No transporte rodoviário de cargas, a avaliação de R$ por quilômetro é um parâmetro que simplifica. Mas não explica* tudo.

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21 de Dezembro de 2018
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Este tema já foi assunto de um artigo publicado há mais de cinco anos (1), mas em face dos diversos estudos, análises e estatísticas que proliferam à respeito, constata-se que estudiosos da logística, representantes empresariais e executivos brasileiros, dos mais diversos segmentos econômicos, continuam apontando o aumento do custo do quilômetro percorrido no transporte, como aquele que mais contribui para o chamado “custo Brasil” e, consequentemente, com um dos grandes responsáveis pela diminuição da competitividade do produto nacional.
 
Não há dúvida, sendo portanto fato incontestável, que em um país com as dimensões continentais como o Brasil e uma precária infraestrutura logística (2), os custos relativos à movimentação de mercadorias – de insumos ou produtos finais - têm se elevado de forma significativa e, até mesmo, acima dos demais custos operacionais. Mas nunca é demais lembrar, que um erro ao se desenhar uma determinada solução logística, independentemente de qualquer outro problema, inclusive do que aqui já se citou, também contribuirá para que essas elevações de custos sejam ainda maiores.
 
Um dos cuidados, portanto, é compreender, mais do que isso, aceitar, que a melhor solução logística estará, antes de tudo, dependente da realização de um diagnóstico preciso e confiável. Do contrário, corre-se sério risco de se implantar “soluções” que não atacam a principal causa do problema, podendo se transformar num processo de “tentativa e erro”. Nada recomendável quando se trata da elaboração de um plano logístico nacional ou de um plano de negócios empresariais, pois como se sabe, para que esse tipo de processo se transforme em sucesso é necessário uma razoável ‘dose’ de sorte. E como a “sorte” nem sempre está disponível, é possível que se incorra em danos que, além de agravarem o que já era ruim, poderão ser irreparáveis. 
 
Daí aceitar-se que um correto diagnóstico torna-se imprescindível quando se quer desenvolver soluções efetivas e mais permanentes (3). Diagnóstico que somente será possível a partir do momento em que se tem processos de medição que reflitam a operação que se quer analisar (4). 
 
Isto também se adapta à logística, posto que de uma forma razoavelmente “corriqueira”, diagnósticos mal feitos, também frutos de medições incorretas, têm gerado propostas que não resolvem os reais problemas existentes, constituindo-se, consequentemente, em um conjunto de práticas (ou políticas públicas) ineficazes. Em alguns casos, como já mencionado, agravando ainda mais os problemas já existentes.
 
Em artigo aqui já citado e em outro publicado em maio de 2015, aqui mesmo neste portal (“Gastar mais com a logística pode significar, também, aumento de lucro”), busquei demonstrar a diferença entre “gasto” e “custo” logístico, para explicar que o simples cálculo do percentual dos custos logísticos com relação à receita líquida das empresas, sem uma análise mais detalhada, pode nos levar a erros. E fiz o seguinte comentário: “Há empresas, inclusive, que acreditam estar aumentando seus custos logísticos por conta de “ineficiência” da logística, quando, na verdade, estão aumentando seus gastos por vender ou comprar de localidades mais distantes”. Isto é, por conta de decisões puramente estratégicas que foram tomadas com o intuito de se alcançar novos mercados.
 
E ainda concluí: “afirmações de que os custos logísticos estão sempre aumentando (seja em relação à receita total das empresas ou dos PIBs nacionais) precisam ser avaliadas com cuidado e de forma ponderada, pois a simples comparação de gastos logísticos entre um período e outro pode não significar aumento dos custos logísticos, mas, sim, do aumento com gastos logísticos, oriundo da introdução de novas, mais complexas e mais abrangentes operações”. A própria utilização simplista da equação R$ por km, é um erro, pois ignora outras variáveis, tais como tempo, complexidade e estratégia de compra ou distribuição (alcançar mercados distantes, seja de insumos ou de consumidores), considerando-as sem maiores importâncias na composição dos custos operacionais totais.
 
No transporte rodoviário de cargas (5), se de um período para outro o valor do R$/km aumentou, a conclusão simplista, geralmente obtida, é a de ter havido aumento no custo desse transporte, o que nem sempre é verdade, pois o aumento de gastos (R$) com transporte, não implica, necessária e automaticamente, em aumento de custos de transporte, uma vez que os gastos podem ter sido aumentados em face da necessidade – ou estratégia – de se ter que ir buscar insumos ou levar produtos para mercados mais distantes. Nada tendo a ver com os graus de eficiência ou produtividade das operações. 
 
