Artigo publicado por: Paulo Roberto Guedes*
A legítima e correta preocupação com o meio-ambiente, o processo de urbanização e o crescimento das grandes metrópoles (e respectivas dificuldades com relação à mobilidade e o saneamento básico), a evolução tecnológica, a integração econômica instalada neste mundo (ainda muito) globalizado, o crescimento populacional e as alterações geoeconômicas, apenas como alguns exemplos, tem proporcionado graus maiores de complexidade em todas as atividades humanas. Em particular nas operações logísticas, que precisam movimentar, com eficácia, volumes cada vez maiores de mercadorias para todas as partes do mundo.
Com o surgimento da pandemia, e a consequente queda na produção mundial, foi natural que a ocupação de todos se localizasse, inicialmente, na ‘sobrevivência das pessoas’, principalmente por parte das autoridades governamentais. As empresas, em particular, adotaram as providências padrão: rígido controle de caixa e de custos, ampliação de portfólio, melhoria de atendimento, utilização da tecnologia disponível para aumento da produtividade e, principalmente, proteção às pessoas (empregados, parceiros, clientes, fornecedores ou prestadores de serviços).
Especificamente no campo da logística, também ficou bastante evidente que, dependendo da região, do cliente, do produto, do momento, do seu próprio tamanho ou dos recursos disponíveis, os impactos se diferenciavam e exigiam respostas diferentes. Fundamental, portanto, o desenho e o acompanhamento dos diversos e específicos cenários que se apresentavam como possíveis, inclusive econômicos, de forma a compreender eventuais problemas e exigências futuras. E, sempre que possível, com condições para se antecipar a alguns desses problemas. É evidente, mas importante lembrar, que não havia e não há resposta padrão para o que vem ocorrendo atualmente no mundo.
Certamente há um conjunto de providências razoavelmente comuns a todos e que precisam ser tomadas. Mas é evidente que os impactos com relação ao novo comportamento do consumidor, ao crescimento do comércio eletrônico e das vendas no varejo, aos novos canais de distribuição, ao avanço tecnológico, à nova postura empresarial, à pressão para realizar operações ecologicamente corretas e sustentáveis, incluindo-se a utilização de energia renovável, e ao aumento da inovação (incluindo-se aqui a digitalização, a robotização e a automação), apenas para citar alguns dos ‘novos fenômenos’, serão diferentes, em proporções diferentes e em tempos diferentes à cada um.
Desenvolver plataformas de marketplace próprias, aumentar investimentos em mídia digital ou diminuir a rede de lojas físicas, apenas como exemplos, não são respostas para os problemas de todas as empresas. Associar-se às startups logísticas (“Logtechs”), como forma de acelerar o desenvolvimento de soluções específicas, ou operar armazéns fechados (“Clark Stones”), para diversos tipos de produtos vendidos via e-commerce, de modo a facilitar e racionalizar o desenho de rotas e dos processos de entrega, podem ser ótimas soluções para operações pertinentes. Mas sem dúvida, não resolverá o problema de toda e qualquer empresa.
É fato que o desenvolvimento tecnológico e a ‘transformação digital’, em todos os segmentos econômicos, propiciarão a racionalização de processos, a desburocratização, o aumento de segurança e a diminuição de exposições a riscos, com consequências imediatas no aumento da eficiência, da qualidade e da produtividade e na diminuição de custos. Quando bem realizada e pertinente, a introdução de novas tecnologias mantem as empresas no mercado e com maior competitividade.
Utilização de Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Big Data, etc., especificamente no campo da logística, tornaram-se instrumentos cada vez mais comuns. Controle de frotas, de equipamentos, de estoques, de armazenamento (com quantidades crescentes de dados e variáveis a serem processados e em velocidades cada vez maiores), gerenciamento de inventários, otimização de veículos, gerenciamento de riscos etc., já são realidades em todo o mundo, inclusive no Brasil, e passaram a fazer parte da rotina dos profissionais de logística e ‘supply-chain’ (1).
Mas é essencial, também, planejar o futuro e repensar os negócios. E se temas voltados à governança corporativa, à resiliência, à inovação, à sustentabilidade, ao meio ambiente e à prevenção de riscos, assim como as discussões a respeito das consequências – positivas e negativas - que o avanço tecnológico gerava, já estavam na mesa de discussões, agora com pandemia e a guerra na Ucrânia, tudo ficou mais complicado, colocando todas esses temas em prioridade máxima.
Está claro que as cadeias produtivas, as relações comerciais, as formas de contratação etc., serão alteradas e obrigarão todos os empresários a desenvolverem, com base em perspectivas futuras ainda bastante desconhecidas e incertas, propostas empresariais que mantenham a qualidade, atendam as expectativas de clientes e acionistas e gerem valor a todos os “stakeholders”. Operar com sustentabilidade (incluindo-se aqui a “descarbonização”) é uma providência que, sem dúvida, irá orientar as atividades empresariais em todos os segmentos (2).
Há que se considerar, inclusive, agora com o arrefecimento da pandemia, pelo menos com menores impactos do que antes, que as empresas assumam suas novas responsabilidades sociais e incorporarem novos “valores” aos seus propósitos. A sigla ESG (“Enviromment, Social e Governance), por exemplo, resume um conjunto de alguns desses novos valores empresariais, característica das empresas desta nova década (3).
Com base em diagnósticos corretos e realistas, as empresas precisam, como já aqui se escreveu, identificar e desenhar cenários que as ajudem na compreensão do ‘novo momento’, de forma a revalidar, ajustar ou alterar seus próprios planos de negócios. Estabelecer uma direção, mesmo com flexibilidade, e trabalhar com base em planejamento estratégico mostrou-se como atitudes essenciais.
