas taxas de inovação e 30% na habilidade de identificar e reduzir riscos nos negócios (“ESG, da teoria à prática”, Estadão de 22.06.21).