Um tipo de entendimento distorcido como esse gera avaliações incorretas e, muito pior, propostas que não resolvem os problemas existentes. Embora possa ser difícil diferenciar essas duas palavras (gastos e custos), é imprescindível que isso seja feito. Alguns exemplos: quando se consideram as diferentes condições (qualidade) das estradas, o custo do quilômetro rodado em São Paulo é o mesmo do Nordeste? Podem ser considerar iguais os valores por quilômetro tanto nas operações rodoviárias quanto nas urbanas? Locais com altos índices de roubo de carga terão o mesmo custo por quilômetro se comparados a locais com baixos índices? Operações de lotação e fracionados têm os mesmos custos? E quando se compara R$/km de operações dedicadas com aquelas não dedicadas? Para a mesma região, mas em épocas diferentes (época de chuvas, por exemplo) não há diferença de custos? Entregas programadas (cujo tempo para carga e descarga é claramente definido) “versus” entregas não programadas? Operações com contratos firmes e operações “spot”? Com idênticas quilometragens e tipos de equipamentos, mas com tempos de viagens totalmente diferentes, diante de cidades mais ou menos congestionadas, os custo R$/km são iguais? Cidades com mais ou menos restrições de trânsito tem custos iguais por quilômetro rodado? É óbvio que a resposta para todas essas perguntas é não! Somente por “acaso” as tarifas por quilômetro serão iguais.
 
Imagine-se este exemplo: R$ 10,00 por quilômetro rodado de uma determinada viagem que transportava 60 m³ de mercadorias, também serão R$ 10,00 por km rodado, quando se puder transportar 70 m³. Mesmo que o valor por quilometro aumente 10% (saindo de R$ 10,00 para R$ 11,00), haveria diminuição no custo do transporte, pois o aumento na produção foi de 16,7%! Enquanto no primeiro caso tínhamos R$ 0,17 por m³, no segundo caso estamos tendo R$ 0,16 por m³. Melhoria de 5,7% nos custos de transporte. 
 
Não é por outro motivo que se torna quase impossível a implantação de tabela de frete mínimo para o transporte rodoviário de cargas, quando existem dezenas de planilhas a respeito de cada uma delas: por tipo de equipamento (van, caminhão até 12 toneladas, caminhão acima de 12 toneladas, carreta, etc.), por faixa de quilômetro (de 0 a 100 km, de 101 a 200 km, e assim por diante), por tipo de operação (lotação, fracionado), por tipo de carga (líquido, paletizado, carga solta, etc), por destino (norte, sul, etc.), por tipo de produto (agrícola, industrial, de alta tecnologia, etc.), etc. 
 
Porém, e aqui vai uma crítica aos diagnósticos mal feitos a partir da simples informação R$ por KM sem quaisquer outras considerações, parte-se sempre da condição de que outras variáveis – como algumas aqui já citadas – sejam imutáveis e não têm qualquer impacto no custo do transporte. Ou seja, uma vez definida a tarifa para determinada faixa de quilômetro, para determinado tipo de equipamento, de carga e mercadoria, com origem e destino determinados, não há nada mais que possa influenciar, para mais ou para menos, essa tarifa (R$ por km). Segundo a maioria desses incorretos diagnósticos, qualquer alteração nessa relação de valor por quilômetro é fruto do nível de eficiência da operação ou do nível dos custos dos insumos necessários. Mesmo para operações de transporte idênticas (na quilometragem percorrida, no equipamento de transporte, no tipo de mercadoria ou de carga, na origem e no destino e no tipo de operação), existem diversos fatores que têm impactos significativos no valor final da tarifa, geral e infelizmente desconsiderados.
 
Ora, ao considerar apenas essas duas variáveis (reais gastos e quilômetro percorrido), além de se permitir erros importantes de avaliação e que nem sempre reflete a realidade da operação em questão, tem com uma das primeiras consequências, colocar toda a pressão, para a diminuição desse valor por quilômetro rodado (pressão salutar em quaisquer circunstâncias), única e exclusivamente sobre o transportador ou de quem compra esses serviços. 
 
O aumento do tempo das viagens, oriundo do aumento do trânsito, das péssimas condições da maioria das estradas brasileiras, do tempo de carga ou descarga devido à falta de espaços nas plantas de remetentes ou destinatários, da restrição de trânsito nos grandes centros urbanos (ou mesmo por causa do rodízio), ou da insegurança, por exemplo, fazem com que haja maior aumento do custo fixo do transporte. E, para esses problemas, a solução não está naquele que opera especificamente o transporte.  
 