Nesse mister, e diante de tantas incertezas e o altíssimo grau de interdependência atualmente existente, seja entre empresas ou países, a utilização de mecanismos que melhorem o reconhecimento e o dimensionamento de riscos é fundamental. Rupturas que possam impactar as operações e até colocar em risco o próprio negócio, quando inevitáveis e conhecidas, precisam, pelo menos, ter seus impactos negativos minimizados.
Um diagnóstico correto é fundamental, pois a falta dele poderá indicar soluções, na melhor das hipóteses, sem quaisquer efeitos práticos. Na pior das hipóteses agravando ainda mais o que já era crítico.
Isso nos leva à concluir que realizar observações, agora com maior frequência e profundidade, que permitam acompanhar a velocidade das mudanças e realizar projeções mais confiáveis, ter instrumentos de avaliação de desempenho que levem em conta cenários cada vez mais dinâmicos e movimentar-se com rapidez, para adotar medidas urgentes e que se adaptem ao novo, transformaram-se em atividades profissionais imprescindíveis. Fica claro, também, que o maior ou menor grau de exposição a riscos dependerá, diretamente, da eficácia dos sistemas de monitoramento e de avaliação e dos planos de contingência existentes. E para que isso se realize com segurança, precisão e rapidez, digitalização, inovação e sofisticadas tecnologias de informação, rastreamento, monitoramento e comunicação (principalmente com os clientes), passam a ser exigências indispensáveis.
Mas há que se ressaltar que tudo isso somente funcionará de forma completa e eficaz, com capacitação e treinamento das pessoas que se disponham a trabalhar no ramo da logística e este ainda é um problema a ser equacionado, pois diversas pesquisas indicam a falta de profissionais com competências adequadas. Em particular os de tecnologia. Melhorar a remuneração desses profissionais e fazer com que entrem em contato com os países mais desenvolvidos torna-se imperioso, assim como a melhoria dos sistemas de segurança cibernética empresariais, pois as ameaças de “ataques cibernéticos” são cada vez maiores.
Como aqui já se escreveu, automação, robotização, inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), manufatura aditiva (impressão 3-D), computação em nuvem, redes 5G sem fios, ‘blockchain” (além de automatizar pagamentos, ainda facilita o rastreamento das mercadorias), apenas como mais alguns exemplos, são realidades que vieram para ficar, mas ser resiliente, flexível, estar próximo aos clientes, fornecedores e empregados e ter velocidade na tomada de decisões ainda continuam como características essenciais de qualquer administração que se queira moderna.
Não há dúvidas que a inovação e a tecnologia de informações (4) na logística e no supply chain se fazem presentes no Brasil, colocando o País em condições de vantagem junto aos principais países emergentes. Na América Latina, por exemplo, o Brasil ainda é referência e realiza operações logísticas com eficácia, principalmente quando consideramos uma certa precariedade de nossa infraestrutura logística e sua, ainda, preponderância rodoviária.
O Brasil, mesmo considerando as condições atuais, posto que a crise política, econômica e social já perdura por muito tempo, tem empresas que operam com excelência e se nivelam aos seus competidores internacionais. Os operadores logísticos que aqui operam, nacionais ou internacionais, desenvolvem suas atividades com altíssimos níveis de desempenho e tem condições de competir em qualquer parte do mundo (5). Não é à toa que os grandes operadores logísticos internacionais que se instalam no Brasil – e são muitos -, seja através de aquisição ou de fusão, reconhecem a qualidade e o avanço da logística brasileira. E ainda ‘transferem’ todo o desenvolvimento tecnológico – softwares, processos, desenho, etc. - desenvolvido em suas matrizes.
(1) Assuntos relativos à tecnologia na logística foram fartamente discutidos em Webinar realizado e transmitido pelo Portal da Tecnologística no dia 27/04/21, do qual tive o prazer de participar.
(2) Em excelente artigo, Michael Birshan, de Londres, Stefan Helmcke de Viena; Sean Kane da Califórnia e Tomas Nauclér, Estocolmo, todos da McKinsey, escreveram, em 13 pp, que “Jogando no ataque para criar valor na transição net-zero” é um processo já em andamento que, sem dúvida remodelará toda a economia, posto que, ao mesmo tempo em que “abrirá novos mercados”, colocará “outros em perigo”. Portanto, “agora é o momento para as empresas identificarem oportunidades de crescimento verde e agirem com ousadia para aproveitá-las”. “Quatro abordagens definem as estratégias das empresas que já estão aproveitando a oportunidade de crescimento líquido zero. 1º) as empresas estão ajustando as carteiras de negócios com atenção especial aos segmentos da indústria com grande potencial de crescimento. 2º) construir negócios verdes permite que as empresas penetrem em mercados que seus modelos atuais não podem atender. 3º) diferenciar-se com produtos verdes e propostas de valor em mercados existentes permite que as empresas ganhem participação de mercado e prêmios de preço. 4º) descarbonização de negócios legados aumenta seu valor”.
(3) Mais detalhes podem ser encontrados em artigo específico que publiquei no Portal da Tecnologística dia 10/02/22: “O conceito ESG e a responsabilidade social das empresas”.
(4) De acordo com os resultados obtidos pela Pesquisa Anual do FGVcia – Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas, (32ª edição), a respeito do “Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas”, o Brasil, entre computadores, notebooks, smartphones e tablets, já chegou a 440 milhões de dispositivos. Isto é, a “Transformação Digital” da sociedade e das empresas brasileiras é uma realidade.
(5) Explorei o assunto ao publicar o artigo “O protagonismo da logística em épocas de crise”, no Portal da Tecnologística dia 05/07/21.