“Nenhum de vocês conseguiria se eleger se falasse apenas a verdade”. Yuval Noah Harari, que passou os últimos dias no Brasil para uma série de palestras, soltou essa frase em pleno Salão Negro, o espaço que liga a Câmara dos Deputados ao Senado e onde ele realizou uma de suas palestras para convidados do Legislativo. Recebeu da plateia um riso um tanto constrangido, daqueles em que o sujeito não sabe se estava sendo criticado. Não estava. Harari, que tem três livros publicados, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21 - fez questão de explicar que “políticos não se elegeriam falando apenas a verdade, porque a verdade não une as pessoas da mesma forma que a ficção”. Falando em inglês, numa apresentação em formato de entrevista conduzida pelo advogado Ronaldo Melo, o professor explicou as fake news, partindo desse gosto que as pessoas têm pela ficção. “O problema é que as pessoas esperam que a verdade prevaleça por uma lei da natureza. A verdade não tem vantagem no mercado de ideias. A verdade é desagradável”, explicou. O antídoto? “Investimento em método científico para comprovar e separar o que é verdade do que é mentira”, diz.
A tecnologia, aliás, foi o principal foco do evento realizado em Brasília. Harari defende que os avanços em Inteligência Artificial podem acabar com 47% das atividades que existem hoje. Haverá uma “massa de desocupados” que vai dividir espaço com uma “elite de super-humanos”. O que os diferenciará, antes do dinheiro, será o acesso e o controle dos dados. “Não é uma profecia, tudo pode ser diferente, mas depende da forma como os governos, desde já, trabalhem para equilibrar a balança e permitir que os futuros desocupados sejam educados para novas atividades. Não é fácil. Imagine um caminhoneiro, de 40 anos, que sempre viveu das estradas. Como você faz para transformar ele num engenheiro de software?”, questionou.
O papel dos governos no palco dessa nova revolução industrial também foi abordado. O evento, “Modernizar”, é uma ideia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com curadoria do ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM), para preparar a classe política do País e dar o entendimento dos desafios que estão chegando. O Brasil, segundo Harari, está atrasado, preocupado com problemas do passado que nunca foram resolvidos, enquanto o futuro se aproxima impiedoso. Ele prevê que em 2050 a Inteligência Artificial já vai estar praticamente em tudo o que é possível. Países que se adiantarem, tomando para si a responsabilidade de atuar nesse campo ou ao menos de formar grupos de países que regulem o acesso e uso dos dados, terão uma vantagem que a Inglaterra teve no século 19, exatamente porque as outras nações acharam que tinham problemas maiores para tratar. “Você tinha os ingleses liderando a Revolução Industrial. Os outros não se interessavam porque estavam resolvendo outras coisas. Não havia tempo para ferrovia, fábricas, máquinas a vapor. Trinta anos depois, essas nações eram colônias britânicas”, avisou. A China, que hoje está na vanguarda do que Harari chama de “hackeamento de seres humanos”, é um dos exemplos. “Os chineses ficaram para trás naquela revolução da indústria. Por isso, hoje, eles resolveram liderar a Revolução da Inteligência Artificial. Na China, os mendigos usam um código QR pendurado no pescoço. As pessoas dão esmolas usando o celular”, conta.
“Não sei o que fazer para o Brasil alcançar a China. Só sei que o sistema educacional é muito importante. Não sabemos também o que será necessário ensinar para o mercado de trabalho em 2050. O certo é que é preciso focar em ciência e tecnologia, desde já”, afirma Harari, para depois explicar que os métodos de ensino são mais importantes do que exatamente o conteúdo. Segundo ele, é preciso educar a mente para que ela se torne flexível e se adapte às mudanças. Além disso, a tradição diplomática pacífica do Brasil precisa ser mantida. “É difícil esperar que o Brasil concorra com a China, por isso a necessidade de se unir a outras nações para ganhar força e equilibrar a balança”, diz.
Recado para os governos
Ele ainda mandou um recado para os governos, em relação ao futuro do trabalho: “Não protejam os empregos, protejam pessoas. Proteger empregos é um esforço inútil. É preciso dar a capacidade para que as pessoas mudem de um tipo de emprego para outro, não para lutar tentando preservar o que é perecível”.
Para finalizar, fez uma provocação: “Quando todos os dados sobre políticos, advogados, jornalistas e professores brasileiros estiverem em poder dos EUA e da China, o Brasil será independente ou será uma colônia?”.