Muito trabalho e pouco resultado

Publicado em
19 de Novembro de 2012
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O brasileiro trabalha mal. Pior: a baixa produtividade se mantém há muito tempo. Esse problema ameaça o crescimento do país. A solução exige mais educação, inovação e difusão de tecnologias

MARCOS CORONATO E NATHALIA PRATES

Quem trabalha dificilmente acredita que produza pouco. Seja um assalariado numa mesa de escritório, um profissional autônomo, um alto executivo ou um operário, o cidadão tende a acreditar que trabalha muito e bem. Certamente pensavam do mesmo jeito os envolvidos nas histórias a seguir:

• Há apenas cinco anos, uma rede de supermercados presente em vários Estados percebeu que desperdiçava muito pão francês. Grandes fornadas saíam em horários que não correspondiam aos de venda mais intensa. Os pãezinhos esfriavam, encalhavam e iam para o lixo;

•  Em 2010, um grande hospital paulistano notou que desperdiçava tempo precioso dos cirurgiões, anestesistas e pacientes com necessidade de atendimento. A higienização das salas de cirurgia entre uma operação e outra demorava quatro vezes o necessário;

• No ano passado, uma fabricante italiana de autopeças montou no Brasil uma linha de produção exatamente igual a uma existente na Itália, com as mesmas máquinas, o mesmo tamanho e o mesmo número de funcionários. A produção no Brasil correspondia a apenas 75% da obtida na Europa.

PARECE IGUAL, MAS NÃO É Fábricas no Brasil,  no Reino Unido, na Turquia  e nos Estados Unidos. A produtividade do trabalho vem subindo em países ricos e pobres, mas não no Brasil (Foto: Rodrigo Paiva/Folhapress, Chris Ratcliffe/Bloomberg/Getty Images, Murad Sezer/Reuters e Paul Sancya/AP)

Por que ocorrem esses desperdícios, atrasos e frustrações? Não há resposta simples a essa pergunta. Podemos, com algum alívio, eliminar logo de saída uma opção: o brasileiro não trabalha pouco. Nossa média está próxima de 1.840 horas de labuta por ano. Trabalhamos menos que os sul-coreanos, os taiwaneses e os chilenos, mas tanto quanto os argentinos, os irlandeses e os turcos – e bem mais que os cidadãos da maioria dos países ricos, incluindo alemães, japoneses e americanos. O problema não é quanto, e sim como trabalhamos e o que fazemos. Gastamos muito esforço para produzir menos do que seria possível. Isso nos define como trabalhadores pouco produtivos. E essa produtividade, que nunca foi grande coisa, não dá sinais de melhorar. Desde 2000, o valor que o brasileiro produz em cada suada hora de trabalho, em média, aumentou 13%. Seria um índice acanhado até para países desenvolvidos, onde é difícil espremer mais algumas gotas de eficiência de rotinas de trabalho já extremamente refinadas e azeitadas. No mesmo período, o trabalhador britânico avançou idênticos 13%. O americano é há décadas referência mundial de trabalhador que produz muito, e mesmo assim conseguiu melhorar 19%. A maioria dos trabalhadores de países em desenvolvimento relevantes mostrou desempenho muito superior, como o colombiano (aumento de produtividade de 23%) e o turco (54%). O fato de melhorarmos tão pouco nesse quesito preocupa muito, porque isso ameaça a capacidade de o Brasil manter, pelos próximos anos, o atual ciclo virtuoso de aumento de renda. “A renda só cresce de duas formas: ou por mais horas trabalhadas ou por aumento de produtividade”, diz Fernando Veloso, professor da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago. “O melhor é ir pelo segundo caminho, produzir mais trabalhando menos. No longo prazo, é o que mais contribui para aumentar o bem-estar.” Veloso publicou em 2010 um estudo que alertava para a estagnação da produtividade do trabalho no Brasil.

Os exemplos de ineficiência apresentados no início deste texto impressionam, por ocorrer em pleno século XXI, num momento em que todos os países disputam postos de trabalho e investimentos. Mas eles não chegam a ser os casos mais graves do Brasil. Todos foram corrigidos e melhorados, porque se prestaram docilmente a medições e comparações com processos idênticos executados em outros países. Melhorias do mesmo tipo podem ser levadas àqueles setores cujo avanço de produtividade ficou abaixo da média da indústria em 2010 e 2011. Pelos cálculos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), enquadram-se nesse time os fabricantes de fios e tecidos, calçados e aparelhos eletroeletrônicos. Nas multinacionais, o funcionário brasileiro não faz feio quando comparado aos de outros países. Mas é bem mais difícil levar as melhorias necessárias ao mundo das microempresas, das fabriquetas, da agricultura em pequena escala, do comércio e dos serviços miúdos que compõem o grosso da economia.