O Decope, Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos da NTC&L (Associação Nacional das Empresas do Transporte de Carga & Logística), em estudos elaborados já em 2014 comentou: “Como se sabe, o setor ainda tem como agravante de custos os gargalos da infraestrutura, que vêm reduzindo, sobremaneira, a produtividade. Para não enumerar todas as deficiências de infraestrutura, seguem algumas, tais como: restrições à circulação nos centros urbanos, que hoje alcançam mais de 100 municípios em todo Brasil, barreiras fiscais, a ineficiência nos terminais dos embarcadores e as questões trabalhistas, que ganharam várias exigências adicionais com a Lei 12.619 de junho de 2012. Fora a situação precária da infraestrutura rodoviária e portuária que as empresas têm que enfrentar, além da grande escassez de mão de obra qualificada no setor, notadamente de motoristas”. 
Diante do exposto e considerando que os prestadores de serviços logísticos, incluindo-se o transporte, desenvolvem soluções personalizadas e adaptadas às exigências e necessidades de cada cliente e que, por não terem solução única, elaboram suas tarifas com base em projetos desenvolvidos especificamente para esse cliente, nos quais a relação custo/benefício é fator de maior importância, parece fundamental compreender – e aceitar - que: 
 
1º) parcela significativa do aumento dos gastos logísticos – ou todo ele - pode ser resultado de mudanças estratégicas empresariais, na medida em que “descobrem” novos mercados, mais distantes e complexos, tanto para aquisição de insumos como para venda de produtos acabados. E isto nada tem a ver com o grau da “eficiência logística”. Como já comentado anteriormente, o aumento de “gastos logísticos entre um período e outro pode não significar aumento dos custos logísticos, mas, sim, aumento com gastos logísticos, oriundo da introdução de novas, mais complexas e mais abrangentes operações”; 
 
2º) parte importante, ou até mesmo a sua totalidade, do aumento do valor por quilômetro das mercadorias transportadas, deve-se a fatos externos às específicas atividades de transporte e não, necessariamente, à qualidade do operador ou da solução apresentada; e
3º) juntamente com o índice R$ por km, devem ser analisados outros índices que reflitam diferentes operações de transporte e suas diferentes complexidades, tais como volumes transportados, tempos de viagem, tempos de carregamento e descarregamento, região e locais das operações, tipos de mercadorias, etc.   
A não consideração desses pontos, em quaisquer análises sobre a eficiência das operações logísticas e, mais especificamente, das operações de transporte de cargas, nos levará a diagnósticos incompletos (quando não incorretos) e, consequentemente, prontos para indicar soluções que, se na melhor das hipóteses não têm qualquer efeito, poderão, na pior das hipóteses, agravar ainda mais aquilo que já era crítico.
(1) Edição nº 34 de maio/junho de 2013 da Revista Mundo Logística: “Gastos e Custos Logísticos: É preciso Diferenciá-los para Melhor Compreendê-los”;
 
(2) De acordo com a InterB Consultoria, nos últimos 30 anos o estoque de infraestrutura brasileira caiu de 58,2% do PIB para 36,2%, muito distante dos 60% ideais. A média anual de investimento brasileiro também despencou de 5,4% do PIB no período militar para 1,7% nos últimos dois anos. Portanto, recuperar esse valor de estoque, até o ano de 2035, exigirá elevar nossa taxa de investimento para 5% e desde que o crescimento da economia se situe na casa dos 2% ao ano. Isto significaria investir R$ 350 bilhões por ano a partir de 2019. Isto é, mais de 10 vezes o disponível no Orçamento 2019.
 
(3) “Esperança de adulto somente se inicia a partir do momento em que ele conhece a realidade”, já disse o jornalista Paulo Francis.
 
(4) “Balanced Scorecard’, sistema de gerenciamento estratégico criado por Robert Kaplan e David Norton, nos ensina que não se pode gerenciar o que não é medido. Acrescente-se: dados precisam ser transformados em informações e estas em conhecimento. Os famosos KPI’s (key performance indicators) precisam trazer, ao final de tudo, conhecimento sobre as operações ou atividades que se quer analisar.
 
(5) Mais de 60% dos custos logísticos brasileiros são oriundos do transporte de carga (e destes mais de 88% são com transporte rodoviário), sendo muito comum a utilização da equação R$ por km (custo logístico total de transporte dividido pela quilometragem total percorrida nessas operações, carregadas ou não) como principal, se não único, índice de desempenho e de avaliação das atividades do transporte. Para muitos, inclusive, é o índice que mede o nível de eficiência dessas operações. 
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