A maior parte do PIB é gerada pelo trabalho de pequenos empresários, pequenos administradores e assalariados que precisam se virar com os poucos instrumentos de que dispõem – educação ruim, pouco treinamento, tecnologia atrasada e falta de referências sobre os melhores padrões mundiais para realizar cada trabalho. O resultado decepcionante da produtividade serve para lembrar que o Brasil, ao mesmo tempo que exporta aviões, ainda combate o trabalho em condições análogas à escravidão. “Como somos um país muito heterogêneo, a produtividade média não é a melhor medida da realidade”, diz o economista David Kupfer, coordenador do grupo de estudos da competitividade da indústria (GIC-IE) na UFRJ.

Para crescer por muitos anos, Coreia do Sul, Finlândia e Israel apostaram na alta da produtividade  

Ao longo do século passado, a produtividade fraca não impediu que a economia do país se expandisse. Ela avançou apoiada em vários fatores. Alguns nada têm a ver com a qualidade do trabalho. Tornou-se mais produtivo o uso do dinheiro, graças à conquista da estabilidade, que estimula e facilita o planejamento dos empreendimentos. Tornou-se mais produtivo também o uso da terra, que permite contínuos recordes de safra, mesmo com a ampliação contida da área cultivada no país. E houve, também, alguns fatores relacionados ao trabalho. A economia pôde se expandir à base da força bruta: com o maior número de braços de uma população crescente e o alongamento das jornadas de trabalho. Quando mais jovens adultos entram no mercado, e quando esses jovens trabalham mais horas, é razoável que a produção cresça. Esses recursos, porém, estão se esgotando.

O IBGE prevê que a população pare de crescer até 2040, quando os adolescentes de hoje ainda estarão no mercado de trabalho. E as jornadas não têm como crescer muito mais – as 1.840 horas anuais trabalhadas pelo brasileiro já são tema de debate acalorado. A economia precisará então se expandir pela inteligência. Para o país produzir mais com a mesma população, ou para que cada indivíduo produza mais sem precisar se esfalfar por mais horas, o brasileiro precisará assumir empregos mais nobres, receber mais educação e treinamento e dispor de mais tecnologia para trabalhar.

“É preciso melhorar incrivelmente a qualidade da educação no Brasil. E precisamos inovar e absorver tecnologia. A baixa propensão a inovar tem reflexos na baixa produtividade na indústria e serviços”, diz o economista Gabriel Squeff, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e autor de um estudo sobre o tema publicado neste ano. Temos de nos apressar, pois não há boas notícias em nenhuma dessas frentes. Apesar da excelência mostrada em alguns setores, como a tecnologia agrícola e o sistema financeiro, o Brasil tem desempenho manco tanto na criação quanto na absorção de novas tecnologias. Também não colhemos plenamente os frutos da universalização do ensino fundamental ocorrido nos anos 1990 nem da difusão recente do ensino superior. Ainda é comum no país a valorização exagerada de diplomas e certificados, em detrimento de estudo sério e aquisição de conhecimento.

No momento, está em curso no país uma transferência natural de mão de obra de setores da indústria para os serviços, processo típico de países em enriquecimento. Só que a produtividade nos serviços também avança lentamente, de acordo com o estudo de Squeff. O motivo, novamente, é a educação precária: estaríamos em melhor situação se o setor de serviços se expandisse com vagas de alta qualificação e produtividade, em setores como design, arquitetura, finanças ou consultoria. Em vez disso, ocorre a proliferação de postos de trabalho muito básicos, em pequenas lojas e salões de beleza.

O Brasil até poderá crescer, no futuro, por uma via que não passa pelo aumento da produtividade, como a competência na criação de marcas fortes e bem avaliadas (estabelecer nomes globais como “Petrobras”, “Vale”, “Havaianas” e “cachaça” exige trabalho duro, mas não tem a ver com ganho de eficiência). Mas, como lembra o economista José Alexandre Scheinkman, professor na Universidade Princeton, a maior parte dos casos de crescimento prolongado do mundo se deu com uma alta da produtividade. Foi esse o caminho percorrido por países como Coreia do Sul, Finlândia e Israel. Se quiser seguir a mesma trilha, o Brasil terá de passar também por mudanças culturais. “Em outros países, o funcionário é um caçador de desperdício e é valorizado por isso. No Brasil, o funcionário se sente intimidado em apontar falhas”, diz Ruy Cortez de Oliveira, executivo-chefe da consultoria Kaizen, especialista em ganhos de eficiência. “Os chefes só se interessam pelos resultados, e não pelos processos.” Trata-se de uma agenda complicada, mas imperativa. Para o Brasil, chegar ao estágio atual de desenvolvimento foi difícil. Mais difícil ainda será manter o ritmo a partir daqui. 

Os outros avançam, o Brasil fica (Foto: Reprodução)